segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O saci e a bicicleta



Não! A recente cirurgia circunscreveu-se à região do já antes extirpado apêndice. Não atingiu, pois, qualquer área que pudesse estar a causar-me eventuais transtornos emocionais. Intolerância exacerbada, então? Talvez resultante do ingresso no (quase) eterno “time dos enta”? Tampouco. Aquilo sempre me incomodou, apesar de nunca me ter disposto a escrever mísera linha a respeito.

Então, por quê? Paciência esgotada. É isto! Quiçá porque dessa vez o absurdo, já como tal compreendido de há muito, soou-me agora inaceitável. Não sei. Ora bolas, afinal que importa? Tirou-me da letargia. E ponto.


O fato, lhes digo, é que não agüentei quando o repórter na TV mais ou menos assim anunciou: diversos bikers (é assim que se escreve?) reuniram-se para passear na cidade de São Paulo, em comemoração ao aniversário da metrópole. Bikers? Não, não ouvi mal.


Sem qualquer vestígio de piedade, cristã ou qualquer outra, o repórter fez questão de repetir, várias vezes, no decorrer do seu labor. Os bikers isso, os bikers aquilo... E eu definitivamente surpreso, e bufando! Aquilo já era demais! Estão matando a minha língua, pensei. Ou seria gritei, pra dentro? Definitivamente, o assassínio estava se consumando. 

Não bastasse o inaceitável homicídio da nossa curvilínea e esguia bicicleta, que impiedosamente tem sido chamada de bike, agora até ciclista deixou de sê-lo. É verdade. Decerto resultado de nossa histórica submissão à colonização dos alienígenas abastados, ciclista agora é biker! E durma-se com essa! Pobres Monteiro, Aldo...

Ah, que inveja dos patrícios de além-mar! Calma, ao confessá-la não estou a pregar o uso do rato, ao invés do mouse, nem de sítio, no lugar de site, como eles admiravelmente o fazem. Aí já seria devaneio demais! Tenho pretensões mais modestas, afinal nascidas no bojo de nossa subserviente atitude frente a tudo o que é europeu (ocidental) e, principalmente, norte-americano (olha o Dia das Bruxas, aí, gente!). Já me daria por satisfeito, pois, com a extirpação dos shopping center, self-service, 50% off, sale, hot dog, tour, car, delivery, game, beach soccer, light, diet, Maisons e Giácomos não sei das quantas, e por aí afora, palavras e personagens estrangeiros que tolamente reverenciamos e não raro sequer conhecemos ou sabemos pronunciar.


Mas é chique. Vende. Hum! É triste.


E como eles devem rir de nós... Né não?


Pronto. Desabafei. E viva o Saci-Pererê! Viva Lobato! Viva Rebelo!

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Escrito em fev.2006
Foto: http://pedalante.wordpress.com/2009/10/31/o-saci-pedala/
Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 03/02/2006, e em http://www.brasilwiki.com.br/noticia.php?id_noticia=9486 (site BrasilWiki!)

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