domingo, 6 de dezembro de 2009

O meu amor

Um dia voltarei a falar de amor. Engraçado: de cara já o digo. Esse tema, quase tão bom quanto desconhecido... Se nunca sobre ele falo, diretamente (ao menos), é porque me sinto a tanto incompetente, ou pouco capaz. Mas posso dizer, dentro dessa minha ignorância, ou dessa minha inábil maneira de lidar com esse sentimento, que sou exclusivista demais. A verdade é que, percebo, pra mim não há remédio; ou, à falta de, remediado está.

Meu amor é indiviso. É exclusivista. Meu amor é quase (melhor diria, meio) possessivo. Meu amor é amor de macho. Sim!, ... meu amor é amor de homem-bicho, homem no sentido de ser da natureza, de ser humano... Meu amor, pasmem, sente ciúmes. Detesta (ou, pior, não aceita) que outros possam estar a desfrutar de uma intimidade do corpo do ser amado (visual que seja) que só deve por ele ser vivida. Meu amor tem uma generosidade duvidosa. É que meu amor espera receber amor igual. Meu amor não é doação. Meu amor é reciprocidade. Exata, no mínimo. Meu amor é forte, é singular, é passional. É egoísta, é declarado. Mas meu amor é sensível, é compreensivo, é generoso, é solidário. Meu amor é forte, é pulsante, é vida, é exigente. Meu amor precisa sentir-se amado. Meu amor não admite esmola, não aceita dádiva generosa, não permite favor. Meu amor, porém, é leal.

Acho que, numa palavra, posso assim conceituar o amor que sinto, o amor que me faz vibrar, o amor que me lembra estou vivo como nunca. E acho que é essa característica que faz por perdoar os defeitos do meu amor, da minha capacidade de amar. É..., meu amor é leal. Tão forte, tão pulsante,... quanto leal.

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Foto: http://reflexuspn.blogspot.com/2006_08_01_archive.html

sábado, 5 de dezembro de 2009

Sobre amigos


Tb publicada no jornal impresso Gazeta de Alagoas, de 06/12/2009, e postada no sítio www.talentos.wiki.br/index.php


Sempre se diz que um amigo é um tesouro, ter um amigo é ser rico, e por aí vai. Mas de qual amigo se trata? A que amigo a afirmação se refere? Pra que serve um amigo, afinal?

Realmente, existe amigo pra tudo que é gosto (ou desgosto): amigo de infância, amigo de adolescência (é, tem também), amigo de maturidade (é feia a expressão, mas igualmente tem), amigo de mesa de bar no geral (no geral, quer dizer, em qualquer situação o cara tá disposto a tomar uma, sem necessidade de existir um motivo pra isto), amigo de balada, amigo de fofoca, amigo de oi — que é o amigo de cumprimentar —, amigo de profissão, amigo de viajar, amigo de sair de casal (quando você está acompanhado e ele também), amigo falso, amigo invejoso, amigo gay, amigo bi (e amigo hétero), amigo sociopata, amigo neurótico, amigo de ir ao jogo de futebol no estádio, amigo de tomar uma antes desse jogo de futebol começar, amigo de tomar uma após o jogo de futebol terminar (quando o seu time ganha, ou até quando perde), amigo de tomar uma vendo um joguinho na TV, amigo de tomar uma durante um “valenight” (quando tem a sorte de ter uma namorada ou mulher compreensiva, ou quando sabe fazê-la ser assim), amigo de confidências, amigo de conversar abobrinha, amigo de falar sobre “coisa séria”, amigo de te visitar quando você está doente, ou recém-operado, ou acidentado, amigo de chorar e rir com você, compartilhando de sua dor ou de sua alegria, amigo que quer ser você, amigo que quer ter o que você tem, amigo que te ama, amigo que te odeia, amigo que te malha pelas costas, amigo que ouve e guarda seus segredos, amigo traidor, amigo de sentir falta, de sentir saudade, de querer reencontrar, amigo de e-mail, de MSN, de Face, de Orkut, de Twitter, de telefone, de carta (em extinção), amigo de confraternizações (periódicas ou não), amigo de festas de aniversário, amigo de faculdade, de cursinho, de trabalho, de academia de ginástica, amigo de um só encontro, amigo de uma vida, amigo pra vida toda, amigo pra todas as horas... A relação é extensa, infinita, não pára; eu é que, cansado, parei. E não se pode esquecer também que um amigo de faculdade pode ser também de balada, de tomar uma antes do jogo, de MSN, etecétera (muitas finalidades juntas). Ah! Vou continuar mantendo o acento agudo no pára (verbo). Enquanto eu puder.

Claro que nem todos os amigos acima identificados podem ser classificados como amigos, mesmo. Alguns são meros conhecidos, colegas, traíras, sacanas, fdp, etecétera. Mas preferi chamá-los, a todos, amigos, porque a rigor você normalmente assim a eles se refere. Tipo: fulano é um amigo meu, conhecido, na verdade... Ou: beltrano (horrível esse nome, beltrano) é um amigo, quer dizer, um colega de trabalho... Ou ainda: cicrano (pior do que beltrano: triste!) é um amigo meu de faculdade, um sacana que nunca passa a fila na hora da prova... E seguem as explicações, sempre antecedidas do “é um amigo”. Daí que preferi considerá-los, a todos, assim.

Mas eu dizia que amigo é um tesouro que a gente tem na terra, quando tem. Bom, considerando a relação acima, todo mundo tem um amigo, e esse amigo de tesouro muitas vezes não tem nada, a não ser que você considere que é um tesouro porque serve para o seu crescimento e outras balelas (até verdadeiras). Amigo tesouro é o amigo presente, aquele de valor incalculável, aquele que se dele prescindirmos sofreremos, aquele cuja amizade devemos cultivar, cuidar, alimentar, de preferência todos os dias, aquele que devemos nos lembrar de manter contato ao menos uma vez por dia, aquele de dar boa noite, de dar bom dia, de ligar pra saber as novidades (do dia), aquele com quem você se encontra ao menos uma vez por semana...

Principalmente: amigo deve ter utilidade, mesmo que seja para uma companhia momentânea, um sorriso, um abraço. É! Amigo deve ser útil a sua vida! Coisa que só um amigo presente pode ser. Amigo ausente, por mais que por ele você sinta imenso amor fraterno, somente será desfrutado (essa amizade) em poucos e raros momentos, o que, diga-se, é muito pouco. A importância do amigo é ditada pela sua utilidade em nossas vidas. Um amigo com quem não podemos compartilhar nossa vida, nossos anseios, nossas alegrias,  nossas bobagens (e a dos outros também, claro) não é o amigo a que me refiro. É um amigo. Você gosta, chora e sorri com ele. Ama-o. Mas não é “o” amigo. Amigo é útil. Pra ser amigo. O consolo é que não se está fadado a ser “um” amigo pra sempre.
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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Domingo continuarei Alagoas

Como todos sabem, próximo domingo (06/12) haverá diversos jogos decisivos pelo Campeonato Brasileiro da Série A. Por isto mesmo, certamente a cidade — e principalmente seus bares, já que os estádios onde ocorrerão não se encontram nem nesta capital, nem neste estado — estará tomada por torcedores, daqui mesmo de Alagoas, que, entretanto, torcem por times de fora, notadamente das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. O fenômeno é cultural, mas bem que poderia sê-lo bebendo-se do exemplo de nossos vizinhos recifenses, que não admitem divisões em seu coração, e não daquela (cultura massificada e alienante) patrocinada pela mídia grande.

E aí há aqueles alagoanos que só torcem por esses times, que são na verdade times dos cariocas e paulistas; há outros que torcem mais por esses, mas também torcem — um pouco, vá lá — pelos de sua terra, e há aqueles que, diferentemente destes últimos, têm o dos outros como seu 2º time. Todos, portanto, na totalidade, em maior, ou em menor grau, sofrem, choram, alegram-se, vibram, brigam, gritam pelo seu time do coração, de estado diverso do seu. Todos, portanto, vestem-se com as cores de seu time do coração, de estado diverso do seu.

Bem, como isto é um fato, tão incontestável quanto lamentável — e aqui quero registrar que a crítica formulada não significa desrespeitar a vontade e amores alheios, mas apenas manifestação de opinião, em defesa do meu estado, de seus clubes e, portanto, de nossa auto-estima —, resta-me — além de escrever essas mal traçadas linhas na esperança, talvez vã, de que alguma alma, aqui e ali, nelas deseje debruçar-se — vestir-me, no próximo domingo, com a camisa do clube da minha terra, das minhas raízes, do meu estado, da minha cidade, do meu dia-a-dia, do meu bairro, da minha infância, do meu chão, da minha história, do meu, efetivamente do meu(!) coração e da minha(!) vida.

E assim poder exibir com orgulho esse amor exclusivo, como exclusivos são os verdadeiros amores. E assim tentar demonstrar que um coração dividido não é tão forte quanto se de um só clube fosse. E demonstrar que a minha Maceió, que a nossa Alagoas não é terra apenas de torcedores de times dos outros, ou de torcedores mistos (com todo o respeito), mas também de alguns resistentes que, felizmente só conseguindo amar àquele de sua história, são (e serão sempre) a ele eternamente fiéis. Assim, domingo estarei, mais uma vez, com muito orgulho e paixão, vestido com a camisa do Clube de Regatas Brasil – CRB.
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Também publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 06/12/2009, e postada no sítio www.futebolalagoano.com

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

E se não houvesse a foto?

Crônica
Chamou-me a atenção a recente notícia de que um helicóptero do Governo do Estado teria caído. Não entendo nada de helicóptero — salvo que sou capaz de distinguir um de um avião, por exemplo —, menos ainda, naturalmente, de sua mecânica. Também não tenho a mais mínima intimidade com os procedimentos periciais que nessas máquinas se realizam em caso de acidentes, tampouco de até onde são possíveis de chegar, no que se refira à cabal descoberta de sua, ou suas, causas. Mas em tais circunstâncias os questionamentos surgem natural e imediatamente: A tripulação, e eventuais passageiros, estariam bem? Qual a causa, ou causas, do acidente? Falha mecânica? Erro humano? Bem, soube-se que não houve vítimas fatais, que o piloto fora hábil, de modo a felizmente conseguir desviar o helicóptero das áreas habitadas, e que eventual causa do acidente seria apurada. Ninguém estaria, pois, ainda, a culpar os tripulantes pelo acidente.

Mas dia seguinte os jornais noticiam, pasmem(!), que no tanque não havia combustível! Bem, se não havia combustível, a tripulação, de competente, hábil, começa agora a ter esses atributos questionados no íntimo do cidadão comum... Seria possível que a tripulação não houvesse percebido? Pior (mas nem sei se é pior, mesmo): teria notado, mas preferido arriscar? Aí fiquei me recordando (glup!) de algumas vezes em que já fiquei a pé por ter protelado a ida ao posto de combustível, a pretexto de não perder tempo, ou por preguiça mesmo... Tudo bem, tudo bem, que uma coisa é uma coisa, e outra... Mas... A suspeição já se instalara.

Eis, porém, que aparece uma pedra (ops! uma foto) no meio do caminho! Tirada do painel do helicóptero, pela tripulação, momentos antes do acidente, para posteriormente demonstrar aos seus colegas em terra a força dos ventos que estavam enfrentando. Na foto..., o marcador de combustível assinalando que ainda existia o precioso líquido para pelo menos mais meia-hora de vôo. Caramba, que sorte, imediatamente pensei! Bendita foto! Bendita providência! Divina, teria sido? Pra mim, sem dúvida. Mas não vem ao caso. O que me impressiona é que algo os moveu a bater a foto (para os incrédulos, mera coincidência), e esta poderá vir a ser a prova que baste a livrá-los da suspeita (no mínimo) a que houvessem sido irresponsáveis e, por isto mesmo, responsabilizados pelo acidente. Afinal, e se não houvesse a foto? A perícia descobriria que o marcador de combustível estava defeituoso?
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Foto: Gazeta Web
Também publicada no jornal Gazeta de Alagoas, desta data.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Aí você acorda...

Crônica
Aí você acorda e vê que precisa mudar. Não uma mudança qualquer. Algo que transforme sua vida. Que transforme seu ser. Altere convicções ultrapassadas, extirpe preconceitos. Torne passado o que já deveria sê-lo. Um novo presente está bem ali, um futuro diferente acena.

Aí você acorda e vê que precisa mudar. Dar lugar à generosidade, naquele espaço reservado ao egoísmo. Adornar sua natureza com a flexibilidade do eucalipto, e não com a rigidez do carvalho. Julgar menos, viver mais.

Aí você acorda e vê que precisa mudar. Enfim enxergar o que tanto relutou em ver. Deixar que a claridade entre pela janela de sua vida. Finalmente. A luz, onde havia névoas que você teimava em não deixá-las dissipar-se.

Aí você acorda e vê que precisa mudar. Aceitar as pessoas como elas são. Identificar suas próprias fragilidades e defeitos e tentar transformá-los em fortaleza e virtude. Cobrar menos. De si e dos outros. Viver mais. Viver melhor. Deixar que a vida o leve. Mas sem perder o controle do leme. Só não remar contra.

Aí você acorda e vê que precisa mudar. Ver que a luta nem sempre pode ser vencida. Antes é às vezes até pra ser perdida, porque pode não ser justa a sua vitória. Ou porque não haverá vitória. Nem derrota. Que a luta é inglória. Que você lutou em vão. Que sequer luta havia a ser lutada. Que a luta, você mesmo a criou.

Aí você acorda e vê que precisa mudar. Como você já acordou outras vezes, mas não mudou tanto quanto devia ou precisava mudar. Ou mudou o que pôde, o que conseguiu. Fez o seu melhor. Você finalmente vê que o tempo está passando. Que a vida passa, e não volta mais.

Aí você acorda e vê que precisa mudar. Aí você enxerga que precisa, realmente, acordar. Pra ver. E renascer. Ser melhor. Ser feliz. De novo.


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Também postada no sítio Talentos Prosa e Poesia
Foto "Amanhecer em Maceió", por Alvimar Rodrigues, em http://www.1000imagens.com/foto.asp?idautor=160&idfoto=44&t=&g=&p=95

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Preito à braguilha das cuecas

Crônica
Digam-me uma só boa razão para o fechamento da braguilha das cuecas. Já quebrei a cabeça pensando e, sinceramente, não encontrei. Pra quem não sabe, ou não lembra, braguilha era aquela simpática e funcional abertura (buraco) que existia na parte anterior das cuecas — seja das tipo sunga, seja das chamadas samba-canção —, e que servia para, por ela, puxarmos o danado para urinar, entre outros fins. Samba-canção, aos desavisados, era um tipo de cueca que se assemelhava a um calção — que, esclareça-se também, não é uma calça grande —, uma espécie de bermuda pequena (o que hoje se chama short, que por sua vez trata-se de mais outro estrangeirismo incorporado ao nosso convívio sem o mais mínimo sentido, já que tínhamos calção tanto na língua portuguesa como no guarda-roupa), bem folgadinha e, em regra, de algodão. Aliás, antigamente, mas não tanto a ponto de ser ainda criança, eu falava barguilha. Assim: com o r após o a. Diga-se de passagem, muito mais agradável de dizer e de ouvir. Mas tá em desuso. Pena.

Ao darem fim às braguilhas, os fabricantes o deram, igualmente, à sua (delas) indispensável funcionalidade. E se é assim, e o é(!), volto à indagação inicial: por que cargas d’água dela nos privaram? Tentando encontrar resposta, entro a conjeturar: Seria vingança de alguma fabricante-mulher, que a fechou por eventual mágoa conosco, homens, até então rancorosamente guardada? Ou de algum fabricante-travesti enraivecido com o buraco da sua (dele) cueca— à época em que ainda a usava, obviamente —, sempre a impiedosamente lembrá-lo da desnecessidade de urinar sentado? Ou foi por uma razão simplesmente estética? Nenhuma hipótese me satisfaz ou me conforta.

Observem, por outro lado, que a forma da braguilha continua presente. Apenas o buraco — ela, portanto — foi sumariamente fechado. Deixaram o risco, a costura, nalgumas uma espécie de abanhado (como se diz aqui no nordeste) inútil, às vezes até o desenho de um losango (nas tipo sunga). Enfim, mantiveram uma braguilha falsa! Como que para eternizar o ato vil e certamente destituído de propósitos nobres, mantendo-o fresco em nossa memória e eternizando nossa irresignação.

Mais: não bastasse o desconforto, dá prejuízo. Já perdi até celular! Ora, se uma das mãos está ocupada com o aparelho móvel, torna-se sumamente desconfortável alcançá-“lo” usando apenas a mão desocupada. Claro que tenho umas poucas e raras (samba-canção) que têm braguilha. Tão bem cuidadas que, velhinhas embora, parecem novas. Devoto-lhes profunda afeição e gratidão pela serventia. Mas nesse dia, do celular, não estava com uma. Assim, tive que prender o celular entre o ouvido e o ombro para, com as duas mãos livres, finalmente abrir o zíper, arriar um pouco a cueca, segurá-la, arriada, com uma das mãos e, enfiando a que está livre pela braguilha da calça (essa pelo menos até agora tá mantida), trazê-“lo”, enfim, à luz do aposento. Resultado: o celular escorregou, caindo direto na aguinha lá embaixo. Já era. Duas vezes.

Outra é quando você se depara com aquelas tampas mal reguladas de privada — aquela parte do aparelho sanitário usada para tornar mais confortável a produção do número 2 —, e que teimam em cair a cada vez que você, mesmo com todo o cuidado, já que pretende fazer apenas o número 1, as levanta. Aí lá vai você ocupar uma das mãos para segurá-la. O resultado, agravado se você estiver com pressa: perna da calça mais, ou menos, salpicada, jato na borda do sanitário, no chão, e por aí vai (queira nem saber mais hipóteses).

Não bastasse, no ato de abraçar uma mulher pela cintura, com uma das mãos, naquele momento mais, digamos, entusiasmado entre o casal, eis que a outra mão, a livre, não consegue, naturalmente, dar conta de, sozinha, ...sozinha, ...sozinha, errrr, vamos pular essa.

Comentando com um amigo acerca deste preito, sou informado de que o tema já fora abordado pelo cronista Mário Prata, que como eu seria um irresignado órfão das braguilhas das cuecas. Pôxa, vida! Ao mesmo tempo que me senti na melhor companhia, honrado de compartilhar com um dos maiores escritores brasileiros contemporâneos a mesma queixa pelo banimento das braguilhas das cuecas, corri a enviar logo o texto a publicação — antes, pois, de ler a crônica do Prata, e de ser vencido, outrossim, pela tentação de desistir.
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Tb publicada no Caderno Saber do jornal Gazeta de Alagoas, de 01/05/2010, e postada nos sítios BrasilWiki e Talentos Prosa & Poesia

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Anand'amor

Crônica
Tem o primogênito (que no caso é “a” primogênita); tem o filho homem (que é o do meio, mas aqui o destaque vai para o sexo do dito cujo, e não para a sua posição pela ordem de chegada ao meu mundo); e tem o... caçula (que também é “a”). Como os demais — uma, por ser a primeira, a que inaugurou; outro, por ser o filho homem que todo pai, acho, sonha ter —, a caçula também tem um charme especial, no caso, ditado por essa condição que lhe é peculiar. São três filhos maravilhosos! Estão sempre a me lembrar, a cada vez que os olho, a cada abraço e beijo que lhes dou — e são tantos! —, o quanto Deus me abençoou e abençoa. E, por isto mesmo, o quanto eu tenho que agradecer-Lhe. Todos os dias.

A caçula, razão maior da crônica, bem..., é a caçula. A pequenininha, a menorzinha, a que veio por último. Em se tratando do meu “pequeno ser”, como a chamo entre tantas formas carinhosas outras, o tamanho ainda diminuto, onde em tese caberia menos “coisas”, confere-lhe ainda mais doçura, ainda mais ternura, ainda mais generosidade, ainda mais amizade, ainda mais lealdade, ainda mais (pasme) maturidade, ainda mais amor... Não bastasse, é inteligente pra dedéu, e responsável demais da conta. Tudo isto sem deixar de ser traquina, serelepe, peralta, moleque.

Era-lhe devedor de um texto, já que para seus irmãos já havia escrito. E ela cobrava. E como cobrava! “Painho, você não me ama...”, dizia-me brincando, mas com uma ponta de seriedade e ciúme. “Amo, meu amor.” “Mas só pra mim você não escreveu...”. “Vou escrever, sim! Deixa vir a inspiração... Cê vai ver!”

Seu amor é sempre superlativo, extremado, infinito, segundo ela faz questão de registrar (e quer que eu assim registre o meu por ela também). “Painho, você me ama?” “Amo.” Ama quanto?” “Muito.” “Paiiiinho! Ama quanto?!?! (rs)” “O máximo!” “Ah, tá (rs)!” “Com ou sem disposição?” “Huummm...” “Paiiiinhooo!! (rs)” “Tá bem (rs). Com muuuita disposição!” Tem que ser um amor assim. Porque é assim o amor que ela sente; é assim o amor que ela precisa eu sinta por ela. E assim é.

A gente conversa “até umas horas”. Somos confidentes, somos amigos, somos apaixonados um pelo outro. Somos pai e filha. Ou “paiiiiii eeee fiiiiilhaaa...”, como a gente costuma cantar quando saímos só nós dois. Ser seu pai é mais uma dádiva que Deus me concedeu. Um enorme privilégio, uma alegria, uma bênção. Seu nome é Ananda. Mas como é feita todinha, todinha, de amor, poderia assim chamar-se. Amor. Ou, simplesmente, Anand’amor.
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Publicada na Gazeta de Alagoas de 07/10/2009.

sábado, 11 de julho de 2009

O Zip-Zip e a Elita

Domingo desses acordei a fim. Não um a fim qualquer. A fim, mesmo! Não sei como é desejo de grávida (razões óbvias), mas menor foi não. Uma vontade da bichoca-lixa-preta-doida-da-pega-virada-no-créu!

Era num treiler, homônimo dele. Lá, limitando a Ponta Verde da Pajuçara. Bem nos Sete Coqueiros. Ou onde existiam. Os Sete peguei não, mas já vi foto. Final dos anos 1970 que, pivete, conheci. Aliás, antes a gente falava só setenta: todo mundo entendia. Virou o século, o mil e novecentos obrigado preceder. Saco.

O Galego era o proprietário. Gaúcho simpático, trabalhador, com um vasto bigode louro... e ostensivamente barrigudo. Tipo barriga de chope. Mas nem sei se era chegado à bebida. Por onde andará o Galego?...

Saudade do Zip... Do Zip-Zip. Forma carinhosa, a abreviatura. As gentes falavam assim: “Vamo pro Zip?” “Vou depois da missa, ou vou depois do jogo (no Trapichão)...” Início da noite. Domingos felizes, emocionantes pouco não, vivi ali. Devia ter uns 12 pra 13 anos. Era o maior ponto de encontro da época. Pra lá ia gente de todas as idades, mas os jovens preponderavam. Paquera e namoro corriam soltos. Não me recordo bem, mas parece que 10 horas era o limite, já que tinha escola cedo segunda-feira.

Naquele domingo acordei com a vontade já descrita acima. O pão seda especialmente macio, a carne moída perfeitamente temperada, a tenra salsicha preguiçosamente deitada sobre. Humm... Tão simples quanto gostoso. A boca salivando, a sua imagem gravada na mente, e a tão cruel quanto frustrante certeza de que no máximo comeria um cachorro-quente qualquer, num carrinho qualquer, de um canto qualquer dessa Maceió de hoje.

Uma vez apareceu por lá uma stripper. Fui ver. Gelei. Era a Elita. Trabalhara na casa de meus pais. O seu homem a deixara pinel. Doidinha, doidinha, coitada. Várias vezes internada. Vez por outra aparecia lá em casa para nos visitar. A gente — eu e minha irmã mais velha — morria de medo. Não demorou, encheu de gente pra ver. Enquanto dançava e cantava, ameaçando tirar os trapos que mal cobriam seu maltratado e envelhecido corpo, ouvia-se os aplausos, gritos e coro jocoso de “tira!, tira!”, da platéia. Ao lado da compaixão que aquela cena triste me inspirava, um medo da peste de que a bicha me reconhecesse... Já pensou o mico? Até que chegou a polícia, cobriu-a e a levou. Duplo alívio.

Resultado: nas minhas lembranças do Zip e daqueles domingos, a Elita. Pobre Elita. Soube que descansara. Que Deus a tenha!
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Enviado para publicação no jornal Gazeta de Alagoas

terça-feira, 23 de junho de 2009

Jucá (de Todos os) Santos

E Pecadores. Faltaram ser contemplados no título, bem o sei. Mas principalmente para não alongá-lo. Preconceito nenhum com os prenhe de pecados. Até porque esse escriba é um deles. Em verdade, o correto mesmo talvez fosse tê-los trocado. Um no lugar do outro. E a crônica, então, iniciaria com “E Santos.” É que, como artista (e muitos etecéteras) genial e generoso que é, certamente o é mais dos pecadores do que dos santos, o que dizer de todos estes. Mas convenhamos: iria por água (ou prosa) abaixo o trocadilho proposital. Assim, deixa-o como sendo, destacadamente, de Todos os Santos, mesmo. Tal qual a Boa Terra, vítima (privilegiada) do trocadilho, também muito mais dos pecadores do que dos santos, como o nosso escritor.

Conheci-o pessoalmente no coquetel de lançamento do ótimo livro Armações do Capeta, do nosso amigo comum, o alagoano Jorge Tenório. Fomos apresentados por um amigo comum, o Brício. Confesso que a paixão por aquela figura humana foi fulminante. Melhor seria dizer que foi amor à primeira vista, pois que “o poetinha” pontuou que a paixão é chama — finita, pois —, enquanto o amor, como de sabença corrente, não perece.

A empatia fez-se recíproca, para meu prazer e minha honra. Conversamos por horas que mais pareceram minutos. Madrugada ameaçando aproximar-se e nenhum de nós se dava conta. Até que chegara a hora da despedida. Senti-me tomado por inevitáveis admiração e simpatia por aquele homem genial. Tanto por sua cultura, seu humor irrepreensível e sua inteligência, como por suas generosidade e humildade.

Sua figura vivaz, porém pequenina — mas inversamente proporcional à sua grandeza interior —, deixa-nos antever, já de relance, o quanto de bom há em si. Sua oitiva, então, faz com que por ele se encantem todos quantos dela tenham o privilégio de privar. Único. Orgulho para esta terra e para as letras desta terra. Entre inúmeros títulos e homenagens, é Cidadão Benemérito de Maceió, conferido pela Câmara Municipal desta cidade por iniciativa do vereador e amigo Marcelo Malta, além de formidável, incansável e brilhante presidente da honrosa Academia Maceioense de Letras.

Para mim, um presente divino desfrutar de sua amizade e respeito. Já tive a oportunidade de escrever sobre as pessoas-presente (leiam, caros leitores, se puderem, no meu blog). Pois ele é uma. Singular, como todas. Obrigado, Jucá Santos, por ser uma pessoa-presente pra mim.
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Crônica originalmente postada no Blog do AnDRé fALcÃO (www.blogdoandrefalcao.com)

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Tudo implicância

Crônica
Já impliquei com “brother”, “tá ligado”, e com o “então” paulista. Às vezes implico. Mesmo. Assim..., só pra implicar. Acho que à falta do que fazer. O que deve significar que tenho andado muito ocupado, porque não tenho implicado com coisa alguma nos últimos vários dias. Últimos vários dias: tempo pra caramba!

Tem gente muito pior que eu. Tem gente que, por exemplo, implica gratuitamente com o presidente Lula. Não raro a implicância explícita esconde a implícita, que nada mais é do que puro preconceito. Atualmente implicam com o fato de que o Presidente do Brasil é respeitado lá fora, “como nunca nesse país” o foi. Porque o cara disse que ele, o Lula, é o cara. Falaram que o cara (aquele que disse que ele, o Lula, é o cara) foi irônico. Não vi ironia alguma. Porque o presidente mandou soldados servirem em missão no exterior. Porque vai emprestar uma graninha para o FMI (hehehe..., esse Lula...). Porque desdenhou da “crise”, tachando-a marolinha. Oxe! E se não era, tampouco está sendo uma tsunâmi. Porque “nunca antes na história desse país” nossa economia esteve tão forte. E até porque o homem foi dizer que não gostava de ler. Fizeram um bafafá danado! E agora o cara é obrigado a gostar, é? Aliás, a história do desamor do presidente à leitura só foi agora citada porque é sempre requentada, logo, atual. Mas eu falava das minhas implicâncias...

Pois é, tem uma coisinha, da mesma turma das duas lá de cima — até porque não tenho implicância com o presidente —, que tá me aperreando, por demais. Pior: já me peguei falando a dita cuja, portanto, contaminei-me também. Refiro-me ao véi. Diminutivo de veio. Posso pôr o acento agudo? Sim, porque embora véio não exista na língua pátria (acho que não, né?), deve ser acentuado ao menos para diferençá-lo da forma verbal veio, do verbo vir. Pôxa, como tô ligado (ops!). Foi o computador que, atrevidamente, tirou o acento. Véio, por sua vez, é a forma diminuta de velho. Pronto. Explicada a origem.

Só que agora, véio (isto é, caro leitor), é um tal de véi pra lá, véi pra cá... A pivetada (e nem tanto) não diz uma frase, quando consegue dizer uma inteira (olha a implicância de novo), sem o famigerado do véi. Mas tudo tava no campo do suportável quando a Nandinha, minha filha mais nova, repetiu-o umas cinco vezes, em no máximo(!) trinta segundos. “Filha! Qué-qué isso? Até você?” “Foi mal pai”, respondeu, meio descabriada-sonsa-sorrindo. Senti que era hora de exorcizar meus demônios. Vim escrever.
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Também publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 06/05/2009

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Só um pedaço de papel no outono


Conto

Lá estava Maurício, de volta à vida de solteiro, naquela noite meio fria de uma sexta-feira de fim de outono de um ano quase distante qualquer, após longo período engaiolado. Trocava a roupa (trocava não, claro, porque vindo do banho devia estar sem roupa; logo, o correto é punha a roupa) para ir à sua primeira balada na nova condição. A maior dificuldade, de cara, seria arranjar um amigo, colega, ou conhecido mesmo (fazer o quê?), para servir-lhe de companhia, afinal, enferrujado como estava nas artes da conquista não seria uma boa alternativa a aventura iniciar-se solitariamente. Assim refletindo, e depois de puxar bastante pela memória, sem sucesso — já que os que se lembrara estavam casados ou namorando firme —, socorreu-se do novo recurso da consulta à agenda do celular (é que ele ainda é do tempo da agenda de papel). Já estava quase se dando por vencido, quando lá enxergou o nome de um sujeito com quem mantivera recente contato. Não era alguém com quem mantivesse alguma afinidade, mas era o que sobrara. Mãos à obra, então. Ainda teve sorte, pois encontrava-se em casa. Marcaram para daí a uma hora. Pontualmente, o cara apareceu. Eu ia dizer que ele foi pegá-lo, mas hoje pegar pode ser outra coisa.


Com ar de triunfo, — como quem anuncia uma grande nova e se dirige a alguém que não sabe mais o que é a noite, enquanto ele, o descoberto na agenda do celular, seria o descolado —, comunicou a Maurício que iria levá-lo a uma boate. Legal, pensou. Nunca mais pisara uma. E aquela não era uma qualquer. Era a da hora, a que estava bombando (mais uma gíria nova a somar-se às que vinha descobrindo). Vestia uma camisa de manga comprida, arregaçada (não era social, não, mas era de manga comprida). Jorge, por sua vez, com uma de malha, meio elástica, que se ajustava ao corpo e era curta nas mangas e no comprimento. Depois, bem depois ficou sabendo que se chamava “baby look”; até então pensava que “baby look” era só blusa, portanto só de mulher; homem vestia camisa, ora! Não, o companheiro eventual de balada não era viado, não! Ao menos não que soubesse, claro. É que era moda, como ainda hoje é. Deve ser pros marombados, que gostam de malhar ferro (tem gosto pra tudo), exibirem seus músculos. É, homem agora é exibido também. Até posa nu pra revista! E revista pra viado, imagina só! Quem diria um dia isso? Aliás, viado hoje não é mais viado. É gay. Mais uma bobagem. Deve ser por causa do tal do politicamente incorreto. Ora, cada um faz o que quer com..., deixa pra lá. Hoje em dia, até dizer que “tá preta a coisa” pode ser interpretado como preconceito. Ah, viado está com “i”, aqui, pra diferençar do veado, bicho que anda de quatro (sem trocadilho, por favor).

Estacionam o carro próximo. Chovia. Sempre chove em Maceió nessa época do ano. Prenúncio do inverno que está por vir, certamente. A noite fica meio triste. Mas não aquela, claro. Ele até pensou ter visto a lua!... Por isto mesmo cogitou de levar um guarda-chuva, mas desistiu: seria uma atestado de antiguidade. E quem seria antiquado de ir para a noite com um utensílio desse, hoje em dia? Oxe! O jeito foi correr. E tome chuva na carcaça. Por isto detestava aquela estação do ano, para quem nada mais era do que um inverno metido a bonzinho, porque teoricamente mais brando. Uma estação hipócrita, isto sim! Um inverno dissimulado.

Entraram. Escuridão do caramba! Difícil enxergar alguém, o que dizer-se de olhar nos olhos de alguma menina (menina é como ainda se referia a uma garota ou mulher bonita), a não ser que se ficasse a quinze centímetros do seu rosto. Tava ferrado, pensou. Então não iria poder dar uma paquerada antes da, digamos, abordagem que, sonhava, se seguiria? Despediu-se de Jorge — a essa altura rodeado de amigos dele, também de “baby look” e também marombados e falando abobrinhas (gritando, porque o som e o barulho de vozes era ensurdecedor) — e pôs-se à caça. Antes, o reconhecimento do terreno. Vou dar um giro (uma volta), pensou. Não demorou muito, identificou o “dancing”, embora havia gente dançando por quase toda a boate. Comprou uma cerveja, com bastante dificuldade — dado o número de pessoas que queriam o mesmo ou alguma outra bebida —, encostou-se no balcão e ficou a espiar, sondando o ambiente ao redor. Tomado o primeiro gole, a dura constatação: quente! Voltou ao vendedor. Reclamou. “Tá tudo assim”, disse-lhe. Pediu gelo. Sapecou umas duas pedras no copo descartável e voltou ao balcão. O fato, porém, é que apesar da companhia remediada, da impossibilidade de levar seu guarda-chuva, dos marombados, das abobrinhas, e até da cerveja quente, estava na boate! E estava satisfeito consigo mesmo.

O movimento de gente passando (se espremendo umas nas outras) era muito grande. As mulheres, normalmente em bandos, e os caras, idem. E ele sozinho a observar, tentando ao mesmo tempo, mas sem sucesso, paquerar alguém com seu velho método. Deparou-se, assim, com a primeira novidade: os rapazes, agora, abordavam as meninas pegando em sua mão ou no seu cabelo, quando estas passavam por perto. Já as garotas desfilavam mais das vezes perfiladas em trenzinhos, saltitando uma atrás da outra ao som da música. Em resposta ao talvez agressivo assédio, ora eles recebiam uma careta de desprezo, ora de raiva, ora um desaforo, ora nem um olhar, mas não raro também uma expressão de quem gostou da afoiteza masculina. Vezes ouve em que a pegada na mão era tão bem acolhida, tão bem recepcionada, que a mina se virava e recebia (ou tacava, ela mesma) um guloso beijo na boca do muito bem-vindo atrevido. A essa altura, ninguém sabia quem é que era atrevido, afinal. Enquanto isto — vale dizer, enquanto engalfinhavam-se e às suas línguas —, as outras aguardavam, excitadas. Depois, supostamente com a sua ainda íntegra e corretamente alojada em sua cavidade bucal, “libertava-se”, feliz, do feliz assédio, e voltava a tomar o seu lugar no trenzinho, lambendo dos beiços o resto da baba do moço. Maurício ficou meio tonto. Um misto de decepção e excitação. É que pensava (pensamento tipicamente masculino, sabe como é): e alguma pra namorar, como vou encontrar, como vai ser? Daí a parcial decepção, fazer o quê? Não vou mentir pra você, leitor. Mas também excitado ficou, afinal, concluiu, não estava ali pra arranjar namorada. Pelo menos não por um bom tempo. Ao contrário! Outra cerveja, então.

Ainda atordoado digerindo as novidades, percebeu uns caras dançando soltos. Qual não foi sua surpresa, entretanto, ao ver que não havia uma só mulher na “roda” que formaram. Dançavam aparentemente uns com os outros, feito as garotas da sua época faziam, isto é, entre si. Foi aí que constatou que o fenômeno não se limitou àquele “círculo”. Outros havia, maiores ou menores. Dançavam sós, isto é, com eles mesmos e sem mulher no meio, muito menos ao lado. Numa boa. Estava pasmo. Isto lhe seria impossível de imaginar. Troço desses acontecesse “no seu tempo” iria ser uma zoada danada... Como as coisas haviam mudado... Tô fora!, pensou.

Assim estava organizando as idéias, quando de repente uma bela mulher chamou-lhe a atenção. Conversava com uma ou duas amigas. Tentou encará-la, apesar da dificuldade já relatada, decorrente da luz escassa e das luzes psicodélicas frenéticas. Finalmente, entretanto, teve a impressão de ter sido notado. Continuou insistindo, enquanto percebia o ânimo voltando-lhe. É que, como já relatei, à excitação que sentia veio juntar-se, também, um tanto de decepção com a facilidade com que as pessoas se entregavam umas às outras, ainda que a entrega fosse apenas parcial. Por ora, pelo menos, via como parcial. Pois bem, ao olhar para a garota teve a nítida impressão de estar sendo correspondido, mas não ainda com a certeza que faltava para impulsioná-lo a abordá-la, ou, mais modernamente, chegar junto. O medo de levar um fora, amplificado pela falta de prática no ofício, em que se encontrava, fazia com que, cautelosamente, aguardasse mais um pouco. Enquanto isto, começava a sonhar, imaginando os melhores desenlaces para aquela paquera que se iniciara. Sim, agora constatava, ela o olhava também, repetidas vezes, embora furtivamente.

A bebida acabara. Foi comprar a última, para ajudá-lo a tomar coragem. Ainda socorreu-se do gelo no copo. Dois minutos depois, voltara. Procurou-a. Não a achou, entretanto. Droga!, pensou. Onde diabos se meteu? Maldita cerveja. Perder por causa dela — e que sequer gelada estava(!) —, a única mulher em que depositara alguma esperança de sucesso... Espere... Quem era aquela a beijar tão freneticamente, tão fogosamente o seu parceiro, que mais parecia uma só pessoa e não duas? Era-lhe tão familiar... Não, impossível! A garota estava ali, após apenas pouco mais de um minuto da hora em que saíra, abraçando-se e sendo abraçada gulosamente, sofregamente por outro. Ficou estatelado. A decepção foi total. Sentiu-se levemente deprimido, até. O sabor amargo da desilusão foi-lhe empurrado goela a dentro. Jogou a cerveja fora. Ficou ainda algum tempo a olhar a cena. Sentia-se quase traído. Aos poucos, porém, foi compreendendo melhor a situação, e até agradeceu aos céus por ter-se afastado aquela hora. Afinal, carente como estava, já se viu enamorando-se da garota, o que certamente lhe traria decepção ainda maior, depois. Ao menos parecia crer nessa suposição e nela confortava-se. Sua auto-estima, de qualquer modo, fora seriamente abalada. Convencido disto, dirigiu-se ao caixa. Nem se despediu de Jorge. Pegou um táxi, foi embora. Nunca mais voltaria ali, pensou com convicção...

Quinze dias se passaram. É, novamente, sexta-feira. Nosso amigo volta à mesma boate. Tomara umas duas latinhas de cerveja antes, no balcão de um bar próximo, pra esquentar. Veste uma camisa de malha, meio elástica, que ajusta-se um pouco a seu corpo (ainda) de poucos músculos (o pouco tempo de academia de ginástica não fora naturalmente suficiente a conferir-lhe a estampa que desejava). Sim, vestia uma “baby look”. De homem, fazia questão de ressaltar para si mesmo, enquanto conferia seu visual no espelho ao vesti-la para sair. Aliás, perguntou umas dez vezes à vendedora se aquilo era pra homem, mesmo. Comprou três.

Já entrou na boate meio dançando, cheio de ginga. Sentia-se o bam-bam-bam, o cão chupando manga, o “o” do bobó. Ao menos botou na cabeça que agiria assim, e assim estava atuando. Nada de sentimentalismos bobos, romances, muito menos baixa auto-estima. Se a coisa era “banda voou”, era no ritmo dessa banda que iria tocar. Pondo, literalmente, mãos à obra, não demora muito puxa o cabelo de uma gatíssima que passa perto, num trenzinho similar aos que vira naquela noite primeira. Repete esse gesto umas três vezes. Recebeu um “humpf!”, de um, um ar de desdém, de outra, mas já um risinho, de uma terceira. Segura a mão de uma quarta, que, afinal, corresponde. Rapidamente puxa-a pra dançar, solto mesmo. É que música pra dançar colado não existe mais. Arrisca beijá-la. É correspondido. Continua beijando. Pára. Continua dançando. Beija de novo. Falta-lhes o ar. Descolam as bocas. Repetem o gesto. Finalmente separam-se, como se aparentemente houvesse chegado o término combinado do entrelaçamento. Passam outras. Pega o braço, primeiro delicadamente, em seguida com firmeza. Ela olhou pra trás e sorriu, ao primeiro carinho. Beija-a, escandalosamente, ali mesmo. Separam-se e ela parte. Maurício vai ao banheiro, depois ao bar, onde pede uma cerveja para recuperar a saliva gasta nos beijos vitoriosos. Pensa: beleza..., se essa é a nova regra dos tempos modernos, tô dentro, já assimilei. Só não vou dançar com macho!

Acabou a cerveja e, daí a pouco, lá se foi pro “dancing”, agarrado a uma nova conquista e com a boca já melada de batom. Sentia-se todo-todo. Durante os refregas, os hormônios já não paravam de falar-lhe. Chamou-a pra sair da boate. Aceitou sem relutar. Chovia bastante, como de costume. Seu carro — agora estava de carro, claro —, estacionara longe. Foram correndo, debaixo de chuva mesmo. Sentia a roupa já molhada grudar em seu corpo. Na correria, ainda conseguiu olhar de lado, tentando apreciar como estaria a dela, sabido que era branca e de um tecido fino, levemente transparente quando seca, o que dizer-se assim, molhada... Olhou também pra sua face, que lhe pareceu ainda mais linda molhada e com os cabelos sensualmente desgrenhados. Dançaram, beijaram-se, abraçaram-se, saíram juntos da boate, mas ainda não sabia o seu nome.

Após algum tempo, em que desfrutaram da intimidade protegida pela chuva de outono incessante e pelo embaçamento do vidro do carro, deixou-a no endereço que lhe indicara, não sem antes pegar seu telefone, que ela mesma tomou a iniciativa de informar. Já em sua casa, deitado em sua cama e olhando para o teto, cansado da noite movimentada (e apertada), sentiu de repente uma rápida sensação de vazio. Lembrou de que nem havia perguntado seu nome. E vice-versa. Entretanto, apesar da estranha melancolia que teimava em perturbá-lo um pouco, satisfação era o que preponderantemente sentia. E com toda a disposição. Imaginava já como seria o dia seguinte, o sábado, e os que se seguiriam. Ah, a modernidade!... Seriam mesmo aquelas as novas regras do jogo do amor, da conquista? Fossem, aprendera direitinho. Parecia já estar em pleno verão, quando os hormônios jorram a todo vapor. Entretanto, ainda viria o inverno. E lá fora, numa poça d’água de chuva qualquer da rua em frente, jazia um pedaço de papel com um número de telefone.

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Também publicado no jornal Gazeta de Alagoas, Caderno Saber, de 03/01/2009, e no site BrasilWiki!
Foto: olhoabertoparana.blogspot.com

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Nada que cisque pra trás

Tava aqui na frente deste teclado amigo (bajulando..., pra ver se ele me ajuda com a inspiração que teima em bater-me a porta à cara), matutando como abordar o tema das mal-traçadas linhas a que me incumbi criar (ou seria alinhavar?) até amanhã, quando minha mãe vem me lembrar que hoje, véspera de ano-novo, não se come bicho que cisca pra trás. Na verdade, não sei se algum bicho cisca pra frente — donde haveria aí redundância imperdoável dela, e minha, que a absorvi —, mas vamos admitir que sim, tá? Se não por mim, ao menos pela minha mãe querida. Assim, na véspera e, claro, na ceia de ano-novo, nada de comer galinha, frango, pinto, peru e por aí vai (parece até que tô maliciando, ao citar essas últimas espécies, pinto e peru, mas tô não. Juro! Afinal, pinto, não, mas peru não se come na ceia do Natal, mesmo?). E parei no peru — olha ele aí, involuntariamente, de novo — porque não me lembro mais de nenhum bicho que cisque pra trás e a gente eventual ou cotidianamente trace. Se houver outros, considere-os igualmente proibidos; só isto.

A propósito, e ao contrário, esclareceu-me minha antenada mãe (algo me diz que ela não vai gostar muito de sua involuntária participação nesta crônica) que muito bom para a ceia de ano-novo é o porco, já que fuça a terra... pra frente! Percebeu? A lógica é a mesma. A diferença é que enquanto aqueles ciscam, e pra trás; este, o porco, fuça, e pra frente. Aliás, vai ter porco na ceia aqui de casa.

Pois bem, o alerta materno, que me propiciou os devaneios rasgados acima e, espero, adiante (quando mal ou bem concluirei a crônica, dando por encerrado o mister), se deu porque em meus planos primitivos — já, naturalmente, abortados — imaginava comer um peito de frango no almoço. Mas como disse: idéia sepultada. Segundo dona Ilka é porque levaria a gente pra trás — pro ano que finda — e não pra frente, pro novo ano, como deve ser. “Mas nem sem comer os pés do bicho?”, indaguei. Afinal, pretendia alimentar-me do seu peito, não dos seus pés. “Não adianta”, vaticinou, categórica. “Dá pra trás.” Humm... Seja lá como for, tem sentido. Afinal, quem cisca pra trás, olhe-se por onde se queira, é mesmo o dono dos pés. Estes o fazem porque são pelo proprietário, no caso o bicho, mandados. Aliás, galinha tem pés ou patas? Bom, custa nada adiar o peito do frango...

Eita! Lembrei-me agora, agorinha mesmo, do nosso amigo cachorro. Não, não é o apelido de alguém, não. Tô falando do cão! É, o cão, melhor amigo do homem! Oxe! Por que o espanto? E ele então não cisca (e pra trás) quando faz suas necessidades? Só que no caso do nosso velho companheiro, não tenho dúvidas, são as patas que ciscam. E será que os chineses e a velha guarda coreana o comem também na véspera de ano-novo? Bom, se comem, lá não deve valer a crença, já que esses países, ao menos economicamente, vão de vento em popa. Valha-me, Deus! Mais um motivo pra nunca incluirmos nosso companheiro no cardápio. Minha cadela, além dos cães do resto do mundo quase todo, agradecem.

Então peguei meus dois filhos que moram aqui em Maceió e fomos ao Xópin almoçar. Enquanto escolhíamos o que iríamos comer dentre as alternativas proteicas restantes (carne de boi, peixe, camarão, etecétera), não resisti em dar uma passada d’olhos nas mesas das outras pessoas que se serviam, acomodadas na “praça de alimentação”. Incrível! Juro! Não vi, nos pratos alheios imperdoavelmente, mas discretamente, investigados por mim, uma mísera asa de frango sequer, pra contar história. O que dizer-se de um belo peito do bicho, ou mesmo um empanado. Nada! Caramba! Então se trata de um verdadeiro dogma popular! Bom, ao menos hoje os frangos estariam a salvo, foi a conclusão inarredável. Que bom.

Findo já o almoço, toca o telefone celular. É minha preocupada mãe — preocupada com o meu futuro próximo (o ano-novo que se aproxima): “Oi, mãe. Diz aí.” “Filho, você já almoçou?” “Já, mãe”. “Comeu frango, não, né?” “Não, mãe. Comi, não”, disse-lhe, tranqüilizando-a.

Ah! Ia esquecendo de contar. Ato contínuo — isto é, imediatamente após receber o importante conselho e alerta materno —, tratei de providenciar fossem dele avisados, o quanto antes, meus filhos, demais familiares, amigos e, claro, vocês, meus queridos leitores e leitoras que, aliás, tiveram as impressionantes, quase inacreditáveis, generosidade e paciência de ler-me até aqui. Jamais seriam, até por isto, esquecidos, tanto que a crônica pretende cumprir essa missão.

Portanto, eis o aviso (e quem avisa amigo é): não comam bicho que cisca pra trás na véspera de ano-novo! Hein? Como assim? Não vão lê-la a tempo de eu conseguir evitar o desastre? Eita! É mesmo! E agora? Nossa Senhora! É verdade; quando esta crônica for publicada — isto é, quando vocês virem a conhecê-la — já estaremos no novo ano! Nada; preocupem-se, não. Vamos deixar de drama. Afinal, é só uma crendice popular. Confie em mim. Você que, desconhecendo o fato, comeu aquele peru na ceia de ano-novo, não vai andar pra trás, coisa nenhuma. Repita comigo: eu vou pra frente, eu vou pra frente, eu vou pra frente... Isto, continue dizendo umas cinquenta vezes por dia durante, digamos, o primeiro mês do ano. Pronto. Pode ficar tranquilo. Contra a força da crendice, a força do pensamento positivo. É infalível. Feliz Ano-Novo! Coitado...
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Também publicado no Boletim da Advocef (Revista da Assoc. Nac. dos Advogados da Caixa Econômica Federal)