quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Preito à braguilha das cuecas

Crônica
Digam-me uma só boa razão para o fechamento da braguilha das cuecas. Já quebrei a cabeça pensando e, sinceramente, não encontrei. Pra quem não sabe, ou não lembra, braguilha era aquela simpática e funcional abertura (buraco) que existia na parte anterior das cuecas — seja das tipo sunga, seja das chamadas samba-canção —, e que servia para, por ela, puxarmos o danado para urinar, entre outros fins. Samba-canção, aos desavisados, era um tipo de cueca que se assemelhava a um calção — que, esclareça-se também, não é uma calça grande —, uma espécie de bermuda pequena (o que hoje se chama short, que por sua vez trata-se de mais outro estrangeirismo incorporado ao nosso convívio sem o mais mínimo sentido, já que tínhamos calção tanto na língua portuguesa como no guarda-roupa), bem folgadinha e, em regra, de algodão. Aliás, antigamente, mas não tanto a ponto de ser ainda criança, eu falava barguilha. Assim: com o r após o a. Diga-se de passagem, muito mais agradável de dizer e de ouvir. Mas tá em desuso. Pena.

Ao darem fim às braguilhas, os fabricantes o deram, igualmente, à sua (delas) indispensável funcionalidade. E se é assim, e o é(!), volto à indagação inicial: por que cargas d’água dela nos privaram? Tentando encontrar resposta, entro a conjeturar: Seria vingança de alguma fabricante-mulher, que a fechou por eventual mágoa conosco, homens, até então rancorosamente guardada? Ou de algum fabricante-travesti enraivecido com o buraco da sua (dele) cueca— à época em que ainda a usava, obviamente —, sempre a impiedosamente lembrá-lo da desnecessidade de urinar sentado? Ou foi por uma razão simplesmente estética? Nenhuma hipótese me satisfaz ou me conforta.

Observem, por outro lado, que a forma da braguilha continua presente. Apenas o buraco — ela, portanto — foi sumariamente fechado. Deixaram o risco, a costura, nalgumas uma espécie de abanhado (como se diz aqui no nordeste) inútil, às vezes até o desenho de um losango (nas tipo sunga). Enfim, mantiveram uma braguilha falsa! Como que para eternizar o ato vil e certamente destituído de propósitos nobres, mantendo-o fresco em nossa memória e eternizando nossa irresignação.

Mais: não bastasse o desconforto, dá prejuízo. Já perdi até celular! Ora, se uma das mãos está ocupada com o aparelho móvel, torna-se sumamente desconfortável alcançá-“lo” usando apenas a mão desocupada. Claro que tenho umas poucas e raras (samba-canção) que têm braguilha. Tão bem cuidadas que, velhinhas embora, parecem novas. Devoto-lhes profunda afeição e gratidão pela serventia. Mas nesse dia, do celular, não estava com uma. Assim, tive que prender o celular entre o ouvido e o ombro para, com as duas mãos livres, finalmente abrir o zíper, arriar um pouco a cueca, segurá-la, arriada, com uma das mãos e, enfiando a que está livre pela braguilha da calça (essa pelo menos até agora tá mantida), trazê-“lo”, enfim, à luz do aposento. Resultado: o celular escorregou, caindo direto na aguinha lá embaixo. Já era. Duas vezes.

Outra é quando você se depara com aquelas tampas mal reguladas de privada — aquela parte do aparelho sanitário usada para tornar mais confortável a produção do número 2 —, e que teimam em cair a cada vez que você, mesmo com todo o cuidado, já que pretende fazer apenas o número 1, as levanta. Aí lá vai você ocupar uma das mãos para segurá-la. O resultado, agravado se você estiver com pressa: perna da calça mais, ou menos, salpicada, jato na borda do sanitário, no chão, e por aí vai (queira nem saber mais hipóteses).

Não bastasse, no ato de abraçar uma mulher pela cintura, com uma das mãos, naquele momento mais, digamos, entusiasmado entre o casal, eis que a outra mão, a livre, não consegue, naturalmente, dar conta de, sozinha, ...sozinha, ...sozinha, errrr, vamos pular essa.

Comentando com um amigo acerca deste preito, sou informado de que o tema já fora abordado pelo cronista Mário Prata, que como eu seria um irresignado órfão das braguilhas das cuecas. Pôxa, vida! Ao mesmo tempo que me senti na melhor companhia, honrado de compartilhar com um dos maiores escritores brasileiros contemporâneos a mesma queixa pelo banimento das braguilhas das cuecas, corri a enviar logo o texto a publicação — antes, pois, de ler a crônica do Prata, e de ser vencido, outrossim, pela tentação de desistir.
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Tb publicada no Caderno Saber do jornal Gazeta de Alagoas, de 01/05/2010, e postada nos sítios BrasilWiki e Talentos Prosa & Poesia