domingo, 25 de dezembro de 2016

O doce mistério do natal

Crônica
Por que o Natal deixa a gente meio mole? Molão, molengão, sacomé? Emotivo, generoso... Engraçado. Não, não deixa engraçado. Embora, vem de graça; então, pode ser. Mas quis dizer: engraçado como esse estado de espírito se manifesta no meio de tanto consumo. E por paradoxal que pareça, esse consumo também é, muitas vezes (acho), um reflexo desse mesmo estado. Há um prazer maior em presentear. Doação. Não é só a obediência a um costume comercial. Não é só Papai Noel. Não! Há algo maior. Maior do que nossa cultura capitalista tropical, do que as propagandas que nos empurram para comprar. Do que o bom velhinho. Até a crônica sai diferente. Molona, molengona. Aquela lerdeza que dá quando a gente tá em paz. Uma dormência... E fazer o bem? Vontade que dá! Procurar a paz, a boa convivência. Diferente de outras épocas do ano. O Natal é legal.

E agradecer? Caramba, é um tal de agradecer por tudo e a todos! ‘Brigado por isto, ‘brigado por aquilo. Abraço pra lá e pra cá. Beijo. Haja beijo. E este estado de graça acontece mesmo que não se reflita sobre o significado cristão da data. Quer dizer: parece até que o espírito divino resolve passar mais tempo entre nós, independente da nossa vontade ou consciência, e nos faz senti-lo mais forte, sem nos darmos conta de que é ele, ou por causa dele. E fica deixando a gente assim... melhor. É, numa palavra: melhor. Até quereria saber o porquê, se alguém viesse me dizer. Mas na verdade não me importa saber. Só sentir me basta. E sentindo, agir conforme.

E já que é assim, alguns agradecimentos a Deus. Por eu ter pais vivos e com saúde, e ser absolutamente amado por eles todos os dias. Por meus três filhos: a Mariana, o Andrezinho e a Nandinha — citados por ordem de nascimento, para não ficarem com ciúmes —, minha continuação, meus amores. Minha família toda, ‘brigado. ‘Brigado pelo amor de minha namorada. E por ela passar no concurso. Agradecimento antecipado, afinal, ela vai. ‘Brigado pelos meus amigos. Os de infância, nas pessoas do Ranulfo — amor fraterno sem medida, e recíproco, — e do Zé Carlos — o cabeça-dura mais fiel que conheci —; os ganhos na juventude, na pessoa do Marcelo (Malta) — um irmão —; os nascidos nas lutas diárias da advocacia, como o Cornelio Alves — cabra bom da pega! —, além dos mais recentes, como o (André) Canuto, já queridos. ‘Brigado, também, pelos Drs. Marcos Madeiro e Wenceslau Costa — médicos competentes até umas horas, que me salvaram a vida (verdade!) —, por meu advogado e amigo demais da conta (honra ter a sua amizade), José Costa, e pelo Nélson Feijó, que terá sempre meu carinho e minha gratidão.

Ah! agradecer à Santa Catarina! ‘Brigado, santa querida e, certamente, alvirrubra, por não ter deixado o meu CRB cair à Série C do Brasileirão (lá no seu Estado), em 2005 e 2006, e também pela evolução do Galo, agora em 2007 (você, junto com minha mãe querida do céu, têm participação nisto, certamente!).

Pra terminar, claro: Feliz Natal pra todos!

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Escrito e originalmente postado em 2007.
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Tb publicado no Blog do AnDRé fALcÃO e no sítio Futebolalagoano.com

Dumont


www.zazzle.com.br

Conto (microconto)

Era uma vez um gato que nasceu com asas. Mais! Tinha cabeça amarela e corpo esverdeado, levemente mais claro entre o ventre e o rabo, e ombros vermelhos delineados com amarelo. Quando abertas, suas asas apresentavam partes avermelhadas e de um azul-escuro nas extremidades. Chamava-se Dumont, em homenagem ao inventor da aviação. Dizem ter herdado essas características do pai, um papagaio conhecido pela alcunha de Don Juan. Por causa deste, aliás, ninguém mais em muitos quilômetros queria ter como animal de estimação um papagaio-fêmea. O que não se imaginaria, porém, é que as felinas também poderiam ser alvo da sedução do papagaio. Dumont nasceu, pois, dessa inédita conquista de Don Juan, seguida por uma paixão irrefreável e correspondia por Gisele, que, por sua vez, não faria vergonha entre manequins e modelos em qualquer passarela de moda. Uma gata, também nesse sentido (para ele).

Mas nosso herói tornou-se um adolescente infeliz. Apesar da formosura herdada da mãe, e das cores tipicamente tropicais do pai, Dumont era depressivo. Gata alguma se interessava por ele. Contra o que vulgarmente se esperaria, a beleza e o dom de voar despertavam inveja e o submetiam ao preconceito de qualquer uma por quem se enamorasse. Por isto mesmo, ao espírito de liberdade, já próprio dos felinos, veio se somar o hábito de voar para as regiões vizinhas, de onde voltava só muitos dias depois, ainda mais triste.

Um dia, Dumont rendeu-se à doença e nem mais se alimentar queria. Definhava. Não bastasse, Don Juan e Bundchen lentamente morriam também, pela culpa que os castigava por terem ousado se amar, mesmo sendo tão diferentes. Os maiores psiquiatras e psicólogos veterinários da região e além-fronteiras foram chamados, sem sucesso. Parecia que uma tragédia estava para se instalar, sem nada a impedir o triste destino que se anunciava.

Aguardava-se, assim, o precoce e doloroso fim para aquela singular e amorosa família, quando, num dia que parecia ter nascido mais belo do que todos os outros, Dumont recebeu uma inédita e barulhenta visita: “Krik-kiakrik-krik-krik, kréo”, cantarolava para ele uma formosa papagaio-fêmea, recém-chegada na vizinhança, olhando-o com doçura e alegria. Dumont, que jamais conhecera uma na vida, sentiu as pálpebras se erguerem. “Krik-kiakrik, kréo, krik-krik”, disse-lhe de novo a bela papagaio. Então, como que por milagre, a cor íris-amarela dos olhos de Dumont se reacendeu. Tropegamente foi se levantando e, sob o olhar estupefato de Don Juan e Bundchen, saiu voando com ela.

domingo, 11 de dezembro de 2016

O Capitão Nascimento

O Capitão Nascimento é personagem do filme Tropa de Elite. Virou um herói neste País. Servidor público incorruptível — o dinheiro não o compra —, é corajoso e implacável com traficantes de drogas do Rio de Janeiro, escondidos nas favelas edificadas no alto de seus muitos morros. Admirei essas qualidades naquele homem.

Todavia, no exercício de seu dever, esquiva-se do próprio sistema legal que o legitima. Assim, mata. Inclusive quando já tem o patife preso e indefeso. Mata em nome da lei(?). Invade residências, situadas nas mesmas favelas onde escondida a caça funesta, mas antes consulta o morador inocente, com um ar de quem não espera outra resposta que não o sim: “Senhoorr, nos permite entrar na sua casa, senhoorr?” O tom é melódico e ameaçador. Do outro lado, a voz trêmula, de pânico e medo, olhos esbugalhados, balbucia: “Sim... po-pode..., sim, Se-Senhor.” Ele também tortura. Mas só para obter informação imprescindível! E se o morto ou o torturado não forem as pessoas, a quem a tortura ou a morte se destinaram, é o risco do negócio. Faz justiça com as próprias mãos (e armas). Sofre. Por causa de sua missão é abandonado pela família. Vive atormentado, por ironia, sob efeito de drogas. Nada mais justo que possa matar, torturar, e espalhar pânico aos inocentes em seu caminho, à revelia da própria lei que defende. Afinal, os fins justificam os meios. Exterminar, eis os fins.

Não posso negar que meu instinto regozijou-se ao vê-lo dar um tiro bem na cara daquele chefe do tráfico. Claro! O sujeito era uma escória! Como não me encher de júbilo com a morte desses vermes? Mas meu contentamento dura pouco. É que, lembro, há outros chefes, fora dos morros, tão ou mais perigosos e perversos. Estão em nossa imaculada sociedade, na política, nos poderes constituídos, freqüentando os mesmos lugares em que nós, das classes média e alta, nos fartamos. Enquanto os do morro abastecem de droga o futuro de nossos filhos, os de fora do morro roubam a merenda de nossas crianças, ceifando-lhes o seu presente. E não ficam nisso (como se fosse pouco).

Mas contra os de fora dos morros os Capitães Nascimento nada fazem. Conhecem sua identidade, seus feitos e mazelas deploráveis, mas não usam de violência contra eles. Fossem “dois pesos e uma só medida” eu veria o filme desses capitães repetidas vezes. Certamente até me autotorturaria, beliscando-me pra ver se estava mesmo acordado.

Violência é ruim. Mas se é pra existir, que valha pra todos. Aí eu queria ver.
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Originariamente postada no blog Ponto Vermelho (www.blogdoandrefalcao.com), em out.2007

Carta a Mário Goulart (um papo sobre a reforma ortográfica)

Meu caro Mário,

Vejo (e leio) sua missiva e tento, agora mesmo, assim atabalhoadamente, falar-lhe alguma coisa sobre o tema (o trema, que integra o tema, vem em seguida) — estou assoberbado de tarefas nesta segunda-feira feliz. Confesso, desde logo, não me ter sobre ele debruçado, sequer minimamente. Mais: nem de longe, nem de muito longe(!) — muito mais longe do que a distância que nos separa —, teria condições técnicas para falar com propriedade sobre a reforma ortográfica que se prenuncia. Assim, e até por isto, rogo-lhe desculpas pelo açodamento e inconseqüência (olha o TREMA, aí!!). O seu pedido, entretanto, é uma ordem. Você pediu, então arque (S/TREMA) com as conseqüências (de novo, o danado).

Falando em TREMA, meu prezado jornalista, nada me parecia mais inútil, mas mais charmoso. Distinção, “sacomé”**? O cara escrever com trema confere(ia) aparência de saber. É feito carro luxuoso em mão de pobre inconformado: satisfaz a si (ilusão) e à hipocrisia da sociedade, que teima em avaliar conforme as aparências. Bobagem rematada. Já vai tarde.

O HÍFEN, ah!, o hífen... Por que cargas d’água (ou de qualquer outro líquido menos nobre) não se foi às “cucuias”*** também? Para que “diabos” deixar aquele traço chato e separatista? Aliás, o HÍFEN, pra mim, tem um quê de preconceito, mesmo. É a revista grande que não aceita virar hiperrevista, tem que ser hiper-revista, e por aí vai. Veja, meu caro Mário, como a ausência do hífen diminui a força, por exemplo, de um anti-semita. Antissemita (sem o HÍFEN), é o que deve ser: se não uma peste em extinção, ao menos um desgraçado enfraquecido. Aliás, entre o TREMA (tem garbo, o trema, tem ou não tem?) e o HÍFEN, fosse pra escolher, ficaria com o TREMA, apesar de todas as críticas ideológicas com que o pintei lá atrás.

Finalmente! Finalmente as pobre k, w e y lograram entrar no precioso e seleto grupo, oficial, da língua portuguesa. Bom, não é pra qualquer letra, decerto, fazer parte do alfabeto da mais linda (e rica) língua. Mas confesso: sinto-me um pouco preocupado. É que temo signifique, a inserção das três letras em comento, menos um beneplácito nosso em relação a essas pobres excluídas, e mais uma constatação de nossa americanização subserviente e basbaquada (existe isto? Basbaquada, de basbaquice. Ou babaquice, como a gente popularmente diz).

O ACENTO CIRCUNFLEXO, dos crêem, dêem, lêem e vêem, e derivados, e das palavras findas em hiato “oo”, já vai tarde. Ora, ninguém diz crÉem (assim, com o 1º “e” aberto). Pra que, então, emprestar o som do “circunflexo” ao que já o tem por si? Vá-se fora, então (saudade deu-me, agora, do fôra – mas não é hora para reminescências).

Tampouco vou chorar uma lágrima pelo fim do ACENTO AGUDO nos ditongos abertos (e alguém fala assemblÊia, por acaso, para necessitar dessa agudeza redundante?), nem nas paroxítonas com o “i” e “u” tônicos, tampouco na maluquice dos GÚES. Afinal, o ACENTO AGUDO no averigÚe, por exemplo, jamais impediu que vez por outra eu ouvisse de um sábio locutor: averÍgue!, apazÍgue!, tudo assim, como se o AGUDO estivesse na sílaba imediatamente anterior.

Finalmente, minha única crítica, pelo menos por ora — enquanto não pensei melhor nos devaneios que acabei de escrever: tenho por princípio não concordar com a retirada do ACENTO DIFERENCIAL. Este, sim, tem uma utilidade prática notória. É certo que o sentido da frase pode não deixar dúvidas se você vai PARA lá, ou se você PÁRA, como vejo tenho que fazer já, já. Mas, pôxa, que coisa estranha escrever um verbo como se estivesse, ali, uma reles preposição. E comer uma pÊra sem acento? Não terá o mesmo gosto. Não terá.

Prezado Mário, se você, com sua argúcia, detectar algum equívoco de redação — bobagens há, a fole —, peço-lhe retificar, por gentileza. Fiz num fôlego, felizmente ainda com acento, pra gente não se cansar tanto.

Forte  abraço!

André Falcão de Melo
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(*) Mário Goulart é jornalista e escritor. Como jornalista, atua principalmente em jornais corporativos, de que é destaque o Boletim da Assoc. Nac. dos Advogados da CEF. Na literatura, destacam-se os infanto-juvenis Tio Herói (1999), que ganhou o Concurso 30 anos da FNLIJ, o selo Altamente Recomendável e os prêmios Jabuti de Revelação Literária e Açorianos (Porto Alegre), todos em 2000, e Pê da Vida (2000), indicado pela mesma FNLIJ para a Feira de Livros Infantil Bolonha 2001. Escreveu Também o "Livro dos Erros, Histórias Equivocadas da Vida Real" (2001), pela Editora Record, e uma biografia sobre o compositor Lupicínio Rodrigues.
(**) Sacomé = sabe + como + é.
(***) Cucuias = inferno ou qualquer outro recôndito indesejado, para onde desejar enviar algo de que você não goste.
Originariamente pub no blog Ponto Vermelho (www.blogdoandrefalcao.com), em set.2007
Foto em http://www.rodrigocmagalhaes.com/

O candidato permanente

Foi numa tarde de domingo que os conhecemos. Momentos maravilhosos, inesquecíveis. Nunca esqueci aquela família. Nunca esqueci Celina, Cláudio e seus vinte e quatro filhos. Alguns “pegos” por eles com graves problemas de saúde ou severas deficiências físicas ou mentais. Todos rejeitados por quem lhes pariu. A vida? Esta lhes fora dada, mesmo, por aqueles dois servidores do céu, na terra.

Luís, o seu nome. Não mais que seis, sete anos de vida. Como os outros, que sobreviveram, foi tocado pela mão de Deus. Ops! Quero dizer..., pelas quatro mãos de Deus. As de Celina, mais as de Cláudio.

Como a maioria, abandonado num hospital. Abandonado, desnutrido, desenganado. Pele e ossos — estes querendo lacerar aquela. E doença. Mas as quatro mãos de Deus foram lá e... zapt!, seguraram-lhe a vida. Ou trouxeram-lhe à vida. Tanto faz. E, assim, o que seria um curto e sofrido destino na terra foi-se transformando.

Levaram Luís pra casa. Como os outros vinte e três. Aos poucos, as carnes se foram acomodando entre os ossos e a pele ressequida e fina. Esta, devagarzinho fazendo as pazes com aqueles. Uma gordurinha num canto. Outra noutro. Mais um pouquinho acolá. As doenças a pouco e pouco desistindo dele. Até que a saúde lhe foi, finalmente, apresentada. Seu melhor alimento, mais eficiente remédio? O amor. Luís também não o conhecia. Então, tome amor! Não sei como ele não engasgou, de tanto que recebeu. Resultado, não sobrou mal em Luís. E há o que possa contra mãos de Deus? E o que dizer quando são quatro, essas mãos?

Quando chegamos, Luís estava dormindo. Conversamos longamente com seus pais, conhecemos seus irmãos — um dos meus filhos foi bater bola com os mais velhos, no terreno de chão batido. Nossos amigos, que nos levaram a conhecê-los, diziam nunca ter visto criança mais simpática, doce, amorosa. E ele, enfim, apareceu.

Tímido, ainda, em sua primeira primavera de idade mental, logo lançou-se ao pescoço de um de nós. E assim ficou por algum tempo. Depois, abraçou cada um. Demoradamente. Sorria um sorriso lindo, mas que não consigo descrever. Não parou mais de abraçar. Todos. Ora um, ora outro. E passava um bom tempo assim. Abraçado. E sorrindo.

Aí fui entender porque Celina, com seu invariável e surpreendente bom humor, dele dizia ser o “candidato permanente”. É que, explicara, os políticos abraçam as pessoas em época de eleição. Luís as abraça o tempo todo. Permanentemente.

Nunca mais esqueci Luís.
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Crônica publicado no jornal Gazeta de Alagoas, de 03/8/2007
Originariamente pub no blog Ponto Vermelho (www.blogdoandrefalcao.com), em ago.2007

Sobre um baita advogado

Foto na fazenda Lagartixa, Capela, AL (2016)
Não sei se esse período de festejos juninos, em que se respira e revive essa que é a mais autêntica tradição nordestina, tenha contribuído para essas divagações. Na verdade, foi-me gentilmente solicitada uma crônica, sugerindo-me, inclusive, nela retratasse esta época, em que a santidade flerta com o pecado, e vice-versa — é que são três santos a capitaneá-la, e inobstante as mais diversas características de personalidade e vida de cada um, decerto tinham (ou têm) em comum o gosto pelo milho verde estalando na fogueira, pela pamonha, canjica e tantas outras iguarias dessa rica (e saborosíssima) culinária. O que não sei é se eram (ou são, lá no céu) chegados a um forrozinho, mas tampouco duvidaria. Afinal, que pecado haveria nisso, pois não? Seja lá como for, o fato é que, impregnado dessa áurea induvidosamente inspirada por aqueles queridos Antônio, Pedro e João, veio-me à mente (e ao coração) um invencível impulso de traçar algumas linhas sobre um homem forjado nas melhores cepas, egresso daquelas plagas, autêntico sertanejo, pois, que veio cá, à Capital, ensinar-nos mais, muito mais, do que enrolar um cigarro de fumo de corda ou as artes de uma boa ordenha.

Olha, meus caros, no exercício da advocacia recebi, naturalmente, gratas influências. Falo de conduta, ditada pela ética, e de conhecimento técnico-jurídico. Felizmente, de maus exemplos — e o meio jurídico, não sendo diferente de outros setores da vida humana, é prenhe deles — sempre me pus longe. Bem longe!

Mas dizia dos bons, que benfazejamente me influenciam até hoje. Poderia citá-los a todos (embora correndo o risco de esquecer-me de algum), mas hoje quero destacar o maior que tive, desde que ingressei na advocacia da Caixa Econômica Federal, no início dos anos 90. Posso dizer que muito do profissional que há em mim “se formou nele”, uma espécie de faculdade jurídica humana.

O Dr. Cornelio Alves, ou o meu amigo Cornelio, é o advogado público por excelência. Dedicadíssimo às causas que patrocina (não há o mínimo exagero no superlativo empregado), à empresa pública que o remunera não é menos intransigente em sua defesa. Observância estrita à ética — aquela, fora de moda, mas que tanto se apregoa, e hoje pouco se pratica — , inquebrantável dogma que abraçou. É leal, conselheiro e dotado de impressionante raciocínio lógico (seus pareceres são os melhores, escritos ou verbais). Cornelio é aquele a quem se recorre quando o problema parece sem solução. E não é rara a constatação de satisfação no semblante de quem acaba de consultá-lo, embora, por igual, não se furte a dizer a verdade mais dura, se assim for e houver de ser transmitida. Mas o faz com compaixão, apesar de sua aparente rudeza — na verdade mero disfarce que veste, esculpido no bravo e sofrido sertão alagoano, onde — como dito lá no início — estão suas raízes, decerto para afastar os mal-intencionados, e que, outrossim, ao primeiro contato com os de bem se esvai.

Tive a honra e o prazer de trabalhar sob sua chefia por vários anos. Foi o melhor chefe que tive, e o melhor que já vi atuar, sem embargo do inegável valor dos que se lhe seguiram. Hoje, Dr. Cornelio está completamente voltado ao exercício da advocacia, o que, para a CAIXA, se perdeu(emos) competente gestor, ganhou integral e brilhante técnico e artista (é que advogar, quem o faz bem não estranha a afirmação, é técnica e arte). Não há mal que não traga um bem...

E eu, força das ondas generosas da vida, voltei a desfrutar, mais amiúde, de seus inestimáveis conhecimento e amizade, decorrência do convívio novamente aproximado. Nada mudou, a despeito das funções diversas que hoje ocupamos, e dos anos passados. Continuo aprendendo com ele.
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Crônica publicada no Boletim ADVOCEF - Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal - jun/2007.

De forma condensada, e com o título Um senhor advogado, foi também publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 18/07/2007.
Originariamente postada no blog Ponto Vermelho (www.blogdoandrefalcao.com), em jul.2007

Assaltolândia

Aqui não tem igual. Nem no Rio de Janeiro — com a guerra, sem trégua, do tráfico de drogas — o cidadão deve sentir-se tão desprotegido pelo aparato criado pelo homem à sua defesa, encarnado na estrutura do Estado, que se designa segurança pública.

Não endoidei! É que lá — esta, pois, a minha tese —, embora naturalmente maior o número de marginais, também o é — mas em muito maior proporção — o de vítimas potenciais (os cidadãos, empresas, etc.), de sorte que, por uma questão de probabilidade (pasme!), parece que, lá, a ilusão do “isto não vai acontecer comigo” consegue se fazer mais presente. Não significa nada, claro, mas conforta. Ao menos até a quebra da ilusão. Registre-se, mais uma vez, que este sensacional silogismo não se funda em qualquer dado científico, estatístico, nada. É só uma percepção particular do fenômeno.

Em verdade, portanto, aqui, nos soa pior porque nem a ilusão nos restou, para nos agarrar (e nos enganar). Você sabe — sabe! — que poderá ser a próxima vítima. Ninguém está a salvo. Sim, o pobre, pobrezinho mesmo, também não está. Nem ele pode mais se vangloriar da única “vantagem” que ostentava frente ao rico ou remediado, ditada pelo seu próprio infortúnio.


É muita doideira, leitor. Vou dar-lhes um exemplo: não há (deve haver não) quem não conheça alguém que não tenha sofrido ao menos um assalto. Eu conheço várias vítimas. Tenho um amigo, o pobre do Ranulfo (desse jeito, aliás, corre risco, mesmo, de ficar pobre), cuja padaria foi assaltada dezessete vezes. Eu falei (ops!, escrevi) 17! O cabra tem câmara, serviço de segurança particular, o escambau! Nunca pegaram um assaltante, sequer. E, se sim, foi solto. Hoje, até, com medo de sofrer violência física em face de uma provável irresignação do ladrão, que possa frustrar-se à míngua de dinheiro no estabelecimento, já guarda alguma coisa para não decepcioná-lo.

Mas... — deve dizer-lhe alguém —, um consolo(?): você não está só. Afinal, outros estabelecimentos, até então a salvo da ação dos meliantes, já não o estão. São clínicas, estacionamentos de supermercados, centros comerciais (inclusive aqueles que no Brasil chamam, inapropriadamente, “Shopping Center”), bares e restaurantes, motéis, hotéis, e por aí vai.

É, amigo, a marginalidade da arma de fogo chegou, de vez, às classes média e alta... E tá uma chiadeira só!

Todavia, de qualquer sorte, pelo menos soube que uma alta autoridade do Estado houvera dito que tudo está sob controle. Ah, bom!
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Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 10/06/2007
Originariamente postada no blog Ponto Vermelho (www.blogdoandrefalcao.com)
Foto em http://blogoosfero.net/claudioandre/

Por dez paus, eu ajudo

Impressionado. Desolado, até, diria. Claro que, hoje, no noticiário, há coisas muito mais chocantes. Crimes terríveis, realizados com inacreditáveis requintes de crueldade, por exemplo. Tintos de sangue, ou de caneta. Mas não é sobre eles a crônica. Nesse aspecto, aliás, tomados esses, pode-se dizer que o motivo que me causou estupor é bem mais leve — nem a pau que vou dizer light.

Vê só! Tava eu, assistindo à TV, quando deu-se início a uma reportagem sobre enchentes em São Paulo, decorrentes das fortes chuvas de março. Registre-se que já vi e ouvi várias. Sobre enchentes, e sobre enchentes na capital paulista. Mas essa teve um toque que, não fosse trágico, seria hilário. Eita mundão, esse!

"Prestenção". No momento em que mostrava e narrava os estragos causados pela ira do nosso São Pedro (coitado, vai ver que nem é ele o responsável, e fica levando a culpa), eis que a repórter, com naturalidade inqüestionável, e enquanto apresentava-nos as cenas de árvores, destroços e automóveis sendo arrastados pela forte correnteza — o que naturalmente nos angustia, como não? —, informa-nos que alguns, digamos, rapazes estariam oferecendo ajuda às vítimas que naqueles veículos se encontrassem, no sentido de impedir que fossem levados pelas águas. Porém (a conjunção adversativa é minha; a repórter narra sem o “porém”), o faziam sob a condição da paga de R$ 10,00. E a reportagem prosseguiu, sem mais uma palavra sobre o novel negócio.

Nada! Nem um tom de surpresa ou reprovação, com o inusitado do serviço prestado pelos bravos mercenários, ela demonstrou. Para a repórter — não houve como sentir diferente quem a escutara (creio) —, estava tudo normal. Tava tudo bem.

Deus do céu, tem jeito mais não? Como é que pode ser natural alguém pedir dinheiro para impedir que o automóvel de um semelhante (e com o próprio dentro!) seja tragado por uma correnteza?! E contar o fato sem assombro, então?! Sou até capaz de ouvir a conversa deles. E o desespero das vítimas. Aliás, de uma maneira ou de outra, todos vítimas.

— Óia lá, véio, mais um carro de bacana (ou de remediado, ou de pobre, mesmo)! Tá quase sendo engolido pela água! Parece um barco. E o povo dentro, então? Tudo morrendo de medo... Que doideira... Hummm... Tive uma idéia, tá ligado? Aê, moral, por dez paus eu te ajudo! Quer?

— Claro! Por favor, por favor! Eu pago, eu pago! Socorro!

— Beleza, véio. Agora é só pedir pra São Pedro mandar ver, que não vai faltar mané pra gente tomar uma grana. Federal!
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Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 21/04/2007
Originariamente postada no antigo Blog do AnDRé fALcÃO, hoje Ponto Vermelho, em abr.2007
Foto em http://oquevaipelomundo.blogspot.com.br/

Para Mari

Natureza viva
Natureza bela
Flor, a mais linda.
Céu, o mais azul.
A chuva que mais gostoso molha e cheira
O mar, misterioso, forte, o banho melhor
Sol, lua, estrelas – luz que mais ilumina
Para contemplá-la, possível abrir os olhos
Olhar defronte; não cega, não doi, melhor colírio
Som dos pássaros, das ondas abraçando a areia
Da melhor música, da melhor voz, da chuva caindo
O conforto do abraço com mais calor
O enlevo do mais terno beijo
A alegria por sua alegria
A felicidade por sua existência
A dor por sua dor
Minha continuação, meu melhor
Filhos, frutos
Amores, vidas da sua vida
Mariana
Minha filha
Meu amor

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Originariamente pub no Blog do AnDRé fALcÃO (hoje Ponto Vermelho), em abr.2007