sexta-feira, 30 de abril de 2010

Razão ou coração?

Quando a gente para pra pensar de logo percebe a força “natural” do coração. Aliás, natural está entre aspas porque, inerente ao ser humano a razão, também natural o é. E digo coração, não emoção, porque quero ressaltar aquela que se sente quando se está apaixonado, que popularmente falando me soa mais adequado.

Mas embora naturais sejam ambos, o coração é como que mais próximo da gente, mais próximo do animal que, afinal, somos. O coração é instinto. A razão? É intelecto. É o coração que mais naturalmente nos move, ou tenta nos mover. E dificilmente a razão consegue imprimir esse movimento, quando o coração não o quer, sem parecer antinatural.

No carro das paixões, a verdade é que o coração é o acelerador, enquanto a razão, o freio. Parafraseando Arnaldo Jabor, a razão seria prosa; o coração, poesia. Ou Rita Lee: este, sexo; aquele, amor.

Apaixone-se pela mulher “errada”! O coração diz: quero. E vai com tudo. A razão: caia fora. E tenta freá-lo. O coração instintivamente vê-se dominado. A razão tenta livrá-lo daquela, para ela, equivocada escolha. O coração te acelera; a razão tenta frear-te. Normalmente, e isto é o mais chato — mas a nossa sorte —, a razão é que está certa. Aliás, a razão é uma chata. É como aquele amigo que te puxa as orelhas, tenta abrir-te os olhos para o perigo. Você o detesta, na hora; mas se ouvi-lo, agradece-o, depois.

Tente apaixonar-se pela mulher certa! A razão diz: vá. Ótimas qualidades. O coração,... nem tchum. Tá nem aí. Você pode até tentar atendê-la, seguir suas recomendações, mas o coração permanecerá independentemente forte na sua indiferença, às vezes até no seu desprezo. A razão abdica do freio, para tentar tornar-se acelerador. O coração simplesmente não acelera, servindo-te, aí, de freio. A razão pode até vencer, mas você jamais se sentirá vitorioso. Nessas horas, a razão, embora na sua habitual frieza possa estar certa, permanece incompetente face ao coração. O coração é independente e livre. A razão limita o exercício dessa liberdade. Ou tenta.

O coração, embora mais próximo nos pareça, pode ser traiçoeiro, justamente porque desafeiçoado de razão em suas escolhas... Pode te fazer entrar numa "barca furada". E aí, amigo,... reze. Se você não atendeu à razão, ou se esta adormecera,... reze. E tente, ainda que vítima do naufrágio anunciado, ainda que se sentindo um Robinson Crusoé da paixão, atender à razão. Tardiamente que seja. Afinal, nunca é tarde demais.
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Também enviado à publicação no jornal Gazeta de Alagoas e postado no sítio www.talentos.wiki.br

terça-feira, 6 de abril de 2010

Algumas palavras sobre... ela!

Dá medo só de falar. Escrever, então... Não tanto dela, em si. Da palavra. Ouço Billie Holiday enquanto escrevo. Já morreu. Olho ao redor e vejo Jesus, Nossa Senhora (e as suas várias designações: de Fátima, Desatadora dos Nós e da Aparecida), Santo Expedito, São Judas Tadeu e Santa Catarina, imagens que tenho no meu pequeno “santuário”. Também já morreram, e há muito tempo. A revista ao meu lado está aberta na página de uma reportagem sobre o genial cronista Armando Nogueira, morto recentemente. A morte está sempre por perto, como que não nos deixando esquecê-la.

Fantástica essa história de vida após a morte. Acredito mais do que desacredito. Dúvidas demais tenho. Sempre desejei manter contato com meus avós. Fiquei na vontade. Eles nem tchum pra mim. Também nunca fiz nada pra isto. De certo modo, acho que tomaria um baita dum susto se me aparecessem aqui no quarto. Principalmente à noite, como agora. Hum,... melhor mudar de vertente.

Tenho muito medo de que meus filhos se vão antes de mim. E também tenho o mesmo medo quanto aos meus pais. Assim, ou quero ir antes deles, ou não quero que eles vão sem mim, ou simplesmente não quero que morramos. Nunca. É aí que concluo que a morte só atemoriza quando pode virar pra quem a gente ama. E só é tão ruim porque não sabemos se vamos nos encontrar depois, todos já mortinhos, e se lá é bom, pelo menos igual aqui. Aí vem esse medo e essa sensação terrível de separação eterna. Isto é o que lasca tudo. Se a gente soubesse que iria se encontrar depois (de certeza!), a dor da morte seria muito menor. Algo assim como uma longa viagem: você sabe que se tudo correr bem deverá reencontrar o viajante. E como lá não teria morte, porque já estaríamos mortos, o reencontro seria certo.

E os animais? Pra onde vão quando morrem? Sim, porque os animais têm alma, estou certo. Será que vou me encontrar com a Kika, quando morrermos? Será que lá se dorme, e de manhã ela vai permanecer toda respeitosa em sua casinha feita de nuvem, por saber que quando acordo não gosto de latido, nem de pulos de alegria em minhas pernas, com o rabinho balançando por me ver? (Calma, leitor, quando volto do trabalho ela tem permissão pra me saudar efusivamente) Eita! Será que vou ver o Hippie? Esteve comigo uns bons anos. Não ligava a mínima pra ele, mas do meu jeito o amava. Só quando estava doente é que eu me dignava a dar-lhe bolachas mimosa na boca. E se ele já reencarnou? E se a Kika é o Hippie reencarnado? Vou prestar bem atenção d’agora em diante.
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Também postada no sítio Talentos - prosa e poesia
Enviada à publicação no jornal Gazeta de Alagoas
Foto:
http://seculoxiv.files.wordpress.com/2009/04/morte.jpg

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Dr. Dirceu Falcão: uma lembrança

A Marlena, minha ex-professora (eterna professora é mais verdadeiro) de Direito Comercial da UFAL — bem, eu a chamo assim, por Marlena mesmo — veio nos brindar (a meus pais, a mim, enfim, a esse ramo de nossa família), dia desses, com um conjunto de três belos livros (memoriais) sobre a vida e obra do nosso querido parente falecido (irmão dela), Dirceu Falcão, o Dr. Dirceu, médico respeitado e venerado mundo afora, justamente homenageado pelo Município de Maceió não faz muitos dias.

A crônica é singela. Não está, naturalmente, à altura daquele alagoano de escol, mas vai assim mesmo. Como Dr. Dirceu não era homem de mais-mais-mais certamente não estará nem aí para o pouco ortodoxo tema que desenvolverei. Com sorte até talvez do fato se recorde e, assim, divirta-se um pouco, enquanto a todos de lá de cima vê e por todos zela. Do mesmo modo que um dos livros veio recordar-me de que Dr. Dirceu era azulino (torcedor do CSA).

Pois bem, voltando ao caso que me dispus a contar, tinha eu meus vinte e poucos anos, quando vim do Recife, onde estudava Direito, para fazer uma pequena cirurgia no..., digamos, pinto (Eita! Mamãe vai odiar essa história de pinto). Excesso de pele (fimose) entende? “Pronto, mãe, já disse, e em plena crônica. Esquenta não, daqui a pouco ninguém nem se lembra mais dela. E não vou entrar em maiores, nem menores, detalhes. Juro!”

Pois bem, dizia eu que vim operar o velho (maneira de dizer) e fidelíssimo amigo com ninguém menos que o Dr. Dirceu. Ele que já tinha feito, salvo engano, ao menos uma ou duas intervenções jurídicas em minha mãe, cirurgião gabaritadíssimo. Sua clínica era na Pajuçara. Cheguei, meio tenso, mas tudo correu bem durante a cirurgia, felizmente.

Realizado o curativo no dito cujo, com gaze e esparadrapo, fiquei de retornar à clínica no dia seguinte (acho) para fazer um novo. Isto se repetiria mais uma ou duas vezes; a memória me falha. Ocorre que o primeiro problema residiu justamente aí. A desgraçada da gaze havia grudado numa pequena parte da incisão. Meu caro leitor, pense! pense na dor! Foi horrível, insuportável! Eu gritava, gritava a não mais poder. Barulho da peste, os meus gritos ecoando pela clínica. E Dr. Dirceu dizia: “Calma, rapaz! Calma! Mas que bicho frouxo!” “Frouxo porque não é no senhor”, balbuciava atrevido, com lágrimas nos olhos, enquanto ele sorria, mangando de mim, mas um pouco surpreso com meu, para ele(!), exagero.

De volta ao Recife — não podia ficar perdendo aula —, mais sofrimento. A tal da partezinha onde a danada da gaze grudara teimava em não cicratizar. Eu ia pra Faculdade com a calça mais folgada (jeans, nem pensar) e sem cueca. Mais: onde havia os pontos — não lembro se já tinham sido tirados, ou caídos naturalmente; creio que não — eu cobria, abundantemente, com pomada anestésica. Um suplício! Nem queira imaginar! Andando pela Faculdade de pernas abertas, para evitar o bate-bate, e com a calça melada de pomada (os livros naturalmente carregados meio na frente, pra disfarçar). Os caras zoando comigo. E à noite eu ligava pra Maceió: “Mãe, esse troço não fica bom! Continua incomodando! Dr. Dirceu deve ter errado em alguma coisa” (haja atrevimento, hein?). “Calma, meu filho! Que errou nada! Você está é preocupado. Venha pra Maceió no próximo fim de semana pra conversar com ele.” E fui.

Abatido, estressado, barba por fazer, lá fui eu à clínica num sábado pela manhã. Dr. Dirceu pediu para conversar a sós comigo. Ouviu-me e começou a me dar conselhos; nada ortodoxos, certamente, mas você pode imaginar, se lembrar-se onde se dera a cirurgia. Além de alguns impublicáveis — que expressamente me recomendou adotasse já naquele sábado, mais tardar segunda-feira —, disse-me pra que eu fosse tomar banho de mar, não sem antes barbear-me. Só do papo com ele já saí de lá outro. Alegre, disposto, confiante, tranquilizado, animado. Fui imediatamente cumprir suas recomendações. Afinal, prescrições médicas a gente tem que seguir religiosamente, não é mesmo?

Assim, já em casa, tomei um banho, barbeei-me, vesti o calção (homem usa calção; short é de mulher) mais folgado que encontrei e fui à praia do Francês com um amigo. O mar estava convidativo e eu sabia que teria que banhar-me. Então fui entrando n’água. Devagar, molhando de pouquinho, até que mergulhei de cabeça. Meu irmão, passados alguns segundos,... que dor da pega! O danado do sal do mar castigou meu bichinho dodói com vontade! O troço ardia demais da conta! E pra disfarçar a dor, sabido que a praia estava cheia de gente? Pense na agonia... Mas enfrentei bravamente a empreitada, ainda que trincando os dentes.

Pois foi um santo remédio! Não se passou meia hora estava eu tinindo de bom, quase sem sentir mais nada, feliz feito pinto n’água (sem trocadilho). Passei o resto da tarde no Francês, já imaginando, todo serelepe, as providências a adotar para cumprir as demais recomendações do agora novamente querido, sábio, gente boa, fantástico, competentíssimo Dr. Dirceu.

No dia seguinte meu melhor amigo já estava praticamente sarado! E então pude fazer o teste final, completando o receituário que me passou, no qual passei sem maiores problemas, pra minha felicidade. E claro que esta foi a melhor parte de suas prescrições. E o que eu faria sem elas?

Ah! Bendita água salgada do mar! Bendito Dr. Dirceu! Só não entendo uma coisa: como é que ele foi torcer logo pelo CSA? Um cara tão inteligente... Isto, sim, é imperdoável.