quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Feliz Natal, Cuba!


O tempo ainda se esforçava para tornar-se quente naquele princípio de verão em Colônia, mas quedava-se derrotado ao chegar da noite, principalmente “naquela noite”, que já nascera sob chuvafortes trovões e sucessivos relâmpagos a iluminar, juntamente com as lamparinas espalhadas por suas ruelas, a aprazível cidadezinha a oeste de Montevidéu.

Foi assim que saíram a perambular pelas ruas de pedras do séc. XVIII, guarda-chuva preventivamente à mão ― que contudo mostrou-se objeto descartável, ali ― e o olhar contemplativo embriagado pelo atmosfera bucólica.

A rua era sintomaticamente chamada “das Flores”, ou Calle de las flores, e foi nela que em certo momento ingressaram, atraídos por pequeno restaurante ali instalado, com suas mesinhas e cadeiras que a invadiam.

Ao aproximarem-se foram efusiva e alegremente abordados por um homem dos seus trinta e poucos, quarenta anos, magro, alto, cabeça precocemente careca na parte superior, vestido com simplicidade, um pano na mão a denotar estava limpando as mesas das folhas e pétalas de flores que a natureza descartava.

“Olá, vocês souberam da novidade? São brasileiros?”, perguntou, num espanhol impregnado do sotaque e peculiaridades daquela região. “Hein? Sim, somos. Não. O que houve?”, disseram-lhe, num portunhol muito do imprestável e meio que de supetão, tentando assegurar-se de ter entendido as perguntas. “Caiu o bloqueio!”, exclamou, visivelmente tomado pela emoção. “Como assim? Que bloqueio?”, perguntaram tentando adivinhar. “O bloqueio econômico dos EUA à Cuba caiu!”, disse-nos quase em voz alta, sorriso estampado, e com as mãos e braços meio balançando, como se com isto pudesse fazê-los entender melhor. Obama e Raúl Castro, com a intermediação do Papa Francisco, chegaram a acordo. É um momento histórico! Vencemos!” Ela não se conteve e deu um grito, mãos com punhos cerrados pra cima e lágrimas já deitando-se a escorrer. Ele, olhava pra um e pra outro meio embasbacado, a emoção já sentida e manifesta. Abraçaram-se. Não conseguiam conter a alegria. “Querem entrar pra comemorarmos? Ofereço um drinque!”, ofereceu emocionado. “Meu novo amigo, mas é claro que sim! Como não?”

Já mais tarde, no quarto de hotel e às vésperas do sono reconfortador que já se aproximava, deram graças aos céus por estarem naquele 17 de dezembro de 2014 na linda Colonia del Sacramento do belo, acolhedor e politizado Uruguay. Melhor do que isto, solamente eCuba. Feliz Natal...

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*Tb pub no jornal Gazeta de Alagoas e nos sítios Pragmatismo Político e PCdoB/AL

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

A rainha e o senhor Lula*

O reino era o da Dinamarca. Mas os plebeus não eram bem plebeus, senão turistas brasileiros de classe média, ou média-alta, que por lá se encontravam, mais precisamente em Copenhague.

Embora ensolarada, a manhã era fria, o que tornava indispensável o uso de agasalhos generosos. A guia, uma simpática senhora indiana de ar agradável, sorriso franco e farto, voz calma e doce — mas disciplinadora, quando necessário o silêncio e o cumprimento dos horários acordados —, vestia-se de modo simples, mas digno. Usava um vestido acinzentado, sandálias confortáveis de solado de borracha, e cachecol estampado de tons neutros. Cabelos grisalhos longos, fartos e lisos penteados para trás e presos num coque próximo à nuca. Sem joias ou brincos, senão um relógio e uma aliança prateada no anelar da mão esquerda.

Numa oportunidade, reportando-se à monarquia naquele país, e em tom de gracejo, aludiu ao fato de que lá, como no Brasil, eles pagam impostos para sustentar os governantes: no Brasil, os políticos; na Dinamarca, a realeza.

A alguns risos igualmente despretensiosos, ouviu-se de um deles: “Melhor sustentar a realeza!”. “Melhor os políticos, que foram escolhidos por nós!’, retrucou outro. A incipiente manifestação dissipou-se por ali mesmo, assim também qualquer outro tema com alguma conotação política.

Findo o passeio, alguns poucos estiveram com ela por bom tempo a conversar. Aí se depararam com uma mulher de singular cultura, viajada (já havia até morado no Brasil), extraordinariamente politizada e que, aposentada juntamente com seu marido, resolvera(m) ser guia turístico para completar o orçamento doméstico, dado o altíssimo custo de vida naquele país.

Desculpou-se por evitar falar em política com grupos de brasileiros, porque na sua maioria raivosamente contrários ao ex-presidente Lula. “Não compreendo... Um presidente com as qualidades do senhor Lula!...”, dizia com pouco acentuado sotaque português. “Há poucos políticos com tamanha grandeza. Olha, digo-lhes que a rainha somente conferiu a intimidade de receber em sua residência dois únicos políticos: Bill Clinton e o senhor Lula. Este, ainda candidato, procurou-a para aprender acerca das políticas voltadas para o povo dinamarquês. Admira-o. É um homem incrivelmente inteligente e de uma sensibilidade incomuns. Não à toa recebe títulos importantíssimos mundo a fora! No entanto, vossa classe média não gosta dele... Então, prefiro calar-me, pois não?”
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*Tb pub. no jornal Gazeta de Alagoas e nos sítios Pragmatismo Político e PCdoB/AL