domingo, 25 de dezembro de 2016

O doce mistério do natal

Crônica
Por que o Natal deixa a gente meio mole? Molão, molengão, sacomé? Emotivo, generoso... Engraçado. Não, não deixa engraçado. Embora, vem de graça; então, pode ser. Mas quis dizer: engraçado como esse estado de espírito se manifesta no meio de tanto consumo. E por paradoxal que pareça, esse consumo também é, muitas vezes (acho), um reflexo desse mesmo estado. Há um prazer maior em presentear. Doação. Não é só a obediência a um costume comercial. Não é só Papai Noel. Não! Há algo maior. Maior do que nossa cultura capitalista tropical, do que as propagandas que nos empurram para comprar. Do que o bom velhinho. Até a crônica sai diferente. Molona, molengona. Aquela lerdeza que dá quando a gente tá em paz. Uma dormência... E fazer o bem? Vontade que dá! Procurar a paz, a boa convivência. Diferente de outras épocas do ano. O Natal é legal.

E agradecer? Caramba, é um tal de agradecer por tudo e a todos! ‘Brigado por isto, ‘brigado por aquilo. Abraço pra lá e pra cá. Beijo. Haja beijo. E este estado de graça acontece mesmo que não se reflita sobre o significado cristão da data. Quer dizer: parece até que o espírito divino resolve passar mais tempo entre nós, independente da nossa vontade ou consciência, e nos faz senti-lo mais forte, sem nos darmos conta de que é ele, ou por causa dele. E fica deixando a gente assim... melhor. É, numa palavra: melhor. Até quereria saber o porquê, se alguém viesse me dizer. Mas na verdade não me importa saber. Só sentir me basta. E sentindo, agir conforme.

E já que é assim, alguns agradecimentos a Deus. Por eu ter pais vivos e com saúde, e ser absolutamente amado por eles todos os dias. Por meus três filhos: a Mariana, o Andrezinho e a Nandinha — citados por ordem de nascimento, para não ficarem com ciúmes —, minha continuação, meus amores. Minha família toda, ‘brigado. ‘Brigado pelo amor de minha namorada. E por ela passar no concurso. Agradecimento antecipado, afinal, ela vai. ‘Brigado pelos meus amigos. Os de infância, nas pessoas do Ranulfo — amor fraterno sem medida, e recíproco, — e do Zé Carlos — o cabeça-dura mais fiel que conheci —; os ganhos na juventude, na pessoa do Marcelo (Malta) — um irmão —; os nascidos nas lutas diárias da advocacia, como o Cornelio Alves — cabra bom da pega! —, além dos mais recentes, como o (André) Canuto, já queridos. ‘Brigado, também, pelos Drs. Marcos Madeiro e Wenceslau Costa — médicos competentes até umas horas, que me salvaram a vida (verdade!) —, por meu advogado e amigo demais da conta (honra ter a sua amizade), José Costa, e pelo Nélson Feijó, que terá sempre meu carinho e minha gratidão.

Ah! agradecer à Santa Catarina! ‘Brigado, santa querida e, certamente, alvirrubra, por não ter deixado o meu CRB cair à Série C do Brasileirão (lá no seu Estado), em 2005 e 2006, e também pela evolução do Galo, agora em 2007 (você, junto com minha mãe querida do céu, têm participação nisto, certamente!).

Pra terminar, claro: Feliz Natal pra todos!

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Escrito e originalmente postado em 2007.
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Tb publicado no Blog do AnDRé fALcÃO e no sítio Futebolalagoano.com

Dumont


www.zazzle.com.br

Conto (microconto)

Era uma vez um gato que nasceu com asas. Mais! Tinha cabeça amarela e corpo esverdeado, levemente mais claro entre o ventre e o rabo, e ombros vermelhos delineados com amarelo. Quando abertas, suas asas apresentavam partes avermelhadas e de um azul-escuro nas extremidades. Chamava-se Dumont, em homenagem ao inventor da aviação. Dizem ter herdado essas características do pai, um papagaio conhecido pela alcunha de Don Juan. Por causa deste, aliás, ninguém mais em muitos quilômetros queria ter como animal de estimação um papagaio-fêmea. O que não se imaginaria, porém, é que as felinas também poderiam ser alvo da sedução do papagaio. Dumont nasceu, pois, dessa inédita conquista de Don Juan, seguida por uma paixão irrefreável e correspondia por Gisele, que, por sua vez, não faria vergonha entre manequins e modelos em qualquer passarela de moda. Uma gata, também nesse sentido (para ele).

Mas nosso herói tornou-se um adolescente infeliz. Apesar da formosura herdada da mãe, e das cores tipicamente tropicais do pai, Dumont era depressivo. Gata alguma se interessava por ele. Contra o que vulgarmente se esperaria, a beleza e o dom de voar despertavam inveja e o submetiam ao preconceito de qualquer uma por quem se enamorasse. Por isto mesmo, ao espírito de liberdade, já próprio dos felinos, veio se somar o hábito de voar para as regiões vizinhas, de onde voltava só muitos dias depois, ainda mais triste.

Um dia, Dumont rendeu-se à doença e nem mais se alimentar queria. Definhava. Não bastasse, Don Juan e Bundchen lentamente morriam também, pela culpa que os castigava por terem ousado se amar, mesmo sendo tão diferentes. Os maiores psiquiatras e psicólogos veterinários da região e além-fronteiras foram chamados, sem sucesso. Parecia que uma tragédia estava para se instalar, sem nada a impedir o triste destino que se anunciava.

Aguardava-se, assim, o precoce e doloroso fim para aquela singular e amorosa família, quando, num dia que parecia ter nascido mais belo do que todos os outros, Dumont recebeu uma inédita e barulhenta visita: “Krik-kiakrik-krik-krik, kréo”, cantarolava para ele uma formosa papagaio-fêmea, recém-chegada na vizinhança, olhando-o com doçura e alegria. Dumont, que jamais conhecera uma na vida, sentiu as pálpebras se erguerem. “Krik-kiakrik, kréo, krik-krik”, disse-lhe de novo a bela papagaio. Então, como que por milagre, a cor íris-amarela dos olhos de Dumont se reacendeu. Tropegamente foi se levantando e, sob o olhar estupefato de Don Juan e Bundchen, saiu voando com ela.

domingo, 11 de dezembro de 2016

O Capitão Nascimento

O Capitão Nascimento é personagem do filme Tropa de Elite. Virou um herói neste País. Servidor público incorruptível — o dinheiro não o compra —, é corajoso e implacável com traficantes de drogas do Rio de Janeiro, escondidos nas favelas edificadas no alto de seus muitos morros. Admirei essas qualidades naquele homem.

Todavia, no exercício de seu dever, esquiva-se do próprio sistema legal que o legitima. Assim, mata. Inclusive quando já tem o patife preso e indefeso. Mata em nome da lei(?). Invade residências, situadas nas mesmas favelas onde escondida a caça funesta, mas antes consulta o morador inocente, com um ar de quem não espera outra resposta que não o sim: “Senhoorr, nos permite entrar na sua casa, senhoorr?” O tom é melódico e ameaçador. Do outro lado, a voz trêmula, de pânico e medo, olhos esbugalhados, balbucia: “Sim... po-pode..., sim, Se-Senhor.” Ele também tortura. Mas só para obter informação imprescindível! E se o morto ou o torturado não forem as pessoas, a quem a tortura ou a morte se destinaram, é o risco do negócio. Faz justiça com as próprias mãos (e armas). Sofre. Por causa de sua missão é abandonado pela família. Vive atormentado, por ironia, sob efeito de drogas. Nada mais justo que possa matar, torturar, e espalhar pânico aos inocentes em seu caminho, à revelia da própria lei que defende. Afinal, os fins justificam os meios. Exterminar, eis os fins.

Não posso negar que meu instinto regozijou-se ao vê-lo dar um tiro bem na cara daquele chefe do tráfico. Claro! O sujeito era uma escória! Como não me encher de júbilo com a morte desses vermes? Mas meu contentamento dura pouco. É que, lembro, há outros chefes, fora dos morros, tão ou mais perigosos e perversos. Estão em nossa imaculada sociedade, na política, nos poderes constituídos, freqüentando os mesmos lugares em que nós, das classes média e alta, nos fartamos. Enquanto os do morro abastecem de droga o futuro de nossos filhos, os de fora do morro roubam a merenda de nossas crianças, ceifando-lhes o seu presente. E não ficam nisso (como se fosse pouco).

Mas contra os de fora dos morros os Capitães Nascimento nada fazem. Conhecem sua identidade, seus feitos e mazelas deploráveis, mas não usam de violência contra eles. Fossem “dois pesos e uma só medida” eu veria o filme desses capitães repetidas vezes. Certamente até me autotorturaria, beliscando-me pra ver se estava mesmo acordado.

Violência é ruim. Mas se é pra existir, que valha pra todos. Aí eu queria ver.
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Originariamente postada no blog Ponto Vermelho (www.blogdoandrefalcao.com), em out.2007

Carta a Mário Goulart (um papo sobre a reforma ortográfica)

Meu caro Mário,

Vejo (e leio) sua missiva e tento, agora mesmo, assim atabalhoadamente, falar-lhe alguma coisa sobre o tema (o trema, que integra o tema, vem em seguida) — estou assoberbado de tarefas nesta segunda-feira feliz. Confesso, desde logo, não me ter sobre ele debruçado, sequer minimamente. Mais: nem de longe, nem de muito longe(!) — muito mais longe do que a distância que nos separa —, teria condições técnicas para falar com propriedade sobre a reforma ortográfica que se prenuncia. Assim, e até por isto, rogo-lhe desculpas pelo açodamento e inconseqüência (olha o TREMA, aí!!). O seu pedido, entretanto, é uma ordem. Você pediu, então arque (S/TREMA) com as conseqüências (de novo, o danado).

Falando em TREMA, meu prezado jornalista, nada me parecia mais inútil, mas mais charmoso. Distinção, “sacomé”**? O cara escrever com trema confere(ia) aparência de saber. É feito carro luxuoso em mão de pobre inconformado: satisfaz a si (ilusão) e à hipocrisia da sociedade, que teima em avaliar conforme as aparências. Bobagem rematada. Já vai tarde.

O HÍFEN, ah!, o hífen... Por que cargas d’água (ou de qualquer outro líquido menos nobre) não se foi às “cucuias”*** também? Para que “diabos” deixar aquele traço chato e separatista? Aliás, o HÍFEN, pra mim, tem um quê de preconceito, mesmo. É a revista grande que não aceita virar hiperrevista, tem que ser hiper-revista, e por aí vai. Veja, meu caro Mário, como a ausência do hífen diminui a força, por exemplo, de um anti-semita. Antissemita (sem o HÍFEN), é o que deve ser: se não uma peste em extinção, ao menos um desgraçado enfraquecido. Aliás, entre o TREMA (tem garbo, o trema, tem ou não tem?) e o HÍFEN, fosse pra escolher, ficaria com o TREMA, apesar de todas as críticas ideológicas com que o pintei lá atrás.

Finalmente! Finalmente as pobre k, w e y lograram entrar no precioso e seleto grupo, oficial, da língua portuguesa. Bom, não é pra qualquer letra, decerto, fazer parte do alfabeto da mais linda (e rica) língua. Mas confesso: sinto-me um pouco preocupado. É que temo signifique, a inserção das três letras em comento, menos um beneplácito nosso em relação a essas pobres excluídas, e mais uma constatação de nossa americanização subserviente e basbaquada (existe isto? Basbaquada, de basbaquice. Ou babaquice, como a gente popularmente diz).

O ACENTO CIRCUNFLEXO, dos crêem, dêem, lêem e vêem, e derivados, e das palavras findas em hiato “oo”, já vai tarde. Ora, ninguém diz crÉem (assim, com o 1º “e” aberto). Pra que, então, emprestar o som do “circunflexo” ao que já o tem por si? Vá-se fora, então (saudade deu-me, agora, do fôra – mas não é hora para reminescências).

Tampouco vou chorar uma lágrima pelo fim do ACENTO AGUDO nos ditongos abertos (e alguém fala assemblÊia, por acaso, para necessitar dessa agudeza redundante?), nem nas paroxítonas com o “i” e “u” tônicos, tampouco na maluquice dos GÚES. Afinal, o ACENTO AGUDO no averigÚe, por exemplo, jamais impediu que vez por outra eu ouvisse de um sábio locutor: averÍgue!, apazÍgue!, tudo assim, como se o AGUDO estivesse na sílaba imediatamente anterior.

Finalmente, minha única crítica, pelo menos por ora — enquanto não pensei melhor nos devaneios que acabei de escrever: tenho por princípio não concordar com a retirada do ACENTO DIFERENCIAL. Este, sim, tem uma utilidade prática notória. É certo que o sentido da frase pode não deixar dúvidas se você vai PARA lá, ou se você PÁRA, como vejo tenho que fazer já, já. Mas, pôxa, que coisa estranha escrever um verbo como se estivesse, ali, uma reles preposição. E comer uma pÊra sem acento? Não terá o mesmo gosto. Não terá.

Prezado Mário, se você, com sua argúcia, detectar algum equívoco de redação — bobagens há, a fole —, peço-lhe retificar, por gentileza. Fiz num fôlego, felizmente ainda com acento, pra gente não se cansar tanto.

Forte  abraço!

André Falcão de Melo
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(*) Mário Goulart é jornalista e escritor. Como jornalista, atua principalmente em jornais corporativos, de que é destaque o Boletim da Assoc. Nac. dos Advogados da CEF. Na literatura, destacam-se os infanto-juvenis Tio Herói (1999), que ganhou o Concurso 30 anos da FNLIJ, o selo Altamente Recomendável e os prêmios Jabuti de Revelação Literária e Açorianos (Porto Alegre), todos em 2000, e Pê da Vida (2000), indicado pela mesma FNLIJ para a Feira de Livros Infantil Bolonha 2001. Escreveu Também o "Livro dos Erros, Histórias Equivocadas da Vida Real" (2001), pela Editora Record, e uma biografia sobre o compositor Lupicínio Rodrigues.
(**) Sacomé = sabe + como + é.
(***) Cucuias = inferno ou qualquer outro recôndito indesejado, para onde desejar enviar algo de que você não goste.
Originariamente pub no blog Ponto Vermelho (www.blogdoandrefalcao.com), em set.2007
Foto em http://www.rodrigocmagalhaes.com/

O candidato permanente

Foi numa tarde de domingo que os conhecemos. Momentos maravilhosos, inesquecíveis. Nunca esqueci aquela família. Nunca esqueci Celina, Cláudio e seus vinte e quatro filhos. Alguns “pegos” por eles com graves problemas de saúde ou severas deficiências físicas ou mentais. Todos rejeitados por quem lhes pariu. A vida? Esta lhes fora dada, mesmo, por aqueles dois servidores do céu, na terra.

Luís, o seu nome. Não mais que seis, sete anos de vida. Como os outros, que sobreviveram, foi tocado pela mão de Deus. Ops! Quero dizer..., pelas quatro mãos de Deus. As de Celina, mais as de Cláudio.

Como a maioria, abandonado num hospital. Abandonado, desnutrido, desenganado. Pele e ossos — estes querendo lacerar aquela. E doença. Mas as quatro mãos de Deus foram lá e... zapt!, seguraram-lhe a vida. Ou trouxeram-lhe à vida. Tanto faz. E, assim, o que seria um curto e sofrido destino na terra foi-se transformando.

Levaram Luís pra casa. Como os outros vinte e três. Aos poucos, as carnes se foram acomodando entre os ossos e a pele ressequida e fina. Esta, devagarzinho fazendo as pazes com aqueles. Uma gordurinha num canto. Outra noutro. Mais um pouquinho acolá. As doenças a pouco e pouco desistindo dele. Até que a saúde lhe foi, finalmente, apresentada. Seu melhor alimento, mais eficiente remédio? O amor. Luís também não o conhecia. Então, tome amor! Não sei como ele não engasgou, de tanto que recebeu. Resultado, não sobrou mal em Luís. E há o que possa contra mãos de Deus? E o que dizer quando são quatro, essas mãos?

Quando chegamos, Luís estava dormindo. Conversamos longamente com seus pais, conhecemos seus irmãos — um dos meus filhos foi bater bola com os mais velhos, no terreno de chão batido. Nossos amigos, que nos levaram a conhecê-los, diziam nunca ter visto criança mais simpática, doce, amorosa. E ele, enfim, apareceu.

Tímido, ainda, em sua primeira primavera de idade mental, logo lançou-se ao pescoço de um de nós. E assim ficou por algum tempo. Depois, abraçou cada um. Demoradamente. Sorria um sorriso lindo, mas que não consigo descrever. Não parou mais de abraçar. Todos. Ora um, ora outro. E passava um bom tempo assim. Abraçado. E sorrindo.

Aí fui entender porque Celina, com seu invariável e surpreendente bom humor, dele dizia ser o “candidato permanente”. É que, explicara, os políticos abraçam as pessoas em época de eleição. Luís as abraça o tempo todo. Permanentemente.

Nunca mais esqueci Luís.
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Crônica publicado no jornal Gazeta de Alagoas, de 03/8/2007
Originariamente pub no blog Ponto Vermelho (www.blogdoandrefalcao.com), em ago.2007

Sobre um baita advogado

Foto na fazenda Lagartixa, Capela, AL (2016)
Não sei se esse período de festejos juninos, em que se respira e revive essa que é a mais autêntica tradição nordestina, tenha contribuído para essas divagações. Na verdade, foi-me gentilmente solicitada uma crônica, sugerindo-me, inclusive, nela retratasse esta época, em que a santidade flerta com o pecado, e vice-versa — é que são três santos a capitaneá-la, e inobstante as mais diversas características de personalidade e vida de cada um, decerto tinham (ou têm) em comum o gosto pelo milho verde estalando na fogueira, pela pamonha, canjica e tantas outras iguarias dessa rica (e saborosíssima) culinária. O que não sei é se eram (ou são, lá no céu) chegados a um forrozinho, mas tampouco duvidaria. Afinal, que pecado haveria nisso, pois não? Seja lá como for, o fato é que, impregnado dessa áurea induvidosamente inspirada por aqueles queridos Antônio, Pedro e João, veio-me à mente (e ao coração) um invencível impulso de traçar algumas linhas sobre um homem forjado nas melhores cepas, egresso daquelas plagas, autêntico sertanejo, pois, que veio cá, à Capital, ensinar-nos mais, muito mais, do que enrolar um cigarro de fumo de corda ou as artes de uma boa ordenha.

Olha, meus caros, no exercício da advocacia recebi, naturalmente, gratas influências. Falo de conduta, ditada pela ética, e de conhecimento técnico-jurídico. Felizmente, de maus exemplos — e o meio jurídico, não sendo diferente de outros setores da vida humana, é prenhe deles — sempre me pus longe. Bem longe!

Mas dizia dos bons, que benfazejamente me influenciam até hoje. Poderia citá-los a todos (embora correndo o risco de esquecer-me de algum), mas hoje quero destacar o maior que tive, desde que ingressei na advocacia da Caixa Econômica Federal, no início dos anos 90. Posso dizer que muito do profissional que há em mim “se formou nele”, uma espécie de faculdade jurídica humana.

O Dr. Cornelio Alves, ou o meu amigo Cornelio, é o advogado público por excelência. Dedicadíssimo às causas que patrocina (não há o mínimo exagero no superlativo empregado), à empresa pública que o remunera não é menos intransigente em sua defesa. Observância estrita à ética — aquela, fora de moda, mas que tanto se apregoa, e hoje pouco se pratica — , inquebrantável dogma que abraçou. É leal, conselheiro e dotado de impressionante raciocínio lógico (seus pareceres são os melhores, escritos ou verbais). Cornelio é aquele a quem se recorre quando o problema parece sem solução. E não é rara a constatação de satisfação no semblante de quem acaba de consultá-lo, embora, por igual, não se furte a dizer a verdade mais dura, se assim for e houver de ser transmitida. Mas o faz com compaixão, apesar de sua aparente rudeza — na verdade mero disfarce que veste, esculpido no bravo e sofrido sertão alagoano, onde — como dito lá no início — estão suas raízes, decerto para afastar os mal-intencionados, e que, outrossim, ao primeiro contato com os de bem se esvai.

Tive a honra e o prazer de trabalhar sob sua chefia por vários anos. Foi o melhor chefe que tive, e o melhor que já vi atuar, sem embargo do inegável valor dos que se lhe seguiram. Hoje, Dr. Cornelio está completamente voltado ao exercício da advocacia, o que, para a CAIXA, se perdeu(emos) competente gestor, ganhou integral e brilhante técnico e artista (é que advogar, quem o faz bem não estranha a afirmação, é técnica e arte). Não há mal que não traga um bem...

E eu, força das ondas generosas da vida, voltei a desfrutar, mais amiúde, de seus inestimáveis conhecimento e amizade, decorrência do convívio novamente aproximado. Nada mudou, a despeito das funções diversas que hoje ocupamos, e dos anos passados. Continuo aprendendo com ele.
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Crônica publicada no Boletim ADVOCEF - Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal - jun/2007.

De forma condensada, e com o título Um senhor advogado, foi também publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 18/07/2007.
Originariamente postada no blog Ponto Vermelho (www.blogdoandrefalcao.com), em jul.2007

Assaltolândia

Aqui não tem igual. Nem no Rio de Janeiro — com a guerra, sem trégua, do tráfico de drogas — o cidadão deve sentir-se tão desprotegido pelo aparato criado pelo homem à sua defesa, encarnado na estrutura do Estado, que se designa segurança pública.

Não endoidei! É que lá — esta, pois, a minha tese —, embora naturalmente maior o número de marginais, também o é — mas em muito maior proporção — o de vítimas potenciais (os cidadãos, empresas, etc.), de sorte que, por uma questão de probabilidade (pasme!), parece que, lá, a ilusão do “isto não vai acontecer comigo” consegue se fazer mais presente. Não significa nada, claro, mas conforta. Ao menos até a quebra da ilusão. Registre-se, mais uma vez, que este sensacional silogismo não se funda em qualquer dado científico, estatístico, nada. É só uma percepção particular do fenômeno.

Em verdade, portanto, aqui, nos soa pior porque nem a ilusão nos restou, para nos agarrar (e nos enganar). Você sabe — sabe! — que poderá ser a próxima vítima. Ninguém está a salvo. Sim, o pobre, pobrezinho mesmo, também não está. Nem ele pode mais se vangloriar da única “vantagem” que ostentava frente ao rico ou remediado, ditada pelo seu próprio infortúnio.


É muita doideira, leitor. Vou dar-lhes um exemplo: não há (deve haver não) quem não conheça alguém que não tenha sofrido ao menos um assalto. Eu conheço várias vítimas. Tenho um amigo, o pobre do Ranulfo (desse jeito, aliás, corre risco, mesmo, de ficar pobre), cuja padaria foi assaltada dezessete vezes. Eu falei (ops!, escrevi) 17! O cabra tem câmara, serviço de segurança particular, o escambau! Nunca pegaram um assaltante, sequer. E, se sim, foi solto. Hoje, até, com medo de sofrer violência física em face de uma provável irresignação do ladrão, que possa frustrar-se à míngua de dinheiro no estabelecimento, já guarda alguma coisa para não decepcioná-lo.

Mas... — deve dizer-lhe alguém —, um consolo(?): você não está só. Afinal, outros estabelecimentos, até então a salvo da ação dos meliantes, já não o estão. São clínicas, estacionamentos de supermercados, centros comerciais (inclusive aqueles que no Brasil chamam, inapropriadamente, “Shopping Center”), bares e restaurantes, motéis, hotéis, e por aí vai.

É, amigo, a marginalidade da arma de fogo chegou, de vez, às classes média e alta... E tá uma chiadeira só!

Todavia, de qualquer sorte, pelo menos soube que uma alta autoridade do Estado houvera dito que tudo está sob controle. Ah, bom!
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Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 10/06/2007
Originariamente postada no blog Ponto Vermelho (www.blogdoandrefalcao.com)
Foto em http://blogoosfero.net/claudioandre/

Por dez paus, eu ajudo

Impressionado. Desolado, até, diria. Claro que, hoje, no noticiário, há coisas muito mais chocantes. Crimes terríveis, realizados com inacreditáveis requintes de crueldade, por exemplo. Tintos de sangue, ou de caneta. Mas não é sobre eles a crônica. Nesse aspecto, aliás, tomados esses, pode-se dizer que o motivo que me causou estupor é bem mais leve — nem a pau que vou dizer light.

Vê só! Tava eu, assistindo à TV, quando deu-se início a uma reportagem sobre enchentes em São Paulo, decorrentes das fortes chuvas de março. Registre-se que já vi e ouvi várias. Sobre enchentes, e sobre enchentes na capital paulista. Mas essa teve um toque que, não fosse trágico, seria hilário. Eita mundão, esse!

"Prestenção". No momento em que mostrava e narrava os estragos causados pela ira do nosso São Pedro (coitado, vai ver que nem é ele o responsável, e fica levando a culpa), eis que a repórter, com naturalidade inqüestionável, e enquanto apresentava-nos as cenas de árvores, destroços e automóveis sendo arrastados pela forte correnteza — o que naturalmente nos angustia, como não? —, informa-nos que alguns, digamos, rapazes estariam oferecendo ajuda às vítimas que naqueles veículos se encontrassem, no sentido de impedir que fossem levados pelas águas. Porém (a conjunção adversativa é minha; a repórter narra sem o “porém”), o faziam sob a condição da paga de R$ 10,00. E a reportagem prosseguiu, sem mais uma palavra sobre o novel negócio.

Nada! Nem um tom de surpresa ou reprovação, com o inusitado do serviço prestado pelos bravos mercenários, ela demonstrou. Para a repórter — não houve como sentir diferente quem a escutara (creio) —, estava tudo normal. Tava tudo bem.

Deus do céu, tem jeito mais não? Como é que pode ser natural alguém pedir dinheiro para impedir que o automóvel de um semelhante (e com o próprio dentro!) seja tragado por uma correnteza?! E contar o fato sem assombro, então?! Sou até capaz de ouvir a conversa deles. E o desespero das vítimas. Aliás, de uma maneira ou de outra, todos vítimas.

— Óia lá, véio, mais um carro de bacana (ou de remediado, ou de pobre, mesmo)! Tá quase sendo engolido pela água! Parece um barco. E o povo dentro, então? Tudo morrendo de medo... Que doideira... Hummm... Tive uma idéia, tá ligado? Aê, moral, por dez paus eu te ajudo! Quer?

— Claro! Por favor, por favor! Eu pago, eu pago! Socorro!

— Beleza, véio. Agora é só pedir pra São Pedro mandar ver, que não vai faltar mané pra gente tomar uma grana. Federal!
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Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 21/04/2007
Originariamente postada no antigo Blog do AnDRé fALcÃO, hoje Ponto Vermelho, em abr.2007
Foto em http://oquevaipelomundo.blogspot.com.br/

Para Mari

Natureza viva
Natureza bela
Flor, a mais linda.
Céu, o mais azul.
A chuva que mais gostoso molha e cheira
O mar, misterioso, forte, o banho melhor
Sol, lua, estrelas – luz que mais ilumina
Para contemplá-la, possível abrir os olhos
Olhar defronte; não cega, não doi, melhor colírio
Som dos pássaros, das ondas abraçando a areia
Da melhor música, da melhor voz, da chuva caindo
O conforto do abraço com mais calor
O enlevo do mais terno beijo
A alegria por sua alegria
A felicidade por sua existência
A dor por sua dor
Minha continuação, meu melhor
Filhos, frutos
Amores, vidas da sua vida
Mariana
Minha filha
Meu amor

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Originariamente pub no Blog do AnDRé fALcÃO (hoje Ponto Vermelho), em abr.2007

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Em carnaval também se ama

http://www.caixaderetalhos.com.br/
Pense numa menina linda! Era um pitéu, um filé, uma gata, uma coisa, uma..., sei lá, a mulher era demais, me’irmão! Falando sério. Sem exagero. A rainha daquela empresa em Maceió. E a circunscrição do seu reinado é porque era aqui nascida e aqui trabalhava. Mas disputaria esse título nobiliárquico natural em qualquer lugar deste País, quiçá do mundo. Ôxe, poderia dizer, até, do universo! Duvido alienígena mais bonita. Descomedimento, não! Juro! Mas me vou abster de descrevê-la. Cada um de vocês — caro leitor ou leitora que se esteja prestando a ler o que narro — que imagine alguém que pudesse provocar esse estupor de admiração estética que acabo de alardear. Certamente, não estarão longe do desenho harmônico que a compreendia.

Mas, como nem tudo é perfeito..., era chata. E, aí, vou fazer o mesmo apelo dantes: pense numa menina chatinha! Metida, a figura. Há quem entenda sua beleza justifique assim fosse. Mas não para Sandoval. Sei, sei que o nome do cabra, por sua vez, é meio feinho, mas o sujeito era tido como bonitão. Não se engane. Quem vê cara, não vê coração. Ou, adaptando o dito popular às circunstâncias: quem só vê o nome, não vê o dono. Não era, porém, em matéria de beleza, uma versão masculina de Soninha (assim a chamavam). E, se era, o defeito é meu, que não sou especialista nessa ciência.

A vida da bela (e presunçosa) jovem era comum. Ingressara, há pouco mais de dois anos, por concurso, naquela empresa pública. Formada em Direito, nunca exerceu. Graduou-se porque queria um título e desejava (talvez nem deseje mais) passar num concurso público ligado à área jurídica. Nada diferente dos anseios de grande parte da população juvenil do País. Porém, se não despertava admiração por sua essência, também não era execrada por possuir defeitos relevantes. Salvo a prepotência, notoriamente decorrente da consciência de sua beleza e, naturalmente, do mau uso dessa percepção. Em suma: uma jovem normal, não afeita a maldades. Mas era metida. Que era, era.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Confraternização de ex-alunos

— Hummm... O Ambrósio acaba de chegar!
— Ihhh! Tô vendo. Carrão, hein?
— O que deve estar fazendo?
— Sei lá... Mas boa coisa deve ser não. Lembra da fama do pai? Tal pai, tal filho, minha querida.
— Na certa, na certa. Se puxou ao genitor, deve estar roubando até pirulito de criança. Ai ai...
— Mas ainda tá bonitão. Olha só! Nem parece que se passaram vinte anos, desde que saímos do colégio.
— Humpf! Deve estar ainda mais metido a besta que antes.
— Isso lá é. Rico e ainda gato... Deve estar insuportável!
— Ouvi dizer que se separou daquele tribufu da época de colégio. Lembra dela?
— Não diga!!! Também, nunca entendi aquele namoro! Um gostoso desse namorando com aquela cdf feiosa... Nunca entendi o título de Rainha do Milho que recebeu naquele São João.
— Nem eu. Só pode ter sido marmelada.
— Modéstia à parte, qualquer uma de nós dava de goleada nela.
— Ele ainda continua uma graça.
— Ah! Mas eu nunca quis nada com ele, não! Homem metido demais! Tô fora, minha filha.
— Nem eu, querida! Imagina! Esse tipo de homem é só pra olhar. E olhe lá! Sem trocadilho.
— Claro. A gente tem que se dar ao valor, não é?
— Vou te contar uma coisa. Jura segredo?
— Claro, amiga! Pode dizer.
— É que lembrei de uma vez em que ele tentou me beijar enquanto dançava comigo.
— Jura? Pois nunca vi Ambrósio dançando com você. Quando foi?
— Ah, nem lembro mais. Só recordo que ficou me apertando, todo fogoso, com aquele olhar de homem apaixonado. Caidaço por mim. Mas não sou doida, né? Tinha que me dar ao respeito. E foi o que fiz. Pedi licença, e deixei ele sozinho na pista de dança!
— Humm... Sei... Caramba, que memória a minha... Não lembro! Que coisa, né? Mas claro que acredito... Você jamaaaisss iria mentir pra mim...! Mas quer dizer que o peste olhava pra você também? E dizia estar apaixonado por mim, o cachorro!
— Por você?
— Ah! Contei e pronto. Mas peço segredo também. Tanto tempo... Nessa época já namorava a mocréia. Prometeu ficar comigo, se eu o quisesse. Já pensou?
— Não acredito! Quero dizer... Nunca pensei! Você? Menina, não fosse minha melhoooor amiga, juraria que está mentindo.
— Por quê? Só você pode despertar interesse no Brosinho?
— Brosinho?
— Era assim que me pedia para chamá-lo. Isto antes, claro, de eu colocá-lo em seu devido lugar.
— Pois nunca notei nada entre vocês também. Bom, desculpe. Herrrr, acredito em vc... Ainda bem que resistimos, então. Cada uma!
— Ai, lá vem ele.
— Tá nervosa? Não se preocupe. Como ele deve vir falar primeiro comigo, eu o distraio até você se acalmar. Ihhh! Tá vindo!
— Desculpe, amiiiga. Mas quanto a esse aspecto, divergimos! Quer pagar pra ver como ele virá falar primeiro comigo?
— Chega um pouco pra lá.
— Chega você. Assim, tá impedindo sua visão.
— (...)
— (...)
— Passou?! Não nos viu!?!?
— Ai, meu Deus!!
— Ambrósio!!!
— Ambrósio!!! Ei, Ambróóósio...!
— Sim? Ah! Olá, como vão?
— Tuuudo bem, Ambróóósio!!! Pensei que não ia falar conosco!
— É!!! Também! Também!
— Desculpe minha indelicadeza. Não tinha visto as senhoras. Muito prazer! Mas..., ajudem-me: são mães de quem?
— (...)
— (...)
— Grosso.
— Feio.
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Escrito em jan.2007
Publicado no jornal Gazeta de Alagoas, Caderno Saber, de 03/02/2007
Foto em http://www.colorizemedialearning.com/

Eu e meu trator

Noite. Umas 23h. A caminhonete passa bem devagar na frente de um bar no Stella Maris. Antigo! Era uma picape. Ou uma “isso”, uma “aquilo”... Boca cheia ao dizer seus nomes, hein? Por favor! Aliás, uma febre nesta cidade! Nunca imaginei houvesse tanto ruralista aqui. Sim, porque... não são para o campo? Ah, mais não? Também pra cidade, é? E né ruim, não? Maceió tem ruas tão estreitas... Estacionar, então!? Bom. Deixa pra lá. Até porque a crônica não é sobre esse objeto de consumo dos meus conterrâneos. Nem tenho nada contra as caminhonetas. Até cogitei ter uma. Depois desisti, pelo tamanho. Recuso-me, porém, a dizer picape (pick-up, aportuguesado). Intolerância com estrangeirismo. Detesto(!) essa história de mudar os nomes das coisas, antes sempre faladas em português, por outras, alienígenas. Voltando, nada contra tais veículos. Nada mesmo! Invisto é contra alguns que estão lá dentro, pilotando-os, e que não poderiam. E, aí, não é privilégio das caminhonetas, não. Mas que nelas o metido a bam-bam-bam fica mais afoito, mais mal-educado..., ah, isso fica! Deve ser porque de lá o imbecil, vendo os outros de cima, sente-se superior, poderoso... Daí, esses espécimes serem mais encontrados nesse tipo de utilitário. Mas, pelo amor de Deus, não estou generalizando! Não se vinguem no meu, que também será visto de cima. Muito menos em mim!

Passa bem devagarzinho. Mas bem devagar, mesmo! Sabe quase parando? Pois é. Na cabine (vejo por seu retrovisor), nariz empinado, exibindo-se aos olhares de seus admiradores. Sim, porque os há. Intolerante, demais, estou! Tem gente atrás (eu) querendo passar? Pô, paciência! Qué que custa? Não tá vendo que o moço precisa ir devagar? Moço é ótimo. Nunca mais tinha ouvido falar. Moça, então... Até que ele pára. Sim, ele pára! Tento examinar melhor sua cara-de-pau. Ele põe o braço pra fora, gesticula, fala alguma coisa com seus desafortunados amigos. Ri. Demora-se. Parece uma eternidade. Eu e a vítima do carro atrás do meu damos duas buzinadas. O proprietário da via não move a caminhoneta. Mais algumas buzinadas. Epa, tá saindo! Mas bem devagar. Mais do que antes. Ora, pra que pressa? Fico pensando o quanto ele demoraria ali, não fosse eu e o companheiro de infortúnio do carro detrás termos buzinado.

Lembrei-me de quando eu quis ter um trator. Daqueles grandalhões, de esteira. Seria muito mais eficiente do que a buzina. Com o meu trator, eu poderia, gentilmente, ajudar o moço a sair da minha frente.
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Escrito em dez.2006
Foto em http://pirajatratores.com.br/fotos_01/trator.jpg

Conselho

Pô, aquele cara veio me pedir conselho! Logo pra mim? Trocentas mil pessoas na face da terra...! Santa paciência. Nem santa... Dá pra você? Calma. Quis dizer: dá pra você entender um troço desses? Disse que eu tinha muita experiência na área. Falou que eu era antenado com meu tempo. Estranha essa palavra, né? Me remete a uma antena (nem adianta; não direi remete-me), daquelas que são pregadas na TV e que vão aumentando de tamanho à medida que você estica seus apêndices esguios. Das antigonas. Sequer uma parabólica ou a cabo, de 329 canais, dos quais 319 em outras línguas (mas que muita gente, monoglota, adora dizer que tem em casa). Seria mais chique, mais moderno. Não sei você, mas não consigo gostar. Sacomé? Antenado... Hummm. Chatice.

Voltando. Pois é, veio me pedir! Não, não é mentira. Ora, bolas! Não abuse da minha humildade! Eu até posso, num arroubo de modéstia — não importa se demagógica ou não —, me achar desmerecedor do pleito do sujeito. Você não. Tá vendo como é que é? Basta ser um pouco humilde, ou pelo menos fingir que se é, até pra si mesmo — e eu fui, quando fiz a primeira exclamação da crônica, acima (releia, por favor, se não se recorda) — que já vem você esculhambando, como se eu não fosse capaz de dar um conselho. Hum! Tá certo! Você venceu. Sou não, mesmo.

Pôxa, acabo de constatar que fui autenticamente humilde. Quando? Ai, lá vem você de novo. Preste mais atenção! Concordo que não sou bom na escrita, mas não custa você ler com cuidado. Mínimo, que seja. Lá, na primeira frase. Lembra? Comecei assim: Pô, aquele cara veio me pedir conselho! Lembrou? Pois é. Num é que fui genuinamente humilde? Por quê? Assim não dá. Porque eu concordei, cara-pálida, há pouco, quando aquiesci: Tá certo! Você venceu. Sou não, mesmo. Lembrou?

Pôxa (de novo), agora fiquei orgulhoso de minha humildade. Eita! Danou-se! Orgulhoso de minha humildade? Então não fui humilde coisa nenhuma! Quem é humilde não sente orgulho. Acho que não, pelo menos. Sei lá. Encasquetei com essa história de humildade. Sou, ou não sou? Outra hora teorizarei, com as argúcia e profundidade necessárias, acerca dessa transcendente questão. Noossa! Demais! Que frase!

Voltando ao meu amigo, o infeliz queria saber como fazer para... Por que infeliz? Ora, porque só alguém nesse estado poderia pensar em me pedir um conselho. Epa! Peraí! Também não é assim! Agora fui rude demais comigo. Releve. Apague esta parte. Risque. Ou pule, quando for reler pra tentar entender. Sim, porque você vai reler. Tá entendendo nada, mesmo. Ou então vai desistir de continuar. Tá vendo? Já tô com a auto-estima baixa novamente. Achando que você não vai ler. Sacomé? Ai, Deus! Sacomé, de novo! Claro que os leitores vão notar essa repetição desmesurada de sacomé. É que fui eu que criei a tal. Vou, sim! Vou dizer que fui eu quem criou, e pronto. A junção de sabe, mais como, mais é. Achei tão inteligente! Moderno. Meio gíria, meio vanguarda. Vou contar: sempre invejei esses escritores que fazem essas coisas com a língua. Os críticos acham genial. Aí não resisti e escrevi sacomé de novo. Aliás, tenho escrito sempre. Incorporou-se, já, ao meu parco vocabulário (outra falsa modéstia). Quem sabe não acharão brilhante também? Como? Não fui eu quem criou? Nem lerão este texto? Inveja!

Voltando, de novo. Queria que o ajudasse, com minhas sábias ponderações e visão de mundo. Adjetivos dele. Ele que disse. Juro! Retruquei. Insistiu. Tentei explicar-lhe que eu não era a pessoa mais apropriada para orientá-lo. Procurasse um psicólogo, um médico, uma vidente, um engenheiro, um escritor, seu pai, seu irmão imberbe, as almas do outro mundo. Se virasse. Insistiu. Pensei em retrucar de novo...

Repetia, compulsivamente — feito disco arranhado tocando na vitrola (long play; lembra, dinossauro?) — que só eu poderia explicar-lhe como agir para... Ah, sabe do que mais? Mandei-o às favas. Falei mesmo. Na lata. É, na cara. Tá louco?...
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Escrito em ago.2006

Solidariedade jovem?

Faz um tempo. Não lembro quanto. Hummm... Vá lá. Uns 04 anos. Por aí. Li, em algum periódico, alguns depoimentos de filhos de pais que eram jovens à época da ditadura, ou aos seus arredores. Por volta dos anos 60/70, mais ou menos. Diziam lamentar não terem vivido esse período. Sentiam uma inveja gostosa dos pais. Não pela ditadura. Óbvio. Aliás, nem tanto: há quem sinta saudade e até deseje seu retorno. Paciência. Lamentavam porque percebiam que os jovens de então eram mais... numa palavra: solidários. Hoje, a juventude não se ressentiria só da falta do inimigo visível contra quem lutar. Haveria uma inércia para o fazer pelo bem comum, ausência de luta por um ideal de mundo melhor. Pior: ausência do próprio ideal.

Não parecem errar. Talvez estejamos vivendo, mesmo, e em toda a sua crueza, “cada um por si”. O individual se sobrepondo maciça e, não raro, cruelmente, ao coletivo. A ignorância da política, como fruto, em parte, de um lado, do desinteresse decorrente do doutrinamento contumaz e proposital de que todos os políticos são desonestos, ou, no mínimo, incapazes de enxergar além do próprio umbigo; de outro, da constatação de que em grande medida é assim mesmo. Mas desconhecendo que, em outra, considerável, não o é.

Até nas pequenas transgressões, tão comuns em jovens adolescentes, há diferenças de há 15, 20 anos. Garoto que conseguisse a prova a ser aplicada no dia seguinte “emprestava-a” praticamente a toda a classe, para ser copiada (cuidando em errarem uma ou duas questões, para não dar na vista). Solidariedade à maneira deles. E daí? Hoje, quem a conseguisse, não raro ficaria pra si. Percebe? Até aí, no “ilícito”, ditaria o individualismo, o egoísmo, o “vou me dar bem e os outros...”. Como diz a música: “os outros são os outros. E só.” O mesmo nos famosos trabalhos em equipe. A maioria dos que se consideram aptos a fazer um bom trabalho prefeririam não fazê-lo em equipe, para não ter que dividir os louros com os menos preparados.

Veja-se. Não se está a falar de grandes causas. De enfrentar repressão, cadeias, tortura... Está-se a dizer de coisas pueris, singelas circunstâncias das quais a solidariedade seria indissociável. Não precisaria sequer coragem. Não custaria quase nada. Só solidariedade.

Ouvi muitos comentários assim de acadêmicos estagiários. Pessimismo? Exagero? Equívoco dos jovens do periódico? Não acredito. Hein? “Como será o amanhã?” Ah! Sei lá. “Responda quem souber.”
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Escrito em jul.2006
Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 25/07/2006

Brincadeira na praia

Não se atrevia a mirá-los. A incredulidade em seus rostos misturava-se com a dor e o sofrimento. Também não lhe dirigiam o olhar. Não sabia o porquê, mas tampouco perguntava. Ao redor, aquela atmosfera modorrenta e fúnebre, típica dos cemitérios. Sentia-se culpado pela brincadeira, mas, afinal, fora compartilhada por todos. Já bastava a culpa que sentiu quando foi a sua vez. Preferiu, assim, adotar o silêncio respeitoso, solidarizando-se com a dor que verificava sentiam, ainda que não a sentisse.

Eram cinco amigos em férias. Costumavam sentar num banco lá na calçada da antiga Robert Kennedy, praia de Pajuçara, perto de onde havia o bar Ipaneminha. Papeavam, paqueravam as garotas que passavam, essas coisas.

A nova brincadeira: não poderiam saudar qualquer um que passasse de carro. Bastava ser alguém a quem normalmente o fariam. Teriam de encarar o infeliz. Proibido fingir que não o tinham visto. Olhá-lo, se possível dentro dos olhos, para não lhe deixar dúvida que fora visto e propositadamente não cumprimentado.

“Tá ligado” x “brother”


Fácil escolher? Né não, meu camarada. Muito ao contrário! Difícil pra caramba! Cê já as ouviu na fonte? É, essas acima. Do título. Rapaz, como diria uma personagem de novela da Globo: é brinquedo, não! Não, messsmo! Ah, o texto tá com um jeitão bem informal, meio escrachado. Pra entrar no clima.



Por mim, na verdade, as duas pro lixo. Em princípio, nada contra gíria. E isto não significa que saiba, bem, o que é, qual o seu papel (se é que tem) na formação do jovem, etc. Mas, ressalvo, não é por preconceito. Decerto à falta de algo leve melhor pra escrever... O que quero dizer é que, a priori, nada tenho contra as ditas cujas. Aquelas, em geral. As do título, já disse: odeio-as!
 

Vê só. Ou melhor, lê (e tenta ouvir), mas com cuidado pra não se perder: — E aê, bró (diminutivo de brother)? Beleza? — Beleza, véio. — E ontem? Qué que rolou, brother? — Pô, beijei umas mina na balada, tá ligado? E tu, bró? — Me dei bem não, tá ligado? Véio, só tinha mulé feia na parada que eu fui, tá ligado? Pense! — Furada, brother! Tu devia ter ido comigo. Tava irado, tá ligado? Se liga, tá ligado? — Só. E hoje? Onde é a balada, bró? — Hoje vou não, tá ligado? — Ôxe, por quê, véio? — É que tô com sapinho na boca. Da beijação da parada de ontem, tá ligado? — Irado, brother! Pense! Já tô vendo as mulé falando que você tá com a boca doente de tanta beijação. O cara é pegador! Irado demais! Tá ligado? — Só. Foi vinte e cinco boca, tá ligado? Dá pra tu? — Caraca!



Não falei antes? Fácil não, meu leitor confuso (e quem não fica, com uma conversa dessas?). Agora, tente abstrair as outras gírias acima (ou coisa que o valha), a falta do plural, os erros de concordância... E reflita: “Tá ligado?” e “brother” ganham de todas em ruindade, não? Pra mim, sem dúvida. Talvez pela repetição. A segunda, porque poderia ser trocada, com vantagem, pelo seu similar tupiniquim: irmão. Ô diacho de mania de querer ser “americano”! E a primeira, porque é sem pé nem cabeça. Uma bobajada sem tamanho. É “tá ligado?” pra lá, “tá ligado?” pra cá. Vote (lê-se vôte)!



Aí pensei: e das duas, qual a pior? Pudesse eu optar — e na impossibilidade de fazê-lo às duas —, escolheria qual para exterminar, com todos os requintes possíveis de crueldade? Bem, por questão de princípios, confesso, arrastaria a segunda à sarjeta. Estrangeirismo (argh!), não!



Mas tenho de admitir que “tá ligado?” é insuportável. Insuportável demais da conta! Tá ligado? Bró. Ops!

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Escrito em mai.2006
Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 18/05/2006
Foto em http://textosdacriscampos.blogspot.com.br/

Destroços encalhados



Pedras, restos de tijolos, brita, barro, areia. Ferros retorcidos e enferrujados, sorrateiramente prontos pra ferir, quem sabe de morte, os pés dos que por lá se aventurem. Resultante da demolida sede administrativa do Alagoas Iate Clube, o “Alagoinhas”, uma montanha de entulhos permanece, impassível e inabalável, a compor a agora medonha paisagem daquela orla e a impedir a passagem dos que pela areia transitem.

Só em Maceió...

Há tempos aquele clube “dentro do mar” é alvo de discussão. Questiona-se, por exemplo, se é o responsável pela quase inexistência de areia naquela parte da praia que dele se avizinha. Para seus defensores, não fosse ele nem areia existiria mais (aliás, há cada vez menos areia, numa área cada vez maior da bacia da pajuçara). Fora lá irregularmente construído? Faltara autorização de quem de direito? Aqui também as opiniões divergem. E a polêmica se arrasta e, periodicamente, se exacerba.

Desconheço as nuances de ordem técnico-jurídica que embasaram a parcial demolição havida, tampouco sua discussão vem ao caso, aqui. Parece-me evidente, porém, que ali se construiu demais, o que me restou evidenciado pela sua sede administrativa, aquela que se pretendia à imagem da proa de um navio (exatamente a demolida). É verdade que o “Alagoinhas” já fora até cartão postal, mas, hoje, mesmo o que dele ainda está em pé são destroços encalhados a enfear quiçá o mais belo ponto turístico desta cidade.

Seja lá como for, o que não dá pra aceitar é que tudo fique como está. Demoliu-se-o, mas quem o fez sequer se dignou a retirar o lixo resultante. De onde havia uma proa de navio de cimento — de gosto duvidoso — surgiu uma grotesca montanha de cascalho e ferro a impedir, tal qual antes, mas agora injustificadamente, a passagem livre e segura do transeunte.

A verdade é que o jogo do empurra-empurra, de tão arraigado, parece já congênito desta terra. Ninguém quer limpar o monstrengo derrubado. Quem obrou — sem trocadilho, o entulho — crê que já fez o que lhe competia. E quem poderia limpar a obra, não o faz porque entende não lhe caber. Dane-mo-nos, pois!

Um alento, porém. Li, outro dia, na imprensa, que descobriu-se uma saída para o imbróglio: impingir-se a atribuição da limpeza ao... mar! Claro! É só ter paciência. As marés altas que virão farão o serviço. E o melhor: sozinhas e de graça! Puxa! Como não se imaginou isso, antes? Deixar-se, ao mar, a tarefa de levar a montanha para suas profundezas... Brilhante. Até poético! Hein?

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Escrito em abr.2006
Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 13/4/2006

Fez-se um homem



Meados do século passado. Era sua primeira audiência no interior de outro Estado. Humilde, algo tímido, mas brioso, embora talvez nem tivesse ciência disso. Ressentia-se, jovem ainda, da segurança concedida pela experiência, mas faltava-lhe, também, a insegurança dos incompetentes. Nunca saíra da Capital, o que dizer-se exercer a recente advocacia no então violento sertão do vizinho Pernambuco. Pior: na Comarca daquele Juiz, conhecido por sua rudeza, e naquele município de maus contados ainda piores. A péssima fama de que desfrutava o Dr. Matoso já ultrapassara as fronteiras do minúsculo Exu, com este até rivalizando. Outrossim, a tensão há dias grudara-se a Aurino, agravando-se os sintomas que o afligiam — dela denunciadores — por toda a madrugada do fatídico dia.

Foram intermináveis idas ao banheiro; temeu desfalecer. Não fosse sua esposa, a enchê-lo de conforto e coragem, aliados ao milagroso chá caseiro, interruptor das mais rebeldes diarréias, não se sabe o que seria do promissor patrono de causas jurídicas.

Sortes simples em Maceió



Tive sorte, muita sorte: pizza na Sorriso; primário no Imaculada, com Zé Carlos e Xisto; lá, campeões com um gol de pênalti que fiz, o que me rendeu ser erguido nos braços (suprema emoção!): o gol era um vão, de 2m (de altura) x 70cm, que dava acesso ao corredor dos banheiros. No Marista, uma medalha: melhor aluno (cursava a 7ª série e não sabia da aferição, mas, embora surpreso e tímido, fiquei muito contente); futebol, no Águia Negra. Tá, no “Aguinha”, da pivetada. E daí? Ops! Gazeei umas aulas e me foi “solicitada” a saída de sala em outras tantas. Poucas.

Tive sorte, muita sorte: comi fruta tirada do pé (alheio); fomos (Ranulfo já incluído) lanchar na novíssima lanchonete do Bompreço da Pajuçara e na Lobrás, às matinês do São Luiz e, à noite, ao Plaza (filmes impróprios). Domingo, Sete Coqueiros (ponto de encontro), comer zip-zip no treiler (assim, aportuguesado mesmo), de mesmo nome, do Galego e passeburger, no Passaporte Gaúcho. Nos “assaltos” do Tonho Setton e do Ricardo Carnaúba — os melhores, em suas respectivas épocas —, dançar muito “Hotel Califórnia”, do Eagles, as trilhas dos filmes do John Travolta e da novela Dancing Days...

Tive sorte, muita sorte: praia do “Ipaneminha”, boates Oitão (quase de fralda), Stallus e Middô, o Fornace, bailes de carnaval da Fênix... Saímos até na Jangadeiros Alagoanos! Ônibus, só sem pagar, descendo pela traseira (a borboleta era atrás). Acampei, com o Zé e o Purê — seu Camucé não deixava o Camucé ir — na Paripueira (festa de St° Amaro). A Danúbio: festa de salgados, doces e paqueras nas tardes de férias. Às vezes, uma ida à Shups, matar o calor. Os Festivais de Cinema de Penedo (chinfra!), com o Kleyner, o Rio, com o Purê — quando fugimos de um perseguidor imaginário, na deserta estação ferroviária da Zona Norte — e a Faz. Santa Fé, do Prado.

Tive sorte, muita sorte: identifiquei-me, desde cedo, com ideais ditos “de esquerda”; gostava de ouvir os discursos avermelhados de José Costa, Eduardo Bomfim e Moura Rocha; em passeata estudantil de protesto, no Recife (cursava Engenharia na Federal de lá), meu rosto quase ampara um soco (perdido) de um policial do “Choque”: privilégio, o risco sofrido.

Por essas sortes que tive, vivi esses momentos únicos, no final da infância, início da adolescência, numa outra Maceió. Essencialmente simples, tornaram-se inesquecíveis na sua simplicidade. Tive sorte, muita sorte, tê-los vivido. Graças a Deus!
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Escrito em mar.2016
Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 10/3/2006
Foto em https://culturaeviagem.wordpress.com/2013/03/16/orla-de-maceio-passado-presente-e-futuro/