quinta-feira, 15 de setembro de 2011

No manicômio

http://cachorroluco.blogspot.com

Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. A frase não é minha. Consta do prólogo do livro “A literatura em perigo”, do búlgaro Tzvetan Todorov, tradução de Caio Meira, que me caiu às mãos por um vendedor ambulante de livros, em Ouro Preto, nas Minas Gerais.

Passávamos por uma de suas calçadas de pedras irregulares construídas na época em que ainda se chamava Vila Rica, visitando, ou revisitando, seus monumentos, igrejas, ruas e lojas de souvenir, quando com certo estardalhaço pediu nossa atenção, tentando apresentar-nos os livros que tentava vender.

Era magro, estatura mediana, mais pra baixo, cabelos finos, ralos e poucos, parcialmente escorridos e grudados à raiz do couro cabeludo, dentes mal cuidados e, principalmente, de uma inteligência brilhante.
Foi só perceber que lhe dávamos alguma atenção para desandar a apresentar um e outro exemplar de seus livros, invariavelmente ótimas obras, algumas raras. Perguntou se gostaríamos de ouvir uma poesia de sua autoria. Permissão concedida, passou a declamá-la, exagerando nos gestos e trejeitos da face, não sem antes avisar-nos de que era um tanto quanto anárquica. Muito bom!, exclamei. Não satisfeito, no mais absoluto regozijo por aquela “oportunidade”, sacou de um exemplar de Fernando Pessoa e declamou para nós parte de “Esta velha angústia”, de seu heterônimo Álvaro de Campos. Emocionou-nos.

Continuasse, embora, sentado na calçada, enquanto seus livros eram-nos desordenamente apresentados, e nós em pé à sua frente, enxerguei aquele referido no início da crônica e, após folheá-lo rapidamente enquanto ele falava e gesticulava freneticamente, decidi adquiri-lo. Surpreendeu-se com minha escolha. Antes já havia me perguntado se eu era doutor, e se era português. Médico, perguntei? Não, doutor, disse-me. Agora que escolhera comprar um Todorov, também afirmava para mim: você também gosta de literatura. E indagava: É escritor? É poeta? Seu interesse e alegria aumentaram.

Reclamou-me, porém resignadamente, que ninguém parava para ouvi-lo, só a gente parou. Mas ler demais era perigoso. Eu decerto sabia, afirmou. Deixa-nos a todos um tanto loucos. O manicômio o entenderia melhor. E lembrou o poema de Pessoa, agitando o livro. Lugar dos incompreendidos e leitores compulsivos.

Feito o pagamento, despedimo-nos. Até um dia, disse-nos, retribuindo-nos os cumprimentos. Até um dia no manicômio!, esclareceu. Até, sorri-lhe.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Hoje é QUINTA-FEIRA

Tenho um grave problema: sou indisciplinado. Não demais, demais, mas mais do que gostaria e me facilitaria a vida.

Por exemplo, desde que inventei de criar o Blog do AnDRé fALcÃO, por sugestão do meu amigo Arnon Chagas (o filho) — já lá se vão, brincando, brincando, 4 anos, acostumei-me a nele postar — crônicas, mais, contos, menos — sem muito rigor quanto à periodicidade. Ao menos uma vez a cada quinze dias, desejava. Às vezes postava mais vezes, noutras, menos. Até que um dia, recentemente, conversando com o amigo Rodrigo Montenegro, da Mammoth Store, no nosso agradável e barulhento almoço diário das segundas às sextas (quando ingerimos nosso nutritivo shake), com vários de nossos amigos, dele recebi a seguinte orientação: que eu criasse um compromisso com o leitor do blog.
Vale dizer: ou diária, ou semanal, ou quinzenal, ou até mensalmente que fosse, eu postaria um texto meu, notadamente uma crônica ou um conto, mas que tivesse uma periodicidade regular. Ao mesmo tempo que esse compromisso comigo mesmo me conferiria uma obrigação e, consequentemente, para cumpri-la, seria forçado a exercitar a disciplina, o leitor se sentiria atraído, prestigiado e, com o tempo, acostumado a saber que toda QUINTA-FEIRA haveria um novo texto meu. Sugestão aceita, pus-me à prática, procurando postar toda QUINTA-FEIRA uma nova crônica (ou um conto). Assim, venho fazendo, há algumas semanas, não raro com sacrifícios, até pessoais. Só o sabe quem o faz.

Só que... hoje é QUINTA-FEIRA. E nem tchum para uma crônica ainda. O fato é que desde que realizei esse compromisso, semana após semana, e principalmente a esta altura, mais vem se consolidando em mim uma verdade: como é difícil escrever algo razoável em tão pouco tempo!... E hoje, mais do que nunca, tenho a prova: estou eu aqui (ainda adoentado neste 8 de setembro, QUINTA-FEIRA), deitado com o notebook sobre as pernas, tentando alinhavar algum tema que possa parecer (ao menos) minimamente interessante, torcendo para que a QUINTA-FEIRA demore mais tempo a passar do que o habitual.

Pior: já são 17:35 horas! Aí, um detalhe: eu não disse a que horas das QUINTAS-FEIRAS as crônicas estariam postadas. Um artifício, uma artimanha, uma matreirice para o caso de vir a acontecer algo como o que agora me sucede: este brutal infortúnio. Na verdade, parecia até que eu estava prevendo. Um dia isto iria ocorrer, então melhor não dizer, por exemplo: todas as QUINTAS-FEIRAS pela manhã! Ou pela tarde! Apenas às QUINTAS-FEIRAS. Assim, seja qual for a hora, sempre estarei cumprindo o compromisso.

Então, por favor, caro leitor, não se esqueça: antes, como hoje, toda QUINTA-FEIRA tem uma crônica ou um conto novo no blog. E hoje é QUINTA-FEIRA!

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Velho

tempestade-jesuisentraindechercher.blogspot.com/
Já sou do tempo de muitas coisas (e até de pessoas) que não existem mais, ou que foram completamente modernizadas, tenha lá algo de bom ou ruim nisto.

Às vezes me sinto envelhecendo. Não apenas pelos fios de cabelos brancos que começam a dar o ar de sua graça, ainda que raros, ou pelo metabolismo que já percebo um pouco mais lento, ou mesmo pelas dores nas costas que antes inexistiam, tampouco pela necessidade que sinto de alongar o corpo vez por outra (era pra ser diariamente, mas não raro sou vencido pela preguiça).

Não bastasse o testemunho dos avanços tecnológicos rapidamente ocorridos e impressionantes, sinto-me assim quando vejo as tantas mudanças verificadas também nos costumes. A começar porque muito direi, de agora em diante, que “sou do tempo”, sinal de que a velhice está mesmo se aproximando.


Assim, sou do tempo, por exemplo, em que mulher quase não tomava bebida alcoólica. Hoje se embriaga, não raro mais do que os homens, quando não dá vexame (e aí é horrível, perdoem-me). Lembro-me da minha estranheza quando, numa balada qualquer, vi uma garrafa de vodka, copos e balde de gelo, no chão, rodeados por algumas amigas (da garrafa), em pé, dançando ao seu redor. Parecia que estavam adorando uma deusa. No caso, a deusa “Absolut”. Dizem que nada mais é do que o exercício legítimo do direito de também tomarem seus porres. É, pode ser.

Também sou do tempo em que o beijo vinha depois. Depois de paquerar a garota (olha a velhice aí), depois de conhecê-la, depois de “começar a namorar”, o beijo surgia como o ápice, recheado de emoção, e não apenas de tesão. Certa vez uma garota veio me contar, cheia de orgulho (verdade!), que tinha sapecado (não é, aqui, antônimo de caprichado) vinte e cinco beijos na  boca durante o então recente carnaval passado. Danei-me a bochechar Listerine na primeira oportunidade que tive.

Sou do tempo, ainda, em que homem que era homem não posava pelado. Jamais. Posar sem roupa era atividade ligada apenas à natureza vaidosa da mulher (às vezes criticada, porque estaria se desvalorizando, essas coisas). Homem também não dançaria em rodinhas (sem trocadilho) com outros homens na balada. E “mulher de amigo meu” era, quase invariavelmente, homem. Ah! Homem também não gostava de exibir o corpo desnudo (ou quase) de sua mulher. Hoje parece excitar-se com isto.

Sou do tempo, até, em que bicicleta era apenas a bela e curvilínea bicicleta. Ou, carinhosamente, a magrela. Hoje é baique. “Sorry: bike”.