Pô, aquele cara veio me
pedir conselho! Logo pra mim? Trocentas mil pessoas na face da terra...! Santa
paciência. Nem santa... Dá pra você? Calma. Quis dizer: dá pra você entender um
troço desses? Disse que eu tinha muita experiência na área. Falou que eu era
antenado com meu tempo. Estranha essa palavra, né? Me remete a uma antena (nem
adianta; não direi remete-me), daquelas que são pregadas na TV e que vão aumentando
de tamanho à medida que você estica seus apêndices esguios. Das antigonas.
Sequer uma parabólica ou a cabo, de 329 canais, dos quais 319 em outras línguas
(mas que muita gente, monoglota, adora dizer que tem em casa). Seria mais
chique, mais moderno. Não sei você, mas não consigo gostar. Sacomé? Antenado...
Hummm. Chatice.
Voltando. Pois é, veio me
pedir! Não, não é mentira. Ora, bolas! Não abuse da minha humildade! Eu até
posso, num arroubo de modéstia — não importa se demagógica ou não —, me achar
desmerecedor do pleito do sujeito. Você não. Tá vendo como é que é? Basta ser
um pouco humilde, ou pelo menos fingir que se é, até pra si mesmo — e eu fui,
quando fiz a primeira exclamação da crônica, acima (releia, por favor, se não
se recorda) — que já vem você esculhambando, como se eu não fosse capaz de dar
um conselho. Hum! Tá certo! Você venceu. Sou não, mesmo.
Pôxa, acabo de constatar
que fui autenticamente humilde. Quando? Ai, lá vem você de novo. Preste mais
atenção! Concordo que não sou bom na escrita, mas não custa você ler com
cuidado. Mínimo, que seja. Lá, na primeira frase. Lembra? Comecei assim: Pô,
aquele cara veio me pedir conselho! Lembrou? Pois é. Num é que fui genuinamente
humilde? Por quê? Assim não dá. Porque eu concordei, cara-pálida, há pouco,
quando aquiesci: Tá certo! Você venceu. Sou não, mesmo. Lembrou?
Pôxa (de novo), agora
fiquei orgulhoso de minha humildade. Eita! Danou-se! Orgulhoso de minha
humildade? Então não fui humilde coisa nenhuma! Quem é humilde não sente
orgulho. Acho que não, pelo menos. Sei lá. Encasquetei com essa história de
humildade. Sou, ou não sou? Outra hora teorizarei, com as argúcia e
profundidade necessárias, acerca dessa transcendente questão. Noossa! Demais!
Que frase!
Voltando ao meu amigo, o
infeliz queria saber como fazer para... Por que infeliz? Ora, porque só alguém
nesse estado poderia pensar em me pedir um conselho. Epa! Peraí! Também não é
assim! Agora fui rude demais comigo. Releve. Apague esta parte. Risque. Ou
pule, quando for reler pra tentar entender. Sim, porque você vai reler. Tá
entendendo nada, mesmo. Ou então vai desistir de continuar. Tá vendo? Já tô com
a auto-estima baixa novamente. Achando que você não vai ler. Sacomé? Ai, Deus!
Sacomé, de novo! Claro que os leitores vão notar essa repetição desmesurada de
sacomé. É que fui eu que criei a tal. Vou, sim! Vou dizer que fui eu quem
criou, e pronto. A junção de sabe, mais como, mais é. Achei tão inteligente!
Moderno. Meio gíria, meio vanguarda. Vou contar: sempre invejei esses
escritores que fazem essas coisas com a língua. Os críticos acham genial. Aí
não resisti e escrevi sacomé de novo. Aliás, tenho escrito sempre.
Incorporou-se, já, ao meu parco vocabulário (outra falsa modéstia). Quem sabe
não acharão brilhante também? Como? Não fui eu quem criou? Nem lerão este
texto? Inveja!
Voltando, de novo. Queria
que o ajudasse, com minhas sábias ponderações e visão de mundo. Adjetivos dele.
Ele que disse. Juro! Retruquei. Insistiu. Tentei explicar-lhe que eu não era a
pessoa mais apropriada para orientá-lo. Procurasse um psicólogo, um médico, uma
vidente, um engenheiro, um escritor, seu pai, seu irmão imberbe, as almas do
outro mundo. Se virasse. Insistiu. Pensei em retrucar de novo...
Repetia, compulsivamente —
feito disco arranhado tocando na vitrola (long play; lembra, dinossauro?) — que
só eu poderia explicar-lhe como agir para... Ah, sabe do que mais? Mandei-o às
favas. Falei mesmo. Na lata. É, na cara. Tá louco?...
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Escrito
em ago.2006
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