terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Lençois brancos

Quando cheguei a pensar que não
E minh’alma negava-se a dizer sim
Tudo mudou
Sorri.

O ronco do liquidificador
O velho som da máquina de escrever
A música de Gil em altas horas
A melodia do nosso amor.

Cantar fez-se urgência
Dançar, conseqüência
A boemia, presença
A tristeza, ausência.

Amar e ser amado
Ser e fazer feliz
Obrigação com prazer
Você, eu e você

A respiração ouvida
O corpo imóvel
A paz e o desejo
Você, que dorme

Lençóis do amor
Lençóis de nós dois
Lençóis da paixão
Lençóis brancos.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Morrer para nascer

Entenda, peço-te. Não sei fazer poesia. Não sei de poema. Não entendo de estrofe, ritmo, metrificação... Perdoe-me. Mas amo. Amar é poesia? Se não, poema serve. Mas sinta o amor, pois é ele que afinal importa seja percebido, compreendido e, principalmente sentido. Mas precisa morrer, para que outro nasça.

É madrugada, agora. E preciso de um amor. Não de um qualquer. De um como o que sou capaz de sentir. Um que me faça bem. Sem o qual não se viva feliz, como já cantavam o poetinha e Tom. Amor pra se dizer segredos de liquidificador, como Cazuza. Amor que baste. Que sorria, gargalhe, goze, durma, viva. Amor que morra, pra continuar vivendo, feliz.

Entenda, peço-te. Não sei fazer poesia. Não sei de poema. Sei do que sinto. Do que possa sentir e fazer sentir. Do que possa cuidar. Sei quando amo, quando quero, espero, desejo e torço. Sei de mim. Sei que quis, o quanto quis, o que senti. Sei que tudo fiz, esperei, pedi. Só não sei de você. Ou sei.

É madrugada, agora. E eu ainda preciso de um amor. Do amor. Do bom amor. Que me traga tudo o que se espera de um amor assim bom. Que faça o coração bater forte. Que embriague, aqueça, açoite, anime, extasie, anoiteça, adormeça. Que traga confiança, segurança, respeito,... sossego. Sim, quero o sossego do amor previsível, alegre, dedicado, tranqüilo, mas voraz, inquieto e apaixonado. E que as pétalas que acaso caiam dos meus olhos, sejam quase sempre das flores que desabrocham felizes, e quase nunca do orvalho do sofrimento.

Entenda, peço-te. Não sei fazer poesia. Não sei de poema. Quero só amar e ser amado. Quero compreender, mas também ser compreendido. Um amor jogo de frescobol, não de tênis, como já ensinava Rubem. Um amor em que ambos ganhem e nenhum perca. Sempre. Um amor com paixão e compaixão. É amor que quero. É amor que sinto. E é assim que quero me sentir. E que o novo, e o novo haverá de vir, tal qual o amanhecer que não falta, bem-vindo será.
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Foto: http://eternaaprendiz.wordpress.com/2008/05/09/sindrome-do-coracao-partido/

domingo, 7 de novembro de 2010

"Eu procuro um amor", Frejat



Eu procuro um amor
Que ainda não encontrei
Diferente de todos que amei...

Nos seus olhos quero descobrir
Uma razão para viver
E as feridas dessa vida
Eu quero esquecer...

Pode ser que eu a encontre
Numa fila de cinema
Numa esquina
Ou numa mesa de bar...

Procuro um amor
Que seja bom prá mim
Vou procurar
Eu vou até o fim...

E eu vou tratá-la bem
Prá que ela não tenha medo
Quando começar a conhecer
Os meus segredos...

Hum! Hum! Huuuum!...

Eu procuro um amor
Uma razão para viver
E as feridas dessa vida
Eu quero esquecer...

Pode ser que eu gagueje
Sem saber o que falar
Mas eu disfarço
E não saio sem ela de lá...

Procuro um amor
Que seja bom prá mim
Vou procurar
Eu vou até o fim...

E eu vou tratá-la bem
Prá que ela não tenha medo
Quando começar a conhecer
Os meus segredos...

Hum! Hum! Huuuum!...
Hum! Hum! Huuuum!...

Procuro um amor
Que seja bom prá mim
Vou procurar
Eu vou até o fim...

Eu procuro um amor
Que seja bom prá mim
Vou procurar
Eu vou até o fim...

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

De madrugada

De madrugada, toda mulher é lua
Toda lua é a mulher amada
Toda mulher é linda
Toda beleza é mulher
Todo romance é amor
Todo amor é pra sempre
Tudo o que sinto é seu
Tudo o que é seu sou eu

De madrugada saio
Pra não encontrar comigo
De madrugada sorrio
Pra esquecer o lamento
De madrugada escrevo
Para estar contigo
De madrugada adormeço
Para com você sonhar

E ao amanhecer espero
Venha a próxima madrugada
E nela eu de novo me esconda
Nela de novo me socorra
Nela de novo aguarde
Um novo amanhecer
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Foto: http://www.joaquimevonio.com/espaco/ivone_zuppo/ivonezuppoatual.html

terça-feira, 2 de novembro de 2010

É isso aí

Ana Carolina e Seu Jorge




É isso aí!
Como a gente achou que ia ser
A vida tão simples é boa
Quase sempre
É isso aí!
Os passos vão pelas ruas
Ninguém reparou na lua
A vida sempre continua

Eu não sei parar de te olhar
Eu não sei parar de te olhar
Não vou parar de te olhar
Eu não me canso de olhar
Não sei parar
De te olhar

É isso aí!
Há quem acredite em milagres
Há quem cometa maldades
Há quem não saiba dizer a verdade

É isso aí!
Um vendedor de flores
Ensinar seus filhos a escolher seus amores

Eu não sei parar de te olhar
Não sei parar de te olhar
Não vou parar de te olhar
Eu não me canso de olhar
Não vou parar de te olhar

É isso aí!
Há quem acredite em milagres
Há quem cometa maldades
Há quem não saiba dizer a verdade

É isso aí!
Um vendedor de flores
Ensinar seus filhos a escolher seus amores

Eu não sei parar de te olhar
Eu Não sei parar de te olhar
Não vou parar de te olhar
Eu não me canso de olhar
Não vou parar de te olhar

terça-feira, 22 de junho de 2010

O número dois pode esperar

Vou chamá-lo número dois. Em atenção aos olhos mais sensíveis. E registro: não vou fazê-lo agora. Vestido e ocupado, escrevendo. Esperarei a hora e o lugar certos. Dá um imenso prazer fazê-lo. Você se sente feliz. O prazer se confunde com a felicidade. Mas fazê-lo, óbvio, com vontade. Nem antes, nem depois de satisfeita. E não quando quer (no meio daquela audiência), nem onde quer (nas calças). Controla-se a vontade, para fazê-lo na hora possível e lugar adequado. O prazer é retardado. Conscientemente. Mas você sabe que o fará. A espera é, assim, justificada. Você não vai fazê-lo quando não pode, ou não deve. Como eu, agora vestido e escrevendo. Retardá-lo, impõe-se. Salvo se ele estiver enlouquecido (às vezes pode ocorrer). Aí já era.

Outra: não se o faz ao se dizer que vai fazê-lo. É que ele já está feito, aguardando o sinal para ser expelido. Assim, ao invés de “fazer o número dois”, o certo seria dizer: pôr o nosso número dois pra fora (para não confundir com o dos outros, ou o do cachorro). Melhor ainda: pô-lo pra fora de nós, dentro do vaso sanitário. Melhor ainda do que o melhor ainda anterior: a gente vai dar à luz o nosso número dois. E esse “parto” — vamos chamar assim, com todo o respeito aos bebês recém-nascidos, que não se confundem com o número dois, embora também são seus frequentes produtores — nos dará prazer e nos deixará felizes. Você retarda o que o fará feliz, mas o faz.

Então, esperar pra ser feliz em casos como o de fazer o número dois vale a pena. O problema é quando a gente retarda injustificadamente outras coisas que devem ser feitas para se alcançar a felicidade (ou o prazer, como queiram). Por medo, por leniência, por acomodação, por burrice, por preconceitos, por falta de ousadia, por covardia, por preguiça, por dinheiro, por apego ao que não tem valor, ou por desapego ao que tem.

Não se justifica retardar indefinidamente o vestibular para o curso de mais difícil acesso e conclusão, em favor de um para cuja profissão não se é vocacionado; uma separação, para manter-se numa relação (amorosa, ou não) que você sabe só o deixará mais infeliz do que já está. Não se justifica retardar indefinidamente aquela viagem tão sonhada, aquela compra desejada, aquela rotina de exercícios físicos necessária e ainda não implementada. Não se justifica o medo de não se arriscar por medo de sofrer, olha só, por amor, como se o amor não fosse uma moeda de duas faces, onde ambas significam vida. Não se justifica abdicar do presente, por medo de não haver futuro. Não se justifica retardar o direito de viver, ser feliz e sentir prazer, porque outros (ou você mesmo) desejam que você morra.

Fazer o número dois pode aguardar. Viver, não.
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Também publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de domingo - 04/07/2010, pág. A4.

domingo, 9 de maio de 2010

Mãe

Queria porque queria escrever algo pra você, mãe. Mas você prefere não receber cartão porque invariavelmente se emociona, chora e o coração acaba sendo perigosamente exigido. E você tá pra lá de certa. Deixa quieto. Também não sei como escrever pra você sem parecer piegas. É tudo tão intenso, tão forte. Mas aí tive a idéia de escrever uma pequena crônica e postá-la no blog. Pronto. Resolvido. Você certamente nunca a lerá, simplesmente porque não acessa a internet. Assim, não se emociona. Afinal, o que os olhos não veem (ou leem) o coração não sente, não é mesmo?

Voltei à nossa casa faz pouco mais de 10 anos. Resultado: como os outros vividos em sua companhia, estes são sempre os melhores. Eu havia saído tão cedo, né, mãe? Os primeiros dezoito anos de vida são muito pouco. Talvez mais pro filho, porque só vai se entender gente lá pela adolescência, que por natureza é egoísta e “independente” dos pais. Assim, durante aquela fase pouco os curte. Voltar depois de tanto tempo foi um presente divino. O caminho até a volta foi meio tortuoso, é fato, mas não se diz (e é verdade) que Deus escreve certo por linhas tortas?

Sabe, mãe, vou te dar um retorno que somente filhos podem dar. Conheço a mãe de muita gente, de muitos amigos e amigas. Conheço um tanto de mãe, mãe. Mas nenhuma, nenhuma é mais mãe do que você. Podem até existir mães iguais a você — e certamente há muitas, porque Deus, na sua infinita bondade, não seria bom somente pra mim, claro —, mas melhor do que você, apostaria a minha vida: não há.

Todos os dias, todos os dias, mãe, agradeço a Ele por ter você e meu pai comigo. Acho até que quando a encontro aqui em casa, quando invariavelmente entro no seu quarto ao acordar, para vê-la, ou quando tomamos café da manhã juntos, ou quando chego à noitinha e você está na sua cadeira preferida vendo TV, ou fazendo suas palavras cruzadas de letras enormes (melhor para enxergar), ou rezando seu terço diário, ou me dizendo um vá com Deus quando saio, quando me abraça em silêncio, ou quando me diz um “te amo”, baixinho, no meu ouvido, acho até que em todas essas vezes eu agradeço a Deus por você, mãe.

É..., não dá pra descrever o que sinto. É mesmo difícil falar de você sem ter vontade de chorar, sem constatar o quanto sou feliz, o quanto sou abençoado, o quanto tenho de continuar agradecendo a você e a Ele. Agradecer. Agradecer. Agradecer. E agradecer. Você não é uma mãe, mãe. Você é “a” mãe. E ainda bem que “a” mãe é, justamente, a minha mãe.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Razão ou coração?

Quando a gente para pra pensar de logo percebe a força “natural” do coração. Aliás, natural está entre aspas porque, inerente ao ser humano a razão, também natural o é. E digo coração, não emoção, porque quero ressaltar aquela que se sente quando se está apaixonado, que popularmente falando me soa mais adequado.

Mas embora naturais sejam ambos, o coração é como que mais próximo da gente, mais próximo do animal que, afinal, somos. O coração é instinto. A razão? É intelecto. É o coração que mais naturalmente nos move, ou tenta nos mover. E dificilmente a razão consegue imprimir esse movimento, quando o coração não o quer, sem parecer antinatural.

No carro das paixões, a verdade é que o coração é o acelerador, enquanto a razão, o freio. Parafraseando Arnaldo Jabor, a razão seria prosa; o coração, poesia. Ou Rita Lee: este, sexo; aquele, amor.

Apaixone-se pela mulher “errada”! O coração diz: quero. E vai com tudo. A razão: caia fora. E tenta freá-lo. O coração instintivamente vê-se dominado. A razão tenta livrá-lo daquela, para ela, equivocada escolha. O coração te acelera; a razão tenta frear-te. Normalmente, e isto é o mais chato — mas a nossa sorte —, a razão é que está certa. Aliás, a razão é uma chata. É como aquele amigo que te puxa as orelhas, tenta abrir-te os olhos para o perigo. Você o detesta, na hora; mas se ouvi-lo, agradece-o, depois.

Tente apaixonar-se pela mulher certa! A razão diz: vá. Ótimas qualidades. O coração,... nem tchum. Tá nem aí. Você pode até tentar atendê-la, seguir suas recomendações, mas o coração permanecerá independentemente forte na sua indiferença, às vezes até no seu desprezo. A razão abdica do freio, para tentar tornar-se acelerador. O coração simplesmente não acelera, servindo-te, aí, de freio. A razão pode até vencer, mas você jamais se sentirá vitorioso. Nessas horas, a razão, embora na sua habitual frieza possa estar certa, permanece incompetente face ao coração. O coração é independente e livre. A razão limita o exercício dessa liberdade. Ou tenta.

O coração, embora mais próximo nos pareça, pode ser traiçoeiro, justamente porque desafeiçoado de razão em suas escolhas... Pode te fazer entrar numa "barca furada". E aí, amigo,... reze. Se você não atendeu à razão, ou se esta adormecera,... reze. E tente, ainda que vítima do naufrágio anunciado, ainda que se sentindo um Robinson Crusoé da paixão, atender à razão. Tardiamente que seja. Afinal, nunca é tarde demais.
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Também enviado à publicação no jornal Gazeta de Alagoas e postado no sítio www.talentos.wiki.br

terça-feira, 6 de abril de 2010

Algumas palavras sobre... ela!

Dá medo só de falar. Escrever, então... Não tanto dela, em si. Da palavra. Ouço Billie Holiday enquanto escrevo. Já morreu. Olho ao redor e vejo Jesus, Nossa Senhora (e as suas várias designações: de Fátima, Desatadora dos Nós e da Aparecida), Santo Expedito, São Judas Tadeu e Santa Catarina, imagens que tenho no meu pequeno “santuário”. Também já morreram, e há muito tempo. A revista ao meu lado está aberta na página de uma reportagem sobre o genial cronista Armando Nogueira, morto recentemente. A morte está sempre por perto, como que não nos deixando esquecê-la.

Fantástica essa história de vida após a morte. Acredito mais do que desacredito. Dúvidas demais tenho. Sempre desejei manter contato com meus avós. Fiquei na vontade. Eles nem tchum pra mim. Também nunca fiz nada pra isto. De certo modo, acho que tomaria um baita dum susto se me aparecessem aqui no quarto. Principalmente à noite, como agora. Hum,... melhor mudar de vertente.

Tenho muito medo de que meus filhos se vão antes de mim. E também tenho o mesmo medo quanto aos meus pais. Assim, ou quero ir antes deles, ou não quero que eles vão sem mim, ou simplesmente não quero que morramos. Nunca. É aí que concluo que a morte só atemoriza quando pode virar pra quem a gente ama. E só é tão ruim porque não sabemos se vamos nos encontrar depois, todos já mortinhos, e se lá é bom, pelo menos igual aqui. Aí vem esse medo e essa sensação terrível de separação eterna. Isto é o que lasca tudo. Se a gente soubesse que iria se encontrar depois (de certeza!), a dor da morte seria muito menor. Algo assim como uma longa viagem: você sabe que se tudo correr bem deverá reencontrar o viajante. E como lá não teria morte, porque já estaríamos mortos, o reencontro seria certo.

E os animais? Pra onde vão quando morrem? Sim, porque os animais têm alma, estou certo. Será que vou me encontrar com a Kika, quando morrermos? Será que lá se dorme, e de manhã ela vai permanecer toda respeitosa em sua casinha feita de nuvem, por saber que quando acordo não gosto de latido, nem de pulos de alegria em minhas pernas, com o rabinho balançando por me ver? (Calma, leitor, quando volto do trabalho ela tem permissão pra me saudar efusivamente) Eita! Será que vou ver o Hippie? Esteve comigo uns bons anos. Não ligava a mínima pra ele, mas do meu jeito o amava. Só quando estava doente é que eu me dignava a dar-lhe bolachas mimosa na boca. E se ele já reencarnou? E se a Kika é o Hippie reencarnado? Vou prestar bem atenção d’agora em diante.
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Também postada no sítio Talentos - prosa e poesia
Enviada à publicação no jornal Gazeta de Alagoas
Foto:
http://seculoxiv.files.wordpress.com/2009/04/morte.jpg

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Dr. Dirceu Falcão: uma lembrança

A Marlena, minha ex-professora (eterna professora é mais verdadeiro) de Direito Comercial da UFAL — bem, eu a chamo assim, por Marlena mesmo — veio nos brindar (a meus pais, a mim, enfim, a esse ramo de nossa família), dia desses, com um conjunto de três belos livros (memoriais) sobre a vida e obra do nosso querido parente falecido (irmão dela), Dirceu Falcão, o Dr. Dirceu, médico respeitado e venerado mundo afora, justamente homenageado pelo Município de Maceió não faz muitos dias.

A crônica é singela. Não está, naturalmente, à altura daquele alagoano de escol, mas vai assim mesmo. Como Dr. Dirceu não era homem de mais-mais-mais certamente não estará nem aí para o pouco ortodoxo tema que desenvolverei. Com sorte até talvez do fato se recorde e, assim, divirta-se um pouco, enquanto a todos de lá de cima vê e por todos zela. Do mesmo modo que um dos livros veio recordar-me de que Dr. Dirceu era azulino (torcedor do CSA).

Pois bem, voltando ao caso que me dispus a contar, tinha eu meus vinte e poucos anos, quando vim do Recife, onde estudava Direito, para fazer uma pequena cirurgia no..., digamos, pinto (Eita! Mamãe vai odiar essa história de pinto). Excesso de pele (fimose) entende? “Pronto, mãe, já disse, e em plena crônica. Esquenta não, daqui a pouco ninguém nem se lembra mais dela. E não vou entrar em maiores, nem menores, detalhes. Juro!”

Pois bem, dizia eu que vim operar o velho (maneira de dizer) e fidelíssimo amigo com ninguém menos que o Dr. Dirceu. Ele que já tinha feito, salvo engano, ao menos uma ou duas intervenções jurídicas em minha mãe, cirurgião gabaritadíssimo. Sua clínica era na Pajuçara. Cheguei, meio tenso, mas tudo correu bem durante a cirurgia, felizmente.

Realizado o curativo no dito cujo, com gaze e esparadrapo, fiquei de retornar à clínica no dia seguinte (acho) para fazer um novo. Isto se repetiria mais uma ou duas vezes; a memória me falha. Ocorre que o primeiro problema residiu justamente aí. A desgraçada da gaze havia grudado numa pequena parte da incisão. Meu caro leitor, pense! pense na dor! Foi horrível, insuportável! Eu gritava, gritava a não mais poder. Barulho da peste, os meus gritos ecoando pela clínica. E Dr. Dirceu dizia: “Calma, rapaz! Calma! Mas que bicho frouxo!” “Frouxo porque não é no senhor”, balbuciava atrevido, com lágrimas nos olhos, enquanto ele sorria, mangando de mim, mas um pouco surpreso com meu, para ele(!), exagero.

De volta ao Recife — não podia ficar perdendo aula —, mais sofrimento. A tal da partezinha onde a danada da gaze grudara teimava em não cicratizar. Eu ia pra Faculdade com a calça mais folgada (jeans, nem pensar) e sem cueca. Mais: onde havia os pontos — não lembro se já tinham sido tirados, ou caídos naturalmente; creio que não — eu cobria, abundantemente, com pomada anestésica. Um suplício! Nem queira imaginar! Andando pela Faculdade de pernas abertas, para evitar o bate-bate, e com a calça melada de pomada (os livros naturalmente carregados meio na frente, pra disfarçar). Os caras zoando comigo. E à noite eu ligava pra Maceió: “Mãe, esse troço não fica bom! Continua incomodando! Dr. Dirceu deve ter errado em alguma coisa” (haja atrevimento, hein?). “Calma, meu filho! Que errou nada! Você está é preocupado. Venha pra Maceió no próximo fim de semana pra conversar com ele.” E fui.

Abatido, estressado, barba por fazer, lá fui eu à clínica num sábado pela manhã. Dr. Dirceu pediu para conversar a sós comigo. Ouviu-me e começou a me dar conselhos; nada ortodoxos, certamente, mas você pode imaginar, se lembrar-se onde se dera a cirurgia. Além de alguns impublicáveis — que expressamente me recomendou adotasse já naquele sábado, mais tardar segunda-feira —, disse-me pra que eu fosse tomar banho de mar, não sem antes barbear-me. Só do papo com ele já saí de lá outro. Alegre, disposto, confiante, tranquilizado, animado. Fui imediatamente cumprir suas recomendações. Afinal, prescrições médicas a gente tem que seguir religiosamente, não é mesmo?

Assim, já em casa, tomei um banho, barbeei-me, vesti o calção (homem usa calção; short é de mulher) mais folgado que encontrei e fui à praia do Francês com um amigo. O mar estava convidativo e eu sabia que teria que banhar-me. Então fui entrando n’água. Devagar, molhando de pouquinho, até que mergulhei de cabeça. Meu irmão, passados alguns segundos,... que dor da pega! O danado do sal do mar castigou meu bichinho dodói com vontade! O troço ardia demais da conta! E pra disfarçar a dor, sabido que a praia estava cheia de gente? Pense na agonia... Mas enfrentei bravamente a empreitada, ainda que trincando os dentes.

Pois foi um santo remédio! Não se passou meia hora estava eu tinindo de bom, quase sem sentir mais nada, feliz feito pinto n’água (sem trocadilho). Passei o resto da tarde no Francês, já imaginando, todo serelepe, as providências a adotar para cumprir as demais recomendações do agora novamente querido, sábio, gente boa, fantástico, competentíssimo Dr. Dirceu.

No dia seguinte meu melhor amigo já estava praticamente sarado! E então pude fazer o teste final, completando o receituário que me passou, no qual passei sem maiores problemas, pra minha felicidade. E claro que esta foi a melhor parte de suas prescrições. E o que eu faria sem elas?

Ah! Bendita água salgada do mar! Bendito Dr. Dirceu! Só não entendo uma coisa: como é que ele foi torcer logo pelo CSA? Um cara tão inteligente... Isto, sim, é imperdoável.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Vício?

Outro dia ouvi um conhecido comentar comigo e com um amigo meu que seu time do coração era como um vício. O CRB acabara de jogar mal a partida anterior, e lá estava ele na Pajuçara para acompanhá-lo em mais uma disputa. Externara, então, o desejo de que houvesse um remédio que o curasse desse vício de gostar de futebol, e ele se esqueceria de tudo o que a esse esporte se relacionasse, notadamente do Regatas, claro. Haja sofrimento, reclamava.

Pois o CRB fez uma péssima partida. Fez, então, na verdade, sua pior partida de todo o campeonato alagoano. Perdera, e perdera jogando muito mal. E em sua casa. No caminho pra casa meu amigo então lembrou o que dissera aquele conhecido comum, fazendo suas as palavras dele. Da boca pra fora, sou capaz de apostar. No fim das contas, um desabafo de ambos, tenho a certeza. Mas...

Fiquei depois refletindo sobre o que disseram aqueles dois companheiros de infortúnio, embora decorrente, o desalento, da queda quase vertiginosa que vinha sofrendo o Galo na competição. E me perguntei se eu também gostaria de encontrar uma droga que me fizesse deixar de lado o CRB e o futebol.

Pus-me então a imaginar a minha vida sem ele. Comecei a analisar se era um vício o meu sentimento para com aquele clube e suas cores vermelha e branca. E se vício era, seria claro pra mim que deveria dele me curar, porque todo vício é, por princípio, algo ruim. Felizmente não precisei ir longe em minhas divagações. Seja porque, concluí, de vício não se trata, seja porque se vício fosse faltaria tratamento para a cura. Assim, até por isto, melhor não o seja.

Na verdade, a minha vida sem o CRB, constatei com facilidade, apresentaria um vácuo tão grande que não poderia ser preenchido por nada, muito menos por qualquer outro esporte, e menos ainda por outro clube de futebol. Sem querer parecer piegas, o espaço que a ausência do CRB deixaria na minha vida seria para sempre vazio. As alegrias e tristezas decorrentes dos momentos vividos em sua companhia seriam para sempre lembradas e nostalgicamente desejadas. Não porque as tristezas sejam algo agradável. Mas porque quando se está com algo ou alguém a quem se ama não se deseja compartilhar apenas os momentos de alegria, mas também os de tristeza. Ainda que se trate de um clube de futebol. E aí constatei que não é vício o que sinto. É amor.
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Também postada no sítio
Futebolalagoano.com

domingo, 28 de março de 2010

Quando você é seu próprio algoz

Você vê alguém. Pode ser numa balada, no supermercado, num jogo de futebol — vocês torcendo pelo mesmo time, ou não. Pode ser em sala de aula, no trânsito, num barzinho. Pode ser por uma foto no MSN, no Orkut, num sítio na internet... Você pode ter visto hoje, num dia qualquer, distante, e ter revisto. Não importa quando. Não importa onde. Você vê alguém. E a diferença de outras visões de outras pessoas mundo e vida afora é que você se sente de algum modo atraído por essa visão. Visão verdadeira. Não é miragem. Atração física. Uma espécie de magnetismo que a puxa pra você, e vice-versa.

Aí você se aproxima, ou ela se aproxima, ou ambos se aproximam ao mesmo tempo. Também não importa. E vocês de algum modo se apresentam. Ou dizendo um “oi”, seguido de uma conversa qualquer; ou já entabulando um beijo no melhor estilo “clássicos do cinema” (Imaginou? Hoje em dia isto é perfeitamente comum, mas não me arriscaria a dizer natural).

Aí vocês conversam e se beijam e conversam e se beijam e transam (ou, se preferir, leitor, fazem amor). Não necessariamente nessa ordem. Não necessariamente no mesmo dia, nem na mesma semana, nem no mesmo mês — hum,... acho que quase sempre pelo menos no mesmo mês, né? Também podem não conversar. Ficam “somente” no beijo e na transa. Aquela — a conversa — pode vir depois; ou bem depois. Aí vocês se apresentam, dizem seus nomes, quando lhes pareça conveniente a apresentação. Antes, durante, depois do beijo, do oi, da transa. Também não importa.

Bom, “ficaram”. Ficaram juntos. E continuam a “ficar”. “Ficar”, para os que são de outro país ou de outro planeta e nunca ouviram falar no fenômeno, significa beijar, conversar, transar, não necessariamente nessa ordem, e não necessariamente os três juntos. Vocês ainda não estão namorando. Estão “ficando”. Agora, começam a se conhecer melhor. Já aconteceu, ou não aconteceu ainda, a tríade (conversa, beijo, transa), mas agora vocês vão se conhecer um pouco mais, já que a atração de certo modo resistiu à conversa, aos beijos, à(s) transa(s). Pode parecer estranho — até a algum tempo eu achava —, mas é assim. Quase sempre é assim. E não necessariamente nessa ordem, já disse.

Aí vocês “ficam” uma vez, duas, três, quatro... Mas a atração inicial que provocou aquela conversa, aquele beijo, aquela transa, vai diminuindo num dos lados da dupla, devagar ou rapidamente, até findar, ou quase. Não é matemática. E aquele lado não previu ou desejou aquilo. Mas o encanto, por alguma razão — ou por razão nenhuma —, vai virando desencanto. Aquele lado passa a não sentir mais vontade, ou a mesma vontade, de conversar, de beijar, de transar... De “ficar”. O outro não vê, ou não quer ver. Porque se encantou mais, ou quis mais, ou desejou mais. E assim quer continuar. E as palavras daquele lado desencantado rareiam, a vontade se esvai,... e o silêncio se posta. Irremediável, natural e claramente, como só o silêncio consegue ser, ou fazer. O outro, porém, ao estágio seguinte desejava passar. E, frustrado, às vezes demoniza aquele; quem, para ele, destruiu seu incipiente castelo.

Mas não se constrói castelos sem um bom alicerce, que somente o tempo confere. Castelo sem alicerce é ilusão. Rui sem precisar de vento, de chuva, de nada. Rui. Simplesmente. E o fantástico da ilusão é que você pode iludir-se a si mesmo. E aí você é o seu próprio algoz.
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domingo, 14 de março de 2010

Um dia a gente ainda aprende...

Que sorrir é legal.
Que cumprimentar com um sorriso faz bem à alma.
Que o bom é ser leve e tratar as coisas com leveza.
Que amar é o maior barato, e o único barato que não custa nada, mas que vale o máximo.
Que ser leal faz bem ao coração.
Que trair com palavras ou em pensamento é trair.
Que a vida é mais, muito mais do que aquilo a que a reduzimos.
Que viver não é simples, mas é bom.
Que ter autocontrole nos diz que na nossa vida é a gente quem manda.
Que à frente de duas ou mais escolhas a fazer, a mais difícil é normalmente a certa.
Que nossos pais são as pessoas mais importantes de nossa vida, independentemente do que sejam pra gente, simplesmente porque nos deram nosso bem mais precioso, nossa vida.
Que nossos filhos são nosso fruto mais precioso, porque nós lhes demos o bem mais precioso que eles têm, a vida.
Que o legal é honesto, e primeiro, de cara, conosco mesmos.
Que fila é pra ser seguida logo atrás do último que esteja a formá-la.
Que a gente é babaca, otário, ignorante, pobre e cruel (principalmente cruel) quando tem qualquer preconceito, inclusive contra quem tem a pele escura ou é financeiramente pobre.
Que ser orgulhoso, prepotente, presunçoso é nossa maior ilusão, já que irremediavelmente morreremos, e ficaremos velhos e, para muitos, feios, isto se não morrermos antes.
Que o maior prazer da vida é justamente o que resulta da consciência de se estar vivo.
Que namorar deve ser para toda a vida.
Que ir à balada é um estado de espírito, não de idade.
Que a vida é pra ser vivida com paixão.
Que ter mais ou menos experiência na vida não significa ser mais ou menos maduro.
Que a única correspondência entre idade e maturidade está no “dade”.
Que a maturidade deve (talvez) estar no espírito (na alma), que nunca morre (re-encarna), e que (talvez) por isto haja jovens maduros e velhos infantis.
Que não se ensina a amar, mas se aprende.
Que há amores e amores, amigos e amigos: tudo é relativo.
Que homem e mulher são naturalmente (por natureza) muito diferentes; e ser assim tem uma lógica divina, logo natural.
Que desejar a fidelidade do outro é tão natural quanto a propensão à infidelidade de ambos; assim, entre ser fiel ou infiel, melhor ficar com a primeira: é mais nobre e é o que você deseja seja o outro a você.
Que quando a gente sente incômodo pelo sucesso dos outros a gente está sendo invejoso.
Que quando a gente não sente admiração pelo sucesso de um amigo a gente está sendo invejoso.
Que a ausência de bons princípios é como o deserto: o único oásis que se encontra é miragem.
Que democracia não é apenas a garantia da liberdade de dizer o que se quer, mas de ter a oportunidade de ler e ouvir o que a ditadura da mídia grande não diz.
Que a auto-estima deve ser ensinada, ou perseguida; e quando aprendida, ou encontrada, deve ser pra sempre cultuada.
Que quando a gente dá mais valor ao que é dos outros é a auto-estima que se perde.
Que a nossa história é a parte mais importante de nossa raiz.
Que o futebol é um esporte diferente, porque desperta paixão mais do que os outros.
Que não é porque o seu time de futebol do coração é circunstancial e injustamente mais pobre e naturalmente menos bem sucedido do que aquele, que lhe é rival, que você vai trocá-lo por este, ou dividir com ele o seu coração.
Que ter paz deve ser mais importante do que ter saúde, porque sem saúde é possível ter paz, mas sem paz a gente adoece.
Que a paz, a felicidade, o bom-humor só podem ser buscados dentro da gente.
Que nada se compara a ter Deus no coração; e tampouco se explica.
Que envelhecer com os pais vivos e ver os filhos envelhecendo são as maiores dádivas e os maiores prazeres que se pode desfrutar nessa vida.
Que amar e ser amado por alguém é um privilégio que de tão grande não pode ser medido.
Que ter no mínimo um amigo verdadeiro é o máximo.
Que amizade verdadeira é um amor que nunca vai acabar.
Que ter um amor amigo é o “cúmulo” da graça de Deus.
Que o melhor amigo é aquele que está por perto, não necessariamente de corpo, mas de alma.
Que cada mágoa sofrida e não guardada é ótimo remédio contra doenças.
Que a gente tem que agradecer a Deus, todos os dias, pelo que a gente é e tem.
Que Deus está em todos os lugares, inclusive dentro de você.
Que não somos melhores (nem piores) nem maiores (nem menores) do que ninguém.
Que ter uma boa aparência física é um presente, sim.
Que cultuar a aparência física é uma enorme ilusão.
Que ir a um estádio de futebol, a uma hora feliz (happy hour), a um cinema ou teatro, à praia, a um barzinho jogar conversa fora é bom demais da conta.
Que comer deve ser devagar, porque para o prazer não pode haver pressa.
Que ficar em casa fazendo nada, ou alguma coisa que se queira, pode ser muito prazeroso.
Que ler é viajar pra lugares impossíveis, sem mover um centímetro pra isto, e aprender muitíssimo da vida, sem precisar de professor ou de escola.
Que para ter prazer na indisciplina é preciso ser disciplinado.
Que esteja a gente onde e com quem estiver, não pode deixar de estar com a gente.
Que contemplar a natureza é calmante e traz bem-estar.
Que ser feliz e ajudar os outros a serem é a nossa única e verdadeira missão nesta vida.
Que receber (e merecer) um elogio verdadeiro faz um bem danado.
Que receber (e merecer) uma crítica sincera e desinteressada ajuda a crescer.
Que não há nada de mal em sentir-se e ficar triste com algo triste, ou em sofrer com algo que faz sofrer; o que faz mal é viver em estado de tristeza ou sofrimento.
Que é preciso saber a hora de começar, de recomeçar (se o caso), e de parar; e se a hora de parar chegou, ou passou,... Pare. Parei.
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Tb postada no sítio http://www.talentos.wiki.br/


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A saia e a bicicletinha

Era pra ser uma crônica apenas alegre. Até porque os fãs da harmônica canção transformaram um lamento, um lamento profundo, digno, verdadeiro, dolorido, romântico (principalmente), e justo(!), em motivo para festa, gracejos, trejeitos rebolativos provocativamente sensuais — quiçá até vulgares, para os mais empedernidos e moralistas — e razoável desvirtuamento da mensagem originariamente elaborada, notadamente de sua essência. Assim, nesse norte transformativo que culminou por se operar, a crônica deveria, por igual, ter um quê, também, de molejo, de coreografia maliciosa, de êxtase, de regozijo, de excitação, de carnaval.

Não posso, entretanto, enfatizar o rumo que o próprio e festivo público lhe deu — embora destinatário maior do verdadeiro protesto musical de que trato —, para fazer ouvidos moucos ao grito de dor, de irresignação, de agonia, de angústia, de quase desespero que é alardeado, cantado e em coro repetido pelos irresignados artistas criadores da composição que mais talvez tenha sido reproduzida em nosso carnaval. Não há, ali, apenas uma música. Há um brado de revolta e tristeza, um autêntico manifesto, uma declaração de amor, brilhantemente metafórica, por vezes. Uma canção genial.

Duvida? Pois continue a empreitada iniciada, amigo leitor, e analise se a razão está, ou não, comigo.

Pois bem, o que acontece é que a moça, inspiração ao artista que compôs a inteligentíssima música-manifesto (ele próprio o afirma, sem tirar nem pôr,ou melhor, de preferência tirando), sai de saia, e de bicicletinha (donde se presume, pelo diminutivo empregado, não é muito alta a garota, pois a bicicleta seria daqueles modelos de menor tamanho, ou então ela, ou o autor, nutre certa afeição pelo indigitado veículo de duas rodas, e aí o diminutivo seria uma forma de tratá-lo carinhosamente), mas, voltando ao que dizia, alude à uma peculiaridade presente no ato: é que uma mão vai no guidom e a outra tapando a calcinha. Vale dizer, conclusão primeira a que se chega: ela está a guiar a bicicleta, ou bicicletinha, como prefere, com apenas uma das mãos! Nessa premissa, já adianto, está o móvel de toda a belíssima composição. E o autor não demora a assim demonstrar. Observe:

Imediatamente após registrar que a moçoila está a guiar a bicicleta com apenas uma das mãos, já que a outra estaria tapando sua indumentária íntima, ele, demonstrando escancarada aflição, explicita-a: dá um arrepio quando ela sai pedalando, mas tem uma mão na frente que tá sempre atrapalhando, acho que ela tem medo do piriquito voar, por isso que ela não para de tampar.

Ora, além da explícita apreensão do compositor escancarar imenso afeto que deve nutrir pela rapariga — rapariga de Portugal, por favor, não a nordestina —, resulta induvidosa, até por isto, a carga de adrenalina produzida por e em seu apaixonado ser, resultante do receio, facilmente perceptível, de que venha a machucar-se a sua amada, força do pudico gesto de tapar sua misteriosa calcinha, como de segredo, aliás, deve estar mesmo protegida a cor de vestimentas que tais em circunstâncias assim. Nesse momento da composição, em que o romantismo faz-se marcante, não se pode deixar de ressaltar o cunho ecológico-metafórico emprestado pelo artista à tão poética quanto aflitiva circunstância que narra, fazendo alusão ao receio de que voe o periquito que estaria a moça a proteger com a mão que pudicamente tapava sua calcinha (periquito com “i”, conforme adotou e, ora, não tem nada demais: os grandes escritores o fazem). Um primor de construção literária.

Pois bem, dados os contornos do fato objeto de sua irresignação (a imprudente maneira da moça de guiar a bicicleta), e o receio incontido de que venha a machucar-se por essa renitência movida pelo pudor, e sem mais a suportar o sofrimento que o acomete, ele roga, em alto e bom som, secundado pelo coro que repete suas palavras, como que para ajudá-lo a ser ouvido pela imprudente menina: eu não aguento mais essa situação, vamos liberar geral, vamos tirar essa mão! E pede, quase a exigir: bota a saia e vem pra rua, na sua bicicletinha, eu quero ver a cor da sua calcinha(!), querendo naturalmente dizer à moça que ela pode, sim, andar pela rua de saia em sua bicicletinha, mas que o faça com segurança, com as duas mãos no guidão, nada importando, em nome do cuidado consigo mesmo, que apareça a cor de sua protegida indumentária, antes até instigando-a a deixá-la à mostra, para protegê-la de um acidente.

E é esse o mais emocionante momento da rica composição: o autor, em nome do amor que nutre pela moçoila — amor que vence, assim, o ciúme que o acomete, de que outros olhos possam desvendar o segrego tão intransigentemente guardado (a cor da calcinha da amada) —, não só abre mão de que ela proteja sua indumentária, como metaforicamente alardeia que quer vê-la e à sua cor, querendo na verdade dizer: esqueça-se disso! Dane-se o pudor! Escafeda-se o moralismo tolo! Que apareça sua calcinha! Raios partam meu ciúme de macho ofendido! Desvende-se-a aos olhos gulosos de outrem a sua cor! Que assim o seja, se queres tanto andar de bicicletinha em vestimenta inadequada à prática do ciclismo,... mas por favor, proteja-se guiando a bicicletinha com ambas as mãos!

Emocionei-me: seja pelo brado molhado em lágrimas do genial compositor, seja pela importância que essa canção ocupará na história de nossa música, seja pela valorização da mulher que lhe é ínsita, seja pelo enriquecimento cultural proporcionado a cada brasileiro, seja, principalmente, pela declaração de amor que desborda de cada palavra que genialmente a constrói e a transforma em verdadeira obra de arte. Clapt-clapt-clapt! Bravo!
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Tb publicada no Caderno SABER do jornal Gazeta de Alagoas, de 06/03/2010, e na revista da Assoc. Nac. dos Advogados da CAIXA - ADVOCEF
Foto: Editada a partir de www.fotosearch.com.br/UNN831/u21542598/

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Agradecimento à Academia

Meados de dezembro próximo passado. Enorme a emoção vivida. Não que me julgue merecedor da homenagem. E talvez por isto não me tenha antes dignado a escrever sobre ela. Ou por outra: não fiz por onde dar-lhe publicidade, o que invariavelmente acontece se você se dispõe a registrá-la numa crônica, como a que ora vou alinhavando, finalmente vencida a resistência em mim construída a fazê-lo. Mas que me emocionei, gostei, alegrei-me,... é claro. Não vou mentir.

Fora convidado àquela reunião. Ali, naquele 15 de dezembro de 2009 seria promovido tradicional jantar de confraternização natalina, a entrega de algumas comendas a importantes figuras do nosso estado e, principalmente, seria dada posse aos novéis acadêmicos. Por mim induvidosamente reconhecido, e de resto por toda Alagoas, o valor daquela instituição, de seus membros e, destacadamente, de seu genial e incansável presidente, não me furtei a prestigiá-los atendendo o convite formulado. Movimento que, aliás, sempre fiz com inegáveis satisfação e regozijo.

Conferidos os cumprimentos aos valorosos escritores e seus parentes lá presentes ou por chegar, eis que dá-se início ao misto de solenidade e confraternização, como sempre em clima de entusiasmo, simpatia, acolhimento, admiração, respeito ...e festa. E é nesse encontro agradável e enriquecedor que sou surpreendido com a aclamação do nome deste neófito escriba — em verdade muito mais um escrevedor do que um escritor, atributo este último que outrossim não me atrevo a conferir-me.

Com efeito, aquela quase sexagenária instituição, digna de todos os encômios e aplausos que lhe possam tributar a sociedade alagoana, vem naquela aprazível e divertida noite por conferir-me a honraria, tão imensa e valorosa quanto imerecida e surpreendente. Confesso que mal acreditei quando ouvi soar o meu nome seguido do convite para dirigir-me à mesa a fim de receber o diploma de Acadêmico Honorário da Academia Maceioense de Letras. Era verdade, porém. Assim, obedeci ao chamamento, mas não sem olvidar de anotar ao ilustre Presidente da Casa, baixinho em seu ouvido, e em tom de afetuoso protesto, que na minha idade as emoções são muito perigosas ao coração, pois que vindo este a enfartar-se não confere ao seu dono uma segunda chance.

À briosa Academia Maceioense de Letras, pois, meu muito obrigado, agora público, por generosamente me acolher com a concessão de tão imensurável honra. Ao querido Presidente, meu mais fraterno abraço.
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* Também publicada no jornal GAZETA DE ALAGOAS, de 11/02/2010, p. A4

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O Poço de Cornelinho

O Poço de Cornelinho tem Trincheiras.
O Poço de Cornelinho tem calor, e calor humano.
O Poço de Cornelinho tem suor.
O Poço de Cornelinho tem noite fria, e tem brisa (quase) gelada.
O Poço de Cornelinho tem (até) chuva.
O Poço de Cornelinho tem gia, sapo cururu,... e mosca, muita mosca.
O Poço de Cornelinho tem simplicidade.
O Poço de Cornelinho tem política, e tem politicagem.
O Poço de Cornelinho tem churrasco de carneiro, galinha velha de capoeira, buchada e doce de caju.
O Poço de Cornelinho tem festa,... e farra, muita farra.
O Poço de Cornelinho tem cerveja gelada, e cachaça, e uísque.
O Poço de Cornelinho tem sanfoneiro, tem violeiro, tem repentista, tem forrozeiro.
O Poço de Cornelinho tem gente.
O Poço de Cornelinho tem mulher bonita.
O Poço de Cornelinho tem a cara do interior alagoano.
O Poço de Cornelinho tem os amigos de lá, de Cornelinho.
O Poço de Cornelinho tem, na Festa de Reis, os amigos de cá, de Cornelinho.
O Poço de Cornelinho tem a hospitalidade de Cornelinho.
O Poço de Cornelinho tem a (Dona) Sara, sua esposa, e cuidadora.
O Poço de Cornelinho tem Cornelinho.
O Poço das Trincheiras é Cornelinho.