terça-feira, 22 de novembro de 2016

Em carnaval também se ama

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Pense numa menina linda! Era um pitéu, um filé, uma gata, uma coisa, uma..., sei lá, a mulher era demais, me’irmão! Falando sério. Sem exagero. A rainha daquela empresa em Maceió. E a circunscrição do seu reinado é porque era aqui nascida e aqui trabalhava. Mas disputaria esse título nobiliárquico natural em qualquer lugar deste País, quiçá do mundo. Ôxe, poderia dizer, até, do universo! Duvido alienígena mais bonita. Descomedimento, não! Juro! Mas me vou abster de descrevê-la. Cada um de vocês — caro leitor ou leitora que se esteja prestando a ler o que narro — que imagine alguém que pudesse provocar esse estupor de admiração estética que acabo de alardear. Certamente, não estarão longe do desenho harmônico que a compreendia.

Mas, como nem tudo é perfeito..., era chata. E, aí, vou fazer o mesmo apelo dantes: pense numa menina chatinha! Metida, a figura. Há quem entenda sua beleza justifique assim fosse. Mas não para Sandoval. Sei, sei que o nome do cabra, por sua vez, é meio feinho, mas o sujeito era tido como bonitão. Não se engane. Quem vê cara, não vê coração. Ou, adaptando o dito popular às circunstâncias: quem só vê o nome, não vê o dono. Não era, porém, em matéria de beleza, uma versão masculina de Soninha (assim a chamavam). E, se era, o defeito é meu, que não sou especialista nessa ciência.

A vida da bela (e presunçosa) jovem era comum. Ingressara, há pouco mais de dois anos, por concurso, naquela empresa pública. Formada em Direito, nunca exerceu. Graduou-se porque queria um título e desejava (talvez nem deseje mais) passar num concurso público ligado à área jurídica. Nada diferente dos anseios de grande parte da população juvenil do País. Porém, se não despertava admiração por sua essência, também não era execrada por possuir defeitos relevantes. Salvo a prepotência, notoriamente decorrente da consciência de sua beleza e, naturalmente, do mau uso dessa percepção. Em suma: uma jovem normal, não afeita a maldades. Mas era metida. Que era, era.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Confraternização de ex-alunos

— Hummm... O Ambrósio acaba de chegar!
— Ihhh! Tô vendo. Carrão, hein?
— O que deve estar fazendo?
— Sei lá... Mas boa coisa deve ser não. Lembra da fama do pai? Tal pai, tal filho, minha querida.
— Na certa, na certa. Se puxou ao genitor, deve estar roubando até pirulito de criança. Ai ai...
— Mas ainda tá bonitão. Olha só! Nem parece que se passaram vinte anos, desde que saímos do colégio.
— Humpf! Deve estar ainda mais metido a besta que antes.
— Isso lá é. Rico e ainda gato... Deve estar insuportável!
— Ouvi dizer que se separou daquele tribufu da época de colégio. Lembra dela?
— Não diga!!! Também, nunca entendi aquele namoro! Um gostoso desse namorando com aquela cdf feiosa... Nunca entendi o título de Rainha do Milho que recebeu naquele São João.
— Nem eu. Só pode ter sido marmelada.
— Modéstia à parte, qualquer uma de nós dava de goleada nela.
— Ele ainda continua uma graça.
— Ah! Mas eu nunca quis nada com ele, não! Homem metido demais! Tô fora, minha filha.
— Nem eu, querida! Imagina! Esse tipo de homem é só pra olhar. E olhe lá! Sem trocadilho.
— Claro. A gente tem que se dar ao valor, não é?
— Vou te contar uma coisa. Jura segredo?
— Claro, amiga! Pode dizer.
— É que lembrei de uma vez em que ele tentou me beijar enquanto dançava comigo.
— Jura? Pois nunca vi Ambrósio dançando com você. Quando foi?
— Ah, nem lembro mais. Só recordo que ficou me apertando, todo fogoso, com aquele olhar de homem apaixonado. Caidaço por mim. Mas não sou doida, né? Tinha que me dar ao respeito. E foi o que fiz. Pedi licença, e deixei ele sozinho na pista de dança!
— Humm... Sei... Caramba, que memória a minha... Não lembro! Que coisa, né? Mas claro que acredito... Você jamaaaisss iria mentir pra mim...! Mas quer dizer que o peste olhava pra você também? E dizia estar apaixonado por mim, o cachorro!
— Por você?
— Ah! Contei e pronto. Mas peço segredo também. Tanto tempo... Nessa época já namorava a mocréia. Prometeu ficar comigo, se eu o quisesse. Já pensou?
— Não acredito! Quero dizer... Nunca pensei! Você? Menina, não fosse minha melhoooor amiga, juraria que está mentindo.
— Por quê? Só você pode despertar interesse no Brosinho?
— Brosinho?
— Era assim que me pedia para chamá-lo. Isto antes, claro, de eu colocá-lo em seu devido lugar.
— Pois nunca notei nada entre vocês também. Bom, desculpe. Herrrr, acredito em vc... Ainda bem que resistimos, então. Cada uma!
— Ai, lá vem ele.
— Tá nervosa? Não se preocupe. Como ele deve vir falar primeiro comigo, eu o distraio até você se acalmar. Ihhh! Tá vindo!
— Desculpe, amiiiga. Mas quanto a esse aspecto, divergimos! Quer pagar pra ver como ele virá falar primeiro comigo?
— Chega um pouco pra lá.
— Chega você. Assim, tá impedindo sua visão.
— (...)
— (...)
— Passou?! Não nos viu!?!?
— Ai, meu Deus!!
— Ambrósio!!!
— Ambrósio!!! Ei, Ambróóósio...!
— Sim? Ah! Olá, como vão?
— Tuuudo bem, Ambróóósio!!! Pensei que não ia falar conosco!
— É!!! Também! Também!
— Desculpe minha indelicadeza. Não tinha visto as senhoras. Muito prazer! Mas..., ajudem-me: são mães de quem?
— (...)
— (...)
— Grosso.
— Feio.
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Escrito em jan.2007
Publicado no jornal Gazeta de Alagoas, Caderno Saber, de 03/02/2007
Foto em http://www.colorizemedialearning.com/

Eu e meu trator

Noite. Umas 23h. A caminhonete passa bem devagar na frente de um bar no Stella Maris. Antigo! Era uma picape. Ou uma “isso”, uma “aquilo”... Boca cheia ao dizer seus nomes, hein? Por favor! Aliás, uma febre nesta cidade! Nunca imaginei houvesse tanto ruralista aqui. Sim, porque... não são para o campo? Ah, mais não? Também pra cidade, é? E né ruim, não? Maceió tem ruas tão estreitas... Estacionar, então!? Bom. Deixa pra lá. Até porque a crônica não é sobre esse objeto de consumo dos meus conterrâneos. Nem tenho nada contra as caminhonetas. Até cogitei ter uma. Depois desisti, pelo tamanho. Recuso-me, porém, a dizer picape (pick-up, aportuguesado). Intolerância com estrangeirismo. Detesto(!) essa história de mudar os nomes das coisas, antes sempre faladas em português, por outras, alienígenas. Voltando, nada contra tais veículos. Nada mesmo! Invisto é contra alguns que estão lá dentro, pilotando-os, e que não poderiam. E, aí, não é privilégio das caminhonetas, não. Mas que nelas o metido a bam-bam-bam fica mais afoito, mais mal-educado..., ah, isso fica! Deve ser porque de lá o imbecil, vendo os outros de cima, sente-se superior, poderoso... Daí, esses espécimes serem mais encontrados nesse tipo de utilitário. Mas, pelo amor de Deus, não estou generalizando! Não se vinguem no meu, que também será visto de cima. Muito menos em mim!

Passa bem devagarzinho. Mas bem devagar, mesmo! Sabe quase parando? Pois é. Na cabine (vejo por seu retrovisor), nariz empinado, exibindo-se aos olhares de seus admiradores. Sim, porque os há. Intolerante, demais, estou! Tem gente atrás (eu) querendo passar? Pô, paciência! Qué que custa? Não tá vendo que o moço precisa ir devagar? Moço é ótimo. Nunca mais tinha ouvido falar. Moça, então... Até que ele pára. Sim, ele pára! Tento examinar melhor sua cara-de-pau. Ele põe o braço pra fora, gesticula, fala alguma coisa com seus desafortunados amigos. Ri. Demora-se. Parece uma eternidade. Eu e a vítima do carro atrás do meu damos duas buzinadas. O proprietário da via não move a caminhoneta. Mais algumas buzinadas. Epa, tá saindo! Mas bem devagar. Mais do que antes. Ora, pra que pressa? Fico pensando o quanto ele demoraria ali, não fosse eu e o companheiro de infortúnio do carro detrás termos buzinado.

Lembrei-me de quando eu quis ter um trator. Daqueles grandalhões, de esteira. Seria muito mais eficiente do que a buzina. Com o meu trator, eu poderia, gentilmente, ajudar o moço a sair da minha frente.
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Escrito em dez.2006
Foto em http://pirajatratores.com.br/fotos_01/trator.jpg

Conselho

Pô, aquele cara veio me pedir conselho! Logo pra mim? Trocentas mil pessoas na face da terra...! Santa paciência. Nem santa... Dá pra você? Calma. Quis dizer: dá pra você entender um troço desses? Disse que eu tinha muita experiência na área. Falou que eu era antenado com meu tempo. Estranha essa palavra, né? Me remete a uma antena (nem adianta; não direi remete-me), daquelas que são pregadas na TV e que vão aumentando de tamanho à medida que você estica seus apêndices esguios. Das antigonas. Sequer uma parabólica ou a cabo, de 329 canais, dos quais 319 em outras línguas (mas que muita gente, monoglota, adora dizer que tem em casa). Seria mais chique, mais moderno. Não sei você, mas não consigo gostar. Sacomé? Antenado... Hummm. Chatice.

Voltando. Pois é, veio me pedir! Não, não é mentira. Ora, bolas! Não abuse da minha humildade! Eu até posso, num arroubo de modéstia — não importa se demagógica ou não —, me achar desmerecedor do pleito do sujeito. Você não. Tá vendo como é que é? Basta ser um pouco humilde, ou pelo menos fingir que se é, até pra si mesmo — e eu fui, quando fiz a primeira exclamação da crônica, acima (releia, por favor, se não se recorda) — que já vem você esculhambando, como se eu não fosse capaz de dar um conselho. Hum! Tá certo! Você venceu. Sou não, mesmo.

Pôxa, acabo de constatar que fui autenticamente humilde. Quando? Ai, lá vem você de novo. Preste mais atenção! Concordo que não sou bom na escrita, mas não custa você ler com cuidado. Mínimo, que seja. Lá, na primeira frase. Lembra? Comecei assim: Pô, aquele cara veio me pedir conselho! Lembrou? Pois é. Num é que fui genuinamente humilde? Por quê? Assim não dá. Porque eu concordei, cara-pálida, há pouco, quando aquiesci: Tá certo! Você venceu. Sou não, mesmo. Lembrou?

Pôxa (de novo), agora fiquei orgulhoso de minha humildade. Eita! Danou-se! Orgulhoso de minha humildade? Então não fui humilde coisa nenhuma! Quem é humilde não sente orgulho. Acho que não, pelo menos. Sei lá. Encasquetei com essa história de humildade. Sou, ou não sou? Outra hora teorizarei, com as argúcia e profundidade necessárias, acerca dessa transcendente questão. Noossa! Demais! Que frase!

Voltando ao meu amigo, o infeliz queria saber como fazer para... Por que infeliz? Ora, porque só alguém nesse estado poderia pensar em me pedir um conselho. Epa! Peraí! Também não é assim! Agora fui rude demais comigo. Releve. Apague esta parte. Risque. Ou pule, quando for reler pra tentar entender. Sim, porque você vai reler. Tá entendendo nada, mesmo. Ou então vai desistir de continuar. Tá vendo? Já tô com a auto-estima baixa novamente. Achando que você não vai ler. Sacomé? Ai, Deus! Sacomé, de novo! Claro que os leitores vão notar essa repetição desmesurada de sacomé. É que fui eu que criei a tal. Vou, sim! Vou dizer que fui eu quem criou, e pronto. A junção de sabe, mais como, mais é. Achei tão inteligente! Moderno. Meio gíria, meio vanguarda. Vou contar: sempre invejei esses escritores que fazem essas coisas com a língua. Os críticos acham genial. Aí não resisti e escrevi sacomé de novo. Aliás, tenho escrito sempre. Incorporou-se, já, ao meu parco vocabulário (outra falsa modéstia). Quem sabe não acharão brilhante também? Como? Não fui eu quem criou? Nem lerão este texto? Inveja!

Voltando, de novo. Queria que o ajudasse, com minhas sábias ponderações e visão de mundo. Adjetivos dele. Ele que disse. Juro! Retruquei. Insistiu. Tentei explicar-lhe que eu não era a pessoa mais apropriada para orientá-lo. Procurasse um psicólogo, um médico, uma vidente, um engenheiro, um escritor, seu pai, seu irmão imberbe, as almas do outro mundo. Se virasse. Insistiu. Pensei em retrucar de novo...

Repetia, compulsivamente — feito disco arranhado tocando na vitrola (long play; lembra, dinossauro?) — que só eu poderia explicar-lhe como agir para... Ah, sabe do que mais? Mandei-o às favas. Falei mesmo. Na lata. É, na cara. Tá louco?...
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Escrito em ago.2006

Solidariedade jovem?

Faz um tempo. Não lembro quanto. Hummm... Vá lá. Uns 04 anos. Por aí. Li, em algum periódico, alguns depoimentos de filhos de pais que eram jovens à época da ditadura, ou aos seus arredores. Por volta dos anos 60/70, mais ou menos. Diziam lamentar não terem vivido esse período. Sentiam uma inveja gostosa dos pais. Não pela ditadura. Óbvio. Aliás, nem tanto: há quem sinta saudade e até deseje seu retorno. Paciência. Lamentavam porque percebiam que os jovens de então eram mais... numa palavra: solidários. Hoje, a juventude não se ressentiria só da falta do inimigo visível contra quem lutar. Haveria uma inércia para o fazer pelo bem comum, ausência de luta por um ideal de mundo melhor. Pior: ausência do próprio ideal.

Não parecem errar. Talvez estejamos vivendo, mesmo, e em toda a sua crueza, “cada um por si”. O individual se sobrepondo maciça e, não raro, cruelmente, ao coletivo. A ignorância da política, como fruto, em parte, de um lado, do desinteresse decorrente do doutrinamento contumaz e proposital de que todos os políticos são desonestos, ou, no mínimo, incapazes de enxergar além do próprio umbigo; de outro, da constatação de que em grande medida é assim mesmo. Mas desconhecendo que, em outra, considerável, não o é.

Até nas pequenas transgressões, tão comuns em jovens adolescentes, há diferenças de há 15, 20 anos. Garoto que conseguisse a prova a ser aplicada no dia seguinte “emprestava-a” praticamente a toda a classe, para ser copiada (cuidando em errarem uma ou duas questões, para não dar na vista). Solidariedade à maneira deles. E daí? Hoje, quem a conseguisse, não raro ficaria pra si. Percebe? Até aí, no “ilícito”, ditaria o individualismo, o egoísmo, o “vou me dar bem e os outros...”. Como diz a música: “os outros são os outros. E só.” O mesmo nos famosos trabalhos em equipe. A maioria dos que se consideram aptos a fazer um bom trabalho prefeririam não fazê-lo em equipe, para não ter que dividir os louros com os menos preparados.

Veja-se. Não se está a falar de grandes causas. De enfrentar repressão, cadeias, tortura... Está-se a dizer de coisas pueris, singelas circunstâncias das quais a solidariedade seria indissociável. Não precisaria sequer coragem. Não custaria quase nada. Só solidariedade.

Ouvi muitos comentários assim de acadêmicos estagiários. Pessimismo? Exagero? Equívoco dos jovens do periódico? Não acredito. Hein? “Como será o amanhã?” Ah! Sei lá. “Responda quem souber.”
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Escrito em jul.2006
Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 25/07/2006

Brincadeira na praia

Não se atrevia a mirá-los. A incredulidade em seus rostos misturava-se com a dor e o sofrimento. Também não lhe dirigiam o olhar. Não sabia o porquê, mas tampouco perguntava. Ao redor, aquela atmosfera modorrenta e fúnebre, típica dos cemitérios. Sentia-se culpado pela brincadeira, mas, afinal, fora compartilhada por todos. Já bastava a culpa que sentiu quando foi a sua vez. Preferiu, assim, adotar o silêncio respeitoso, solidarizando-se com a dor que verificava sentiam, ainda que não a sentisse.

Eram cinco amigos em férias. Costumavam sentar num banco lá na calçada da antiga Robert Kennedy, praia de Pajuçara, perto de onde havia o bar Ipaneminha. Papeavam, paqueravam as garotas que passavam, essas coisas.

A nova brincadeira: não poderiam saudar qualquer um que passasse de carro. Bastava ser alguém a quem normalmente o fariam. Teriam de encarar o infeliz. Proibido fingir que não o tinham visto. Olhá-lo, se possível dentro dos olhos, para não lhe deixar dúvida que fora visto e propositadamente não cumprimentado.

“Tá ligado” x “brother”


Fácil escolher? Né não, meu camarada. Muito ao contrário! Difícil pra caramba! Cê já as ouviu na fonte? É, essas acima. Do título. Rapaz, como diria uma personagem de novela da Globo: é brinquedo, não! Não, messsmo! Ah, o texto tá com um jeitão bem informal, meio escrachado. Pra entrar no clima.



Por mim, na verdade, as duas pro lixo. Em princípio, nada contra gíria. E isto não significa que saiba, bem, o que é, qual o seu papel (se é que tem) na formação do jovem, etc. Mas, ressalvo, não é por preconceito. Decerto à falta de algo leve melhor pra escrever... O que quero dizer é que, a priori, nada tenho contra as ditas cujas. Aquelas, em geral. As do título, já disse: odeio-as!
 

Vê só. Ou melhor, lê (e tenta ouvir), mas com cuidado pra não se perder: — E aê, bró (diminutivo de brother)? Beleza? — Beleza, véio. — E ontem? Qué que rolou, brother? — Pô, beijei umas mina na balada, tá ligado? E tu, bró? — Me dei bem não, tá ligado? Véio, só tinha mulé feia na parada que eu fui, tá ligado? Pense! — Furada, brother! Tu devia ter ido comigo. Tava irado, tá ligado? Se liga, tá ligado? — Só. E hoje? Onde é a balada, bró? — Hoje vou não, tá ligado? — Ôxe, por quê, véio? — É que tô com sapinho na boca. Da beijação da parada de ontem, tá ligado? — Irado, brother! Pense! Já tô vendo as mulé falando que você tá com a boca doente de tanta beijação. O cara é pegador! Irado demais! Tá ligado? — Só. Foi vinte e cinco boca, tá ligado? Dá pra tu? — Caraca!



Não falei antes? Fácil não, meu leitor confuso (e quem não fica, com uma conversa dessas?). Agora, tente abstrair as outras gírias acima (ou coisa que o valha), a falta do plural, os erros de concordância... E reflita: “Tá ligado?” e “brother” ganham de todas em ruindade, não? Pra mim, sem dúvida. Talvez pela repetição. A segunda, porque poderia ser trocada, com vantagem, pelo seu similar tupiniquim: irmão. Ô diacho de mania de querer ser “americano”! E a primeira, porque é sem pé nem cabeça. Uma bobajada sem tamanho. É “tá ligado?” pra lá, “tá ligado?” pra cá. Vote (lê-se vôte)!



Aí pensei: e das duas, qual a pior? Pudesse eu optar — e na impossibilidade de fazê-lo às duas —, escolheria qual para exterminar, com todos os requintes possíveis de crueldade? Bem, por questão de princípios, confesso, arrastaria a segunda à sarjeta. Estrangeirismo (argh!), não!



Mas tenho de admitir que “tá ligado?” é insuportável. Insuportável demais da conta! Tá ligado? Bró. Ops!

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Escrito em mai.2006
Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 18/05/2006
Foto em http://textosdacriscampos.blogspot.com.br/

Destroços encalhados



Pedras, restos de tijolos, brita, barro, areia. Ferros retorcidos e enferrujados, sorrateiramente prontos pra ferir, quem sabe de morte, os pés dos que por lá se aventurem. Resultante da demolida sede administrativa do Alagoas Iate Clube, o “Alagoinhas”, uma montanha de entulhos permanece, impassível e inabalável, a compor a agora medonha paisagem daquela orla e a impedir a passagem dos que pela areia transitem.

Só em Maceió...

Há tempos aquele clube “dentro do mar” é alvo de discussão. Questiona-se, por exemplo, se é o responsável pela quase inexistência de areia naquela parte da praia que dele se avizinha. Para seus defensores, não fosse ele nem areia existiria mais (aliás, há cada vez menos areia, numa área cada vez maior da bacia da pajuçara). Fora lá irregularmente construído? Faltara autorização de quem de direito? Aqui também as opiniões divergem. E a polêmica se arrasta e, periodicamente, se exacerba.

Desconheço as nuances de ordem técnico-jurídica que embasaram a parcial demolição havida, tampouco sua discussão vem ao caso, aqui. Parece-me evidente, porém, que ali se construiu demais, o que me restou evidenciado pela sua sede administrativa, aquela que se pretendia à imagem da proa de um navio (exatamente a demolida). É verdade que o “Alagoinhas” já fora até cartão postal, mas, hoje, mesmo o que dele ainda está em pé são destroços encalhados a enfear quiçá o mais belo ponto turístico desta cidade.

Seja lá como for, o que não dá pra aceitar é que tudo fique como está. Demoliu-se-o, mas quem o fez sequer se dignou a retirar o lixo resultante. De onde havia uma proa de navio de cimento — de gosto duvidoso — surgiu uma grotesca montanha de cascalho e ferro a impedir, tal qual antes, mas agora injustificadamente, a passagem livre e segura do transeunte.

A verdade é que o jogo do empurra-empurra, de tão arraigado, parece já congênito desta terra. Ninguém quer limpar o monstrengo derrubado. Quem obrou — sem trocadilho, o entulho — crê que já fez o que lhe competia. E quem poderia limpar a obra, não o faz porque entende não lhe caber. Dane-mo-nos, pois!

Um alento, porém. Li, outro dia, na imprensa, que descobriu-se uma saída para o imbróglio: impingir-se a atribuição da limpeza ao... mar! Claro! É só ter paciência. As marés altas que virão farão o serviço. E o melhor: sozinhas e de graça! Puxa! Como não se imaginou isso, antes? Deixar-se, ao mar, a tarefa de levar a montanha para suas profundezas... Brilhante. Até poético! Hein?

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Escrito em abr.2006
Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 13/4/2006

Fez-se um homem



Meados do século passado. Era sua primeira audiência no interior de outro Estado. Humilde, algo tímido, mas brioso, embora talvez nem tivesse ciência disso. Ressentia-se, jovem ainda, da segurança concedida pela experiência, mas faltava-lhe, também, a insegurança dos incompetentes. Nunca saíra da Capital, o que dizer-se exercer a recente advocacia no então violento sertão do vizinho Pernambuco. Pior: na Comarca daquele Juiz, conhecido por sua rudeza, e naquele município de maus contados ainda piores. A péssima fama de que desfrutava o Dr. Matoso já ultrapassara as fronteiras do minúsculo Exu, com este até rivalizando. Outrossim, a tensão há dias grudara-se a Aurino, agravando-se os sintomas que o afligiam — dela denunciadores — por toda a madrugada do fatídico dia.

Foram intermináveis idas ao banheiro; temeu desfalecer. Não fosse sua esposa, a enchê-lo de conforto e coragem, aliados ao milagroso chá caseiro, interruptor das mais rebeldes diarréias, não se sabe o que seria do promissor patrono de causas jurídicas.

Sortes simples em Maceió



Tive sorte, muita sorte: pizza na Sorriso; primário no Imaculada, com Zé Carlos e Xisto; lá, campeões com um gol de pênalti que fiz, o que me rendeu ser erguido nos braços (suprema emoção!): o gol era um vão, de 2m (de altura) x 70cm, que dava acesso ao corredor dos banheiros. No Marista, uma medalha: melhor aluno (cursava a 7ª série e não sabia da aferição, mas, embora surpreso e tímido, fiquei muito contente); futebol, no Águia Negra. Tá, no “Aguinha”, da pivetada. E daí? Ops! Gazeei umas aulas e me foi “solicitada” a saída de sala em outras tantas. Poucas.

Tive sorte, muita sorte: comi fruta tirada do pé (alheio); fomos (Ranulfo já incluído) lanchar na novíssima lanchonete do Bompreço da Pajuçara e na Lobrás, às matinês do São Luiz e, à noite, ao Plaza (filmes impróprios). Domingo, Sete Coqueiros (ponto de encontro), comer zip-zip no treiler (assim, aportuguesado mesmo), de mesmo nome, do Galego e passeburger, no Passaporte Gaúcho. Nos “assaltos” do Tonho Setton e do Ricardo Carnaúba — os melhores, em suas respectivas épocas —, dançar muito “Hotel Califórnia”, do Eagles, as trilhas dos filmes do John Travolta e da novela Dancing Days...

Tive sorte, muita sorte: praia do “Ipaneminha”, boates Oitão (quase de fralda), Stallus e Middô, o Fornace, bailes de carnaval da Fênix... Saímos até na Jangadeiros Alagoanos! Ônibus, só sem pagar, descendo pela traseira (a borboleta era atrás). Acampei, com o Zé e o Purê — seu Camucé não deixava o Camucé ir — na Paripueira (festa de St° Amaro). A Danúbio: festa de salgados, doces e paqueras nas tardes de férias. Às vezes, uma ida à Shups, matar o calor. Os Festivais de Cinema de Penedo (chinfra!), com o Kleyner, o Rio, com o Purê — quando fugimos de um perseguidor imaginário, na deserta estação ferroviária da Zona Norte — e a Faz. Santa Fé, do Prado.

Tive sorte, muita sorte: identifiquei-me, desde cedo, com ideais ditos “de esquerda”; gostava de ouvir os discursos avermelhados de José Costa, Eduardo Bomfim e Moura Rocha; em passeata estudantil de protesto, no Recife (cursava Engenharia na Federal de lá), meu rosto quase ampara um soco (perdido) de um policial do “Choque”: privilégio, o risco sofrido.

Por essas sortes que tive, vivi esses momentos únicos, no final da infância, início da adolescência, numa outra Maceió. Essencialmente simples, tornaram-se inesquecíveis na sua simplicidade. Tive sorte, muita sorte, tê-los vivido. Graças a Deus!
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Escrito em mar.2016
Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 10/3/2006
Foto em https://culturaeviagem.wordpress.com/2013/03/16/orla-de-maceio-passado-presente-e-futuro/

Gramados enfezados



Mais agradáveis poderiam ser os breves passeios que por recomendação médica tenho realizado na recém-concluída urbanização da Sílvio Viana — e pensar que por pouco seriam na Robert Kennedy (ôxe!).

Não, leitor(a), sem crítica aos gramados e calçadas (têm até sido razoavelmente limpos e aguados) ou aos coqueirais da Sílvio Viana (reurbanização havia séculos aguardada). Nem vou protestar contra a crônica poluição do mar, que apesar disso majestosa e serenamente compõe nossa belíssima bacia da Pajuçara, ao menos para nosso deleite visual.

 
O assunto é a sujeira permitida (às vezes até estimulada!) pelos passantes da Sílvio Viana. Definitivamente, não têm respeito pelo bem comum.


É, é sobre cocô. Não excrementos, fezes...: esses são sinônimos tolerantes demais. Já basta me abster de citar outros mais sonoros, em atenção aos mais sensíveis. Mas cocô, faço questão! É distintivo, perdoe-me. Inaceitável, porém, o seu depósito em locais impróprios, como os gramados e calçadas da Sílvio Viana.


Claro que não estou a tratar do seu, nem do meu: não invadiria assim a sua intimidade, tampouco exporia a minha. Minha insubmissão é com a presença atrevida, deseducada e “ameaçadora” (aos nossos pés e calçados) dos produzidos pelos cãezinhos e canzarrões. Melhor: meu protesto é contra os bípedes a quem os quadrúpedes acompanham no passeio (quem será quem, hem?). E são de todas as idades: desde a(o) empregada(o) da casa onde habita o canino, passando pelo “marombado”, com seu pit bull, até os mais idosos... Todos suspeitos.


Além dos inocentes anônimos, correram o risco — porque vieram fazer-me companhia no passeio convalescente (meu dever, pois, evitar-lhes desafortunada pisadela no dito cujo) —meus amigos Ranulfo (amizade que é vinho de boa cepa) e Marcelo Malta (irmão camarada), minha amada namorada, Dolly (como bom varão, empreendi cuidados redobrados), meus pequenos, Andrezinho e Ananda, ainda indefesos contra as agruras da vida — aí incluídos os cocôs de cachorro (minha adolescente, Mariana, porque em Recife, escapou desse lazer adrenalínico) — e até minha mãe querida (cujos cuidados dispensam referência). Todos viveram essa mal-cheirosa tensão.


Portanto, por favor! Você, que vestiu a carapuça, ouça as placas fincadas nos gramados da Sílvio Viana, que berram — já roucas — para seus ouvidos mal-educados: Não deixe o seu cão sujar a grama! E a calçada (acrescento)! E se sujar, limpe o seu cocô! Não o seu. O do cão! Ah, sim: não pise a grama!

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Escrito em fev.2006
Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 17/02/2006
http://parquenovoiraja2.blogspot.com.br/2013/04/aos-donos-de-cachorros-que-nao-recolhem.html

O saci e a bicicleta



Não! A recente cirurgia circunscreveu-se à região do já antes extirpado apêndice. Não atingiu, pois, qualquer área que pudesse estar a causar-me eventuais transtornos emocionais. Intolerância exacerbada, então? Talvez resultante do ingresso no (quase) eterno “time dos enta”? Tampouco. Aquilo sempre me incomodou, apesar de nunca me ter disposto a escrever mísera linha a respeito.

Então, por quê? Paciência esgotada. É isto! Quiçá porque dessa vez o absurdo, já como tal compreendido de há muito, soou-me agora inaceitável. Não sei. Ora bolas, afinal que importa? Tirou-me da letargia. E ponto.


O fato, lhes digo, é que não agüentei quando o repórter na TV mais ou menos assim anunciou: diversos bikers (é assim que se escreve?) reuniram-se para passear na cidade de São Paulo, em comemoração ao aniversário da metrópole. Bikers? Não, não ouvi mal.


Sem qualquer vestígio de piedade, cristã ou qualquer outra, o repórter fez questão de repetir, várias vezes, no decorrer do seu labor. Os bikers isso, os bikers aquilo... E eu definitivamente surpreso, e bufando! Aquilo já era demais! Estão matando a minha língua, pensei. Ou seria gritei, pra dentro? Definitivamente, o assassínio estava se consumando. 

Não bastasse o inaceitável homicídio da nossa curvilínea e esguia bicicleta, que impiedosamente tem sido chamada de bike, agora até ciclista deixou de sê-lo. É verdade. Decerto resultado de nossa histórica submissão à colonização dos alienígenas abastados, ciclista agora é biker! E durma-se com essa! Pobres Monteiro, Aldo...

Ah, que inveja dos patrícios de além-mar! Calma, ao confessá-la não estou a pregar o uso do rato, ao invés do mouse, nem de sítio, no lugar de site, como eles admiravelmente o fazem. Aí já seria devaneio demais! Tenho pretensões mais modestas, afinal nascidas no bojo de nossa subserviente atitude frente a tudo o que é europeu (ocidental) e, principalmente, norte-americano (olha o Dia das Bruxas, aí, gente!). Já me daria por satisfeito, pois, com a extirpação dos shopping center, self-service, 50% off, sale, hot dog, tour, car, delivery, game, beach soccer, light, diet, Maisons e Giácomos não sei das quantas, e por aí afora, palavras e personagens estrangeiros que tolamente reverenciamos e não raro sequer conhecemos ou sabemos pronunciar.


Mas é chique. Vende. Hum! É triste.


E como eles devem rir de nós... Né não?


Pronto. Desabafei. E viva o Saci-Pererê! Viva Lobato! Viva Rebelo!

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Escrito em fev.2006
Foto: http://pedalante.wordpress.com/2009/10/31/o-saci-pedala/
Crônica publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 03/02/2006, e em http://www.brasilwiki.com.br/noticia.php?id_noticia=9486 (site BrasilWiki!)