quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Língua e futebol: ambos abastardados

Crônica
Questão de baixa auto-estima e desapego às origens. Na língua portuguesa ou no futebol alagoano, a mesma razão: idolatria pelo que vem de fora e nos é empurrado goela adentro, sem resistência — ao contrário: exultamo-nos por beber dos anglicismos e do glamour midiático dos clubes das grandes cidades do país. E assim vamos nos abastardando, também.

Mas, dizem, não é da natureza humana o gosto pelo sofrimento (causado pelos times da terra), e o é pelo que exprime e exala poder (o vocabulário anglo-saxão). Realmente, não é mesmo querido o sofrimento. E também é natural admirar qualidade ou algo que não temos, se for digno dessa admiração. Donde vem a pergunta: como torcer exclusivamente por CRB, CSA e ASA (por exemplo) quando existem os globais Flamengos e São Paulos da vida? Como denominar Centro Comercial, ou Centro de Compras, ao invés de Shopping Center?

Ora, não se trata de gostar de sofrer, tampouco de não admirar o que é pra ser admirado. Num como noutro caso a questão passa por auto-estima, apego às nossas tradições e raízes, defesa do que somos e temos. Ou por outra: guarda da nossa identidade. Temos nossa língua, falamos português; somos alagoanos, temos time para torcer. Se nossos clubes foram (ou são) mal-administrados — por incompetência (ou até má-fé) —, o que fizemos para defendê-los, torná-los fortes, respeitados? Se dispomos de palavras com idêntico ou semelhante significado aos dos estrangeirismos que nos chegam, por que não adotá-las? Por que temos que chamar nossos adolescentes de teen, nossos produtos dietéticos de diet, de divulgar nossos descontos (promocionais) por sale on, de chamar nossa curvilínea bicicleta de bike? E o que dizer de RT Sports, New Time, Solution, FF Sport Soccer?

E por favor, não me venham com o argumento de que nossos times não disputam a 1ª divisão! Seu filho também não participou das Olimpíadas de Pequim e eu acredito que você não o troca pelo norte-americano papão das piscinas, não é? Poupem-me, também, do argumento de que não existe língua pura e de que a nossa não seria exceção. Claro que não é. Mas não se está rejeitando palavras estrangeiras que possam ser incorporadas ao nosso vocabulário, à falta de alguma de idêntico ou semelhante significado em nossa língua. A questão é que estamos trocando as nossas (palavras) e os nossos (times) pelos dos outros.

E atenção! Não tarda estaremos berrando: Cheer the Flemish! Nesse dia, teremos sepultado nosso futebol e nossa língua.
_______________
Publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 06/11/2008
Também postada nos sites Futebolalagoano.com, FutNet e Brasil Wiki!(cultura)

domingo, 27 de julho de 2008

Os macacões de gari

Crônica
Pediu-me, o editor*, uma crônica cujo tema versasse sobre nós, advogados. Sim, por causa do 11 de agosto. Apesar da pobreza mental criativa terrível em que me encontrava — um deserto, a minha mente —, como negar-lhe o que me pediu tão fidalgamente? E lá fui, ops!, vim.

Assim..., pensando, pensando, pus-me a refletir sobre nossa fama, nossa prática, nossas relações, ...nossas vestes. Naturalmente que as palavras a seguir alinhavadas absolutamente não querem significar que saí do estado (de aridez) em que me encontro, apenas porque agora tenho um assunto. Tanto que, depois de ler-me, você certamente pensará, impiedosamente, sobre este escriba: “ainda bem que ele sabe disso.” Mas ao menos seja complacente, por ora, e se as tome como abobrinhas aqui plantadas e imediatamente colhidas, antes, pois, e felizmente, de amadurecidas.

Pois bem, alguns dizem que advogados são metidos, arrogantes e sacanas (ops! de novo; foi mal!), quando não desonestos (argh!). Aqui, queira considerar também nessa seara adjetiva, digamos, desconfortável, os demais mais conhecidos do público leigo: os promotores e os juízes. A minha robusta tese é a de que esses caras (excluí-me, perceberam?) assim o são, em bom tamanho por causa das vestimentas que usam.

Verdade. Acho que nossas vestes dão guarida considerável a essas nada altaneiras impressões. Quando não as escudam. Sério! Pode reparar: um sujeito qualquer, quando põe um peste dum terno, pra tender a se achar o bam-bam-bam não anda duas esquinas. Assumiu algum cargo, ganhou poder, vixe Maria!, aí é que fica besta mesmo. Pois conosco, operadores do direito potências, é muito, muito pior. Se for juiz?, bubônica, o troço entorta de vez (sem trocadilho).

Daí porque tive a idéia, graças ao editor — que, como já alertado alhures, foi quem me pediu a crônica (a culpa é toda dele, pois) —, de lançar a sensacional campanha pela adoção dos macacões de gari como veste obrigatória no meio jurídico. Claro que, a par disto, os garis — e todos os mais humildes serviçais do país — teriam o direito de usar nossas então vestes, que seriam, obrigatoriamente, inapelavelmente fornecidas pelos patrões.

Assim, pensei que cada um dos garbosos operadores do direito teria seu macacão de uma cor, para diferençá-los um do outro. Tipo: a do advogado, vermelha — não abro mão do vermelho para advogado, primeiro porque torço pelo CRB (aliás, tá mal que só na Série B do Campeonato Brasileiro) e, segundo, porque sendo advogado, sou também o autor da campanha, e pronto —; a do juiz, branca (linda!, agora, com essa busca ferrenha pela conciliação nas lides, significaria a paz) —; e o promotor, preta (por motivos óbvios, já que seu objetivo é tornar o mais negro possível o futuro do sujeito a quem vai acusar, mais das vezes negro também, além de pobre fedendo, tal qual seu presente).

Logo visualizei em minha mente todo mundo igualzinho, metido em seus respectivos macacões de gari. Pus-me a sonhar com a simplicidade em suas atitudes, em suas falas, em seus gestos, se não proporcionada ao menos facilitada por tão simplórias vestes. O advogado trabalhista, por exemplo, no seu engomado macacão vermelho, relacionando-se, humildemente, com seu cliente empregado, o elegantíssimo auxiliar de limpeza, no seu alinhado terno de linho azul. E o juiz? Ah!, o juiz..., veria, finalmente, os advogados e promotores como iguais a si, tal qual, aliás, sempre dispôs a lei. Estes, aliás, atuariam com mais técnica e menos teatro, já que não teriam mais o terno e a toga a conferir-lhes o falso ar shakspeariano. Ah!, ia esquecendo: naturalmente, toga, nem pensar. Proibido o uso de qualquer veste talar!

Estava me divertindo com a situação, e até orgulhoso por haver contribuído para um mundo mais igualitário, quando em meus devaneios imaginativos deparei-me com uma passeata de protesto violento que estacionara na porta da minha casa — alguns anos após a adoção obrigatória das novas vestes em todo o país —, gritando palavras de ordem, do tipo: queremos a volta dos ternos e das togas!; pelo fim da obrigatoriedade do uso de macacões de gari!; fora, André Falcão!, enquanto com uma das mãos jogavam os já encardidos uniformes na minha varanda e, com a outra, agitavam seus códigos e compêndios legislativos. A essa leva de inconformados se somaria uma multidão de sujeitos metidos em ternos outrora lindos, hoje sujos, rasgados e empoeirados, portando vassouras, enxadas, réplicas de bomba de combustível, pás de juntar cimento e por aí afora, a exigir a volta dos seus macacões rudimentares. Eu, a esta altura, escondido atrás da cortina da sala — e sou lá bobo de botar a cara pra fora numa hora dessas? —, estarrecido com aquele espetáculo de insensibilidade humana.

Os formadores de opinião culpavam-me pelo péssimo nível dos juízes, advogados e promotores formados após a novel lei, além de pela revoada dos antigos para outras profissões. Os piores alunos das faculdades eram os de direito; as piores faculdades já eram as de direito. Não havia mais bons professores. A própria existência da profissão estava por um fio. Nunca o direito fora tão torto. Sem o atrativo do glamour proporcionado pelas vestes, o desinteresse pelas profissões jurídicas se instalara com ares de definitividade. Ninguém mais queria usar os macacões de gari.

Tanta foi a pressão que poucos dias depois a lei fora revogada. A turma da vassoura tomou todas, feliz feito pinto no lixo. Juízes, advogados e promotores, por sua vez, novamente investidos e vestidos em seus ternos e togas, comemoravam abraçando-se, pulando e chorando pela boa nova. O país estava em festa.

Manhã seguinte, uma espessa nuvem vermelha, preta e branca cobria os céus de todo a nação. Eram os macacões de gari que queimavam para sempre em fogueiras espalhadas pelos foros das cidades.
_________________
(*) Mário Goulart, do Boletim da ADVOCEF - Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal
Também publicado no jornal Gazeta de Alagoas, Caderno Saber, de 02/08/2008

domingo, 6 de julho de 2008

Senhor

Crônica
Sim, senhor. Não, senhor. Pois não, senhor. Obrigado, senhor. Dá licença, senhor? Por aqui, senhor. Por ali, senhor. Fique à vontade, senhor. Já pediu, senhor? Mais alguma coisa, senhor? O que deseja para beber, senhor? Seu troco, senhor. Seu sanduíche, senhor. Sua bebida, senhor. Seu ingresso, senhor. Siga a fileira da direita, senhor; lá se encontra sua cadeira; bom espetáculo, senhor. Açúcar ou adoçante, senhor? Copo com gelo e limão, senhor? Gosta de laranja no guaraná, senhor? Seu copo, apenas com gelo, senhor. A cerveja está gelada, senhor? Veja se o caldinho de feijão está quente, do seu agrado, senhor. Mesa pra quantos, senhor? Vem mais alguém, senhor? Posso retirar os pratos, senhor? Gostaria de uma sobremesa, senhor? Cafezinho, senhor? Dois, senhor? Está satisfeito, senhor? Tem que digitar a senha no balcão, senhor. Aceitamos todos os cartões, senhor. Deixe-me guardar o seu casaco, senhor. Qual o andar, senhor? Pode aguardar seu carro na recepção, senhor. O serviço está pronto, senhor. Boa sorte, senhor! Boa audiência, senhor. Por que não dá aula em alguma faculdade, senhor? Por que não escreve um livro, senhor? Nunca mais escreveu, hein, senhor? Vai à minha despedida do estágio, senhor? Posso revezar o aparelho (de musculação) com o senhor? Fique à vontade, farei bicicleta, pode usar a esteira, senhor. Ei, moço (única hora em que o senhor é esquecido), não é fisioterapia, não; é musculação! Vamos aumentar esses pesos! Tá mais magro, senhor. Deu uma engordadinha, né, senhor? hehehe Ei!, por favor, desculpe, a sua conta, senhor. “Putz! Desculpe, eu! Quanto foi, mesmo?” (no Iguatemi, já descendo distraidamente a escada rolante, sem pagar). Boa viagem, senhor. Bom passeio, senhor. Boa aula, senhor. Bom cinema, senhor. Bom dia, senhor. Boa tarde, senhor. Boa noite, senhor. Hoje tem um joguinho (do CRB), né, senhor? Precisa dar um jeito no CRB, senhor! Por que não leva a psicóloga pro CRB, senhor? CRB ganhou; tá feliz, hein, senhor? Li sua crônica, senhor. Parabéns, senhor. Boas férias, senhor. Feliz aniversário, senhor! Feliz Natal, senhor! Feliz Ano-novo, senhor! Feliz Páscoa, senhor! Feliz Dia dos Pais, senhor! Boa viagem, senhor! Gostei da barba, senhor. Melhor sem barba, senhor. Volta quando, senhor? Essa gravata é a sua cara, senhor. Tá um preço ótimo, senhor. Filhos lindos, senhor. Senhor, senhor, senhor...
(...)
Envelhece,não, né, doutor? Sempre essa cara de menino! “Vai te danar!”
___________
Escrito em jun/2008
Também publicado no jornal Gazeta de Alagoas, Caderno Saber, em 05/07/2008, e no site BrasilWiki!

terça-feira, 18 de março de 2008

O Nélson: inocente

Crônica
Conheço-o pouco. Mais de cumprimentar. Opa! Bom dia! Tudo bem? Não mais ou muito mais do que isso. Mas a solidariedade prescinde de conhecimento; a gente simplesmente sente. Acompanhei pela imprensa a terrível experiência que passou quando da deflagração da muito bem-vinda (como as demais) Operação Carranca, da Polícia Federal. Fora preso (prisão temporária, para investigações), previamente algemado. Sua foto escancarada na mídia. Identificado como engenheiro da empresa em que trabalhava, embora não seja, nem nunca tenha sido. Omitirei seu nome completo por considerar provável assim prefira.

Tomo conhecimento, há alguns dias, de que a ação penal subseqüente fora trancada em relação a ele. Vale dizer: absolvido. O Ministério Público Federal culminou por entender “estar ausente a justa causa para o prosseguimento do processo criminal” contra ele movido, razão pela qual requereu o noticiado trancamento.

Nos termos da sentença, vaticinou o respectivo Juiz Federal que o então denunciado demonstrara “cabalmente que suas atribuições como funcionário (...) restringem-se ao controle do recebimento e repasse dos recursos federais destinados a outras entidades convenentes. Não tem ele qualquer atribuição para realizar vistorias ou fiscalizações nas obras soerguidas com recursos repassados (...)” pela empresa em que trabalhava. E conclui o magistrado: está “cabalmente comprovado que Nélson não tinha qualquer possibilidade de interferir na realização do objeto do contrato, sequer em tese poderia ter cometido o delito previsto no art. 96, IV, da Lei 8.666/93, único que lhe foi imputado pelo MPF”.

Não li, vi ou ouvi, em lugar algum na mídia — que, entretanto, antes informara com estardalhaço a sua prisão —, a notícia de sua absolvição. Pode ser que tenha havido, e eu é que não tenha tomado conhecimento. Pode ser. Mas esses fatos quase nunca viram notícia. Qualquer modo, está aí, nestas poucas linhas, o desenlace do drama do Nélson, ao menos daquele vivido naquelas paragens; a ratificação pública de sua inocência, maneira que encontrei para expressar-lhe a minha solidariedade pelo terrível gravame sofrido, agora aliviado (sarado, certamente não).

Nunca mais o encontrei, embora quase nunca coincidia de vê-lo amiúde, antes daquela constrangedora (para dizer o mínimo) e traumatizante experiência vivida. Soube que está, agora, aposentado. Um abraço, Nélson. Boa sorte.
_______________
Também publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de 28/03/2008.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Pessoa-presente

Crônica
Pessoas são o melhor presente. Digo de presente externo a nós. Explico. A nossa vida, mesma, nossos órgãos, sentidos, saúde, e por aí vai, são presentes “de dentro pra dentro”. Ganhamos. Daí serem presentes. Mas estão em nós. Poderiam não estar, ou não vir a estar. Ou até serem recuperados, se perdidos. Ou não. Mas confundem-se conosco. Compõem a gente, o nosso ser. Entende?

Pois bem, o resto é tudo presente de fora pra dentro. Como as coisas. E as pessoas. Seu trabalho, um carro, uma casa, um amigo, seus pais... Só que as coisas-presente podem ser apoderadas por nós. É até legítimo e natural fazê-lo. Afinal, são nossas. Passaram a sê-lo. Já as pessoas-presente também as ganhamos, mas não são nossas, apesar de serem presentes que recebemos de Deus, ou de algo além a nós e a este mundo, conforme você acredite, ou não, nEle. E ainda assim, não sendo nossa propriedade, nosso cuidado com as pessoas-presente deve ser, até por isto, maior.

Claro que nem tudo (ou todos) são “presentes de flora”. Existem também os “presentes de grego”. Coisas ou pessoas podem ser “presentes de grego”. Mas estes já seriam assunto para outra crônica. O destaque, aqui, vai para o supra-sumo daqueles: os “presentes de Deus”. Não quer significar, porém, que porque não é “de grego” não haja algo deste num “presente de flora”, e vice-versa.

Há cerca de quatro anos recebi uma pessoa-presente da melhor qualidade. Logo pensei: pôxa, é Deus mais uma vez demonstrando o seu amor por mim. E desde o início, dizia-lhe: você é um “presente de Deus”, uma prova irrefutável de que Ele existe, mesmo. Sinto isto. E sempre Lhe agradeço muito esse super-mimo. E a ela também, que me diz adorar ser uma pessoa-presente pra mim.

Uma vez, em seu aniversário, mandei fazer uma faixa e colocá-la em frente a sua casa. Não é original, sei. Na verdade detesto essas coisas muito melosas, exageradas. Gosto, não. Mas pus em frente a sua casa, tentando não ser piegas. Lá eu reafirmava sua condição de “presente divino” pra mim. Ficou legal. Ela gostou pra caramba! Claro, né?

Tenho um cuidado “da pega” com essa pessoa-presente. Claro que as porções “de grego” que há em todo “presente de flora” às vezes nos chateiam. Oh, imperfeitos! É que é um aprendizado lidar com pessoas-presente. E quando é um presente de Deus, então? Mas é muito bom. Procuramos sentar na primeira fila e prestar bem atenção à aula. Às vezes não fazemos a lição de casa. Mas depois tentamos compensar estudando mais. E assim vamos tentando ser pessoas-presente um para o outro. Acho, porém, que nunca vou ser tanto como ela é pra mim, apesar dela jurar de pés juntos que sou até mais. Mas, deixa eu dizer, ela leva uma vantagem enorme. Descobri, certo dia, folheando um livro numa livraria de aeroporto, o significado de seu nome: presente de Deus.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

O Andrezinho, meu filho

Crônica
Há 12 anos. Por essa idade tive a primeira namorada. Namoro com jeito e aparência de namoro. Considero meu ingresso definitivo na adolescência. Não, não sei quando começa a adolescência. Se depois, então considere-se que foi um ingresso precoce. Meu filho — o segundo, único homem — nasceu há 12 anos. A crônica é sobre ele. Está sendo escrita na madrugada do seu aniversário. O meu ingresso na adolescência não tem qualquer importância. Apenas lembrei. Devo ter feito a referência tentando reservar algum destaque na crônica para mim, por vaidade. Mas esqueça. É sobre ele. Teve o meu nome. Ou deveria dizer, tem o meu nome? Sei lá. O fato é que é meu filho(!), e chama-se André. Termina em “Filho”. Com todo respeito aos Juniores, queria que fosse chamado pelo nome. Ou melhor, pelo prenome. Assim foi. Optasse pelo Júnior (Jr.), talvez não fosse.

Assim, é o André. Para mim e muitos da família, o Andrezinho. Vá lá que seja o diminutivo carinhoso. Não, não tive qualquer participação na escolha do nome. Não induzi, muito menos forcei o fosse. Mas gostei. Uma vez me disseram, sem lembrar-se que ele tinha o meu nome — acho que quem o disse sequer sabia que eu tinha filho homem —, que era “um perigo” essa história de dar o nome ao filho. Este poderia decepcioná-lo na vida adulta, manchando o patronímico. Minha preocupação com o comentário durou, no máximo, uns... 5 segundos. Primeiro porque não acreditei nessa hipótese. Segundo porque sempre seremos duas pessoas diferentes, apenas com o mesmo nome. Terceiro porque o amo.

É, o amo. Velho — não dá pra escrever velho(a), muito menos velha, porque é deselegante demais; assim, entenda dirigido o comentário também a você, leitora, ainda que sem o (a) seguindo o velho —, é verdade! Sou completamente apaixonado por ele. E o melhor: ele também o é por mim. Rapaz, ou moça (agora dá), juro por Deus: o meu filho é doido por mim! Tem coisa melhor do que isto? Diga, vá. Tem? Tem, nada. Aliás, sempre foi. Desde que se entendeu por gente. Na verdade, não sei quando isto aconteceu — dele se entender por gente —, mas garanto, juro de pés juntos, que foi assim como estou contando. É claro — e você tem toda razão de dizer, se quiser —, é muito convencimento meu, mas é assim que sinto, é isto que vejo. Em seus olhinhos, em seus atos, em seu terno — e longo, e forte (apesar dos braços ainda finos) — abraço. No “bença, pai”, quando nos despedimos ou ele vai dormir. É Deus no céu, e este que vos escreve, na terra.

Torce pelo CRB/AL. Aliás, como eu. Já torceu também pelo Flamengo/RJ, uma espécie de 2° time, quando o Galo não se fazia presente na competição disputada. Também como eu. Mas paixão, mesmo, só pelo Galo de Campina. E desde algum tempo, felizmente, torce apenas pelo único clube de seu coração, o alvirrubro alagoano. Igualzinho ao que vos escreve. Com 10 anos completos coloquei-o numa escolinha de futebol. Engraçado esse negócio de escolinha. Minha época, feitas as tarefas escolares, tinha o resto do dia e parte da noite para jogar bola, ou rachar, como chamávamos o que hoje se conhece por bater uma pelada. Na rua ou nos diversos campos e terrenos da Ponta Verde. Não tinha carro passando em velocidade (quando tinha carro), nem assalto, muito menos seqüestro, nem drogas. Hoje, não. Fora o colégio — se tiver campo ou quadra(!) —, tem que colocar em escolinha. Se não, o menino não “racha”. Na noite que antecedeu à sua estréia, tive uma preleção com ele, tranqüilizando-o de que, se não se sentisse muito à vontade no primeiro dia, se os meninos não lhe passassem a bola, enfim, se fosse “grosso” (ruim de bola) — não, isto eu não falei pra ele, claro —, não se preocupasse porque eles estavam treinando há muito mais tempo, tinham mais experiência, e blá, blá, blá. Tentava protegê-lo de uma eventual (e, para mim, provável, quase certa) decepção. Hum, qual o quê! Não se passaram 5 minutos e até o professor já o chamava pelo nome. Pois é. Rápida, quase instantaneamente, se destacou, passando a ser o destinatário (e ator) da maioria das jogadas de seu time. Francamente, fiquei impressionado e, mais do que isto, aliviado. Conta todos os gols que fez. Acho que já está perto dos 200. Já, já pega o Romário.

Ano passado, na sua segunda competição de judô pela escola, a dor da derrota chegou. Vi-o perder as duas lutas que disputou. Percebi a aflição que sentia, certamente pensando que estava a decepcionar-me, seu pai, seu herói. Eu o incentivava, das arquibancadas. Ele lutava. Sério, né exagero, não. Fiquei babando de ver como ele enfrentava bravamente aqueles meninos, muito mais bem preparados tecnicamente do que ele. Quer dizer, era um sentimento misto: orgulho e compaixão. Finalmente, a luta acabou. De longe, percebi que não conseguiu conter as lágrimas. O professor disse-lhe algo, confortando-o. Veio caminhando até a mim, cabeça baixa, triste, olhos molhados. Dei-lhe um abraço forte e longo. Chorou. Falei da minha admiração pela maneira corajosa como enfrentou os adversários. “Isto era o que importava. Sempre vai existir o que ganha e o que perde. É preparar-se para a próxima vez. Você venceu o medo e as dificuldades. Só os vitoriosos conseguem. A vitória não está, necessariamente, em ganhar a luta, mas em lutar, dando o melhor de si. Foi o que você fez. Estou orgulhoso de você.” As lágrimas acabaram por secar.

Ainda no ano passado, estava com dificuldades em matemática. Havia se descuidado e precisava recuperar-se. Procurou-me, angustiado e preocupado. Tranqüilizei-o, afirmando-lhe que o ajudaria. Marcamos de estudar, dentro de 2 ou 3 dias. Nesse momento, perguntei-lhe qual o seu maior sonho. Respondeu-me dizendo que era passar na matéria. Disse-lhe, então, que se tranqüilizasse, porque eu, a partir daquele momento, compartilharia do seu sonho, e sonhos compartilhados são sonhos realizados. No dia designado, fomos estudar. Antes, ele passou-me um bilhete, assim escrito: “Paintcho, matemática é uma matéria de puro raciocínio, por isso vc terá que me ajudar a estudar. Matemática é uma matéria difícil, mas eu vou conseguir passar com sua ajuda. Por isso existe o ditado: SONHOS COMPARTILHADOS, SONHOS REALIZADOS.” Após os estudos, ele me abraçou longamente, beijou-me e, no meu ouvido, disse-me, baixinho: ‘brigado, pai. Hein? Se passou? E então!

Tenho três filhos lindos, amorosos e maravilhosos. Hoje é o aniversário do segundo. Esta crônica é para ele. O André, ou, para nós, sua família, o Andrezinho. Nós nos amamos pra caramba! Eis um pouco dele. 12 anos hoje. Parabéns, meu filho. Que Deus te proteja.