quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O decote

Inevitável a contemplação. Disfarçada, porque era o jeito, mas os olhos teimavam em admirá-lo. O decote mais lindo e gracioso que jamais vira diante de si. Os seios juvenis e proporcionais se ajustavam com indisfarçável rebeldia à generosa camiseta que os continha. Não a esperava àquela hora. Tomou um susto quando o porteiro avisou a sua chegada. O coração bateu aceleradamente. Desceu.

Conhecera-a numa festa, lá no Recife. Era linda. Tinha olhos castanho-amendoados, pele alva, cabelos pretos, longos e ondulados, sobrancelhas também negras e mais pra grossas. Baixa, mas tinha a estatura certa para aquele corpo esguio e bem distribuído. Conversaram a noite inteira. Completamente apaixonados. Tão e de tal modo embebidos daquela áurea romântica que sequer um beijo foi tentado, ou sugerido. O olhar e as trocas de impressões eram suficientes pra que aquela noite tornasse-se, depois, inesquecível. O envolvimento era flagrante, as horas passavam rápido demais. Afinal, começou a amanhecer, e a hora de se irem aproximava-se. A madrugada mais curta de suas vidas.


Num rompante percebeu que nada sabia sobre ela, apenas que costumava ir àquela balada aos sábados, e à praia de Boa Viagem. Só. Ainda tentou alcançá-la. Em vão. Mesmo assim, voltou pra casa feliz como nunca estivera. Estava apaixonado e tinha a convicção de que era a mulher de sua vida; logo, de novo a veria.

Daí em diante, foram semanas a dedicar-lhe todos os pensamentos. Já no sábado seguinte foi sozinho à mesma festa. Revistou cada metro quadrado do lugar. Nada. Voltou desolado pra casa. Passou a ir à praia todos os sábados e domingos. E à mesma balada aos sábados. Nem sinal. Mas ela não lhe saía da cabeça. Sempre ia aos mesmos locais à sua procura.

Até que num domingo bem distante, viu-a na praia. Sentiu o coração desgovernar-se. Controlando-se, foi ao seu encontro. Estavam visivelmente emocionados. Conversaram por longo tempo, até que a mãe (estava com a mãe) a chamou pra ir embora. Correram a trocar telefone e endereço.

Dois dias depois, ela apareceu no prédio com aquele decote estonteante. Aos poucos, porém, a admiração e o desejo cederam espaço a uma ponta de ciúme. Queria aquele decote apenas para sua exclusiva visão. Apaixonada e compreensiva, nada opôs. Casaram-se. Continua linda. Tem uma parte do guarda-roupa exclusiva para suas blusas mais decotadas, que lhe são mensalmente presenteadas por ele. Vários modelos e cores. Todas as noites o aguarda vestida em uma delas.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Endorfina




http://queropegartodas.com
Juro que eu tento. Tento achar legal, tento ver sentido naquilo, tento tanto que em algumas épocas já fiz até com alguma regularidade. Mas confesso que por mais que tente não consigo achar natural. Embora já o próprio conceito do que é natural possa ser relativo. Pra mim, é relativo coisa nenhuma. Mas me entenda, refiro-me a natural no sentido de algo intrínseco ao nosso viver. Como comer, fazer xixi, beber, até exercitar-se, percebe? Afinal, não apenas o cérebro; o corpo e a alma também precisam de exercício, reconheço.

Tenho dificuldade em enxergar sentido é no sujeito alterar todo o seu corpo, sua rotina e sua alimentação, comendo num sei quantas vezes mais calorias por dia do que lhe seria suficiente, gastando num sei quantas vezes mais calorias por dia do que seria razoável, produzindo num sei quantas vezes mais radicais livres (portanto, envelhecendo num sei quantas vezes mais), para ficar com um padrão de beleza estética atualmente em voga. Claro que dá um certo prazer, produz endorfina, essas coisas que se diz. Mas, vamos e venhamos, que endorfinazinha exigente, né, não?

Mas nada contra, bem entendido. Aliás, nada contra nada. Epa! Também não é assim. Mais ou menos. Contra algumas coisas, sim. Mas tô nem aí pro que cada um faça da sua vida e, ao assim fazer, não esteja fazendo mal a alguém (talvez, só talvez, a ele mesmo, mas isto, por isto mesmo, não é problema meu). Mas é que preciso, confesso, encontrar uma explicação que me aquiete, que me conforte na minha preguiça. É, talvez seja por isto.

Anteontem presenciei um amigo — na verdade, um bom (bom quer dizer legal) conhecido, amigo de um amigo — desculpando-se com o aniversariante porque iria embora mais cedo. A justificativa: estava morto de sono porque acordava às 4 horas da manhã para puxar ferro. Ou por outra: malhar. Fazer musculação. Com aquela declaração, arregalei os olhos, olhei-o de soslaio, disfarçadamente,... e pensei: Ôxe! Num tá vendo que eu não iria perder meu soninho pra levantar de madrugada e ir levantar peso, empurrar peso, peso, peso, peso?

Um outro amigo confidenciou-nos (a mim e a minha namorada), em uma festa, que estava com dor na consciência porque não havia ido à academia, malhar. Pode? Ele estava se sentindo culpado! Diz que já tá viciado. Deve ser a tal da endorfina, novamente. Bom, endorfina por endorfina, nada a produz mais do que fazer sexo. Aí, me rendo, dá pra entender! Pronto! Se é pra se viciar em endorfina, faça sexo! Nada mais natural.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Superstição?




http://alexandrefilo.blogspot.com

Era azulino e franzino o Jaílson. Foi no último CRB x CSA. Chegou cedo ao Trapichão e cuidou de arranjar assento nas cadeiras azuis (pra ver se dava sorte, já que o Azulão precisava vencer para evitar nova visita à segunda divisão do alagoano). Seu filho, que o acompanhava, postou-se ao seu lado.

Enquanto conversava com um vizinho, sentado uma fila acima da sua, sobre o exagero de proibir-se tomar uma cervejinha nos estádios, foi avisado por Jailsinho que iria ao banheiro. Estava com uma brutal “dor de barriga”, provavelmente de nervoso e apreensão pelo início do jogo.

Ao banheiro o imberbe rapaz, Jaílson voltou a bater papo, postando-se de costas à cadeira do filho. Conversa vai, conversa vem, um sujeito senta na cadeira de Jailsinho; o pai não percebeu, distraído que estava. Quando já longos minutos depois veio a notá-lo, tentou persuadi-lo a sair da cadeira, deste recebendo um imperturbável não. “Amigo, tô aqui há pelo menos 10 minutos. Guardar lugar, não pode. Vou sair, não. Ele que sente em outro lugar.” Em vão, as explicações de Jaílson.

Bom, seja porque o sujeito parecia um armário de tão forte, seja porque lugares próximos ainda havia, seja finalmente porque o garoto estava mesmo demorando, Jaílson não insistiu. Quando o então amarelado (por razões óbvias) Jailsinho retorna, Jaílson explicou-lhe rapidamente a situação, orientando-o a sentar-se numa cadeira próxima, embora branca. O armário permanecia imóvel.

Iniciado o segundo tempo. Nada de gol. Pior: o CRB começou a mandar no jogo. Força de uma alteração equivocada, porém, o CSA ganha novo ânimo e passa a pressionar. Trinta minutos, Trinta e cinco, quarenta minutos. Jaílson e Jailsinho já não cabiam mais em si de ansiedade.  Mas... Eita! Claro! Essa a urucubaca! Jailsinho precisava sentar-se nas cadeiras azuis, pensou. Porém, não havia vaga em nenhuma. Foi aí que Jaílson, tomado da “coragem” que só o desespero pode, contraditoriamente que seja, conferir, ele se dirige ao vizinho, e diz-lhe: “Por favor, deixe meu filho sentar na cadeira. É por isto, pode acreditar, que o CSA não fez um gol. Vamos cair e o culpado será você.” Sem ter mais razão para brigar pela cadeira, e também porque tão desesperado quanto Jaílson, o vizinho saiu.

Caro leitor, foi só o Jailsinho colocar o traseiro quase desfalecido na cadeira e... gooolll! Gol do CSA! 46 min do 2º tempo. Jaílson e o armário abraçaram-se como grandes amigos e marcaram uma cervejinha pra dali a pouco.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

As aventuras de Ed (história baseada em fatos reais)*

*Tb publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de domingo, 30/07


Passava da meia-noite. Relâmpagos e trovões ensurdecedores. Acho até que era sexta-feira 13. Digamos que fosse, leitor. Afinal, o terror vivido por aquela santa mulher, D. Maria da Boa Viagem, poderia muito bem ter-se dado no desafortunado dia. Deixada em casa por seu marido, o viril, e de famoso vozeirão, Ed Muin Tafarra ― que àquelas horas ainda tomava umas com os amigos ―, e pelos filhos, que curtiam “la dolce vita” maceioense, Mª da Boa Viagem tentava driblar o medo jogando damas na internet. Por companhia, apenas o feio Carpacio (pronuncia-se como no italiano), cão raquítico, mas limpo, que D. Mª da Boa Viagem para isto não poupava recursos. Bonito, porém, não ficava, porque milagre, isto aquela santa mulher, apesar de santa, nunca realizou.

De repente, viu a maçaneta da porta de seu quarto girar. Por medo, estava trancada à chave. O caro leitor não imagina o susto que tomou a ainda jovial senhora. Sim, jovial. Apesar dos três filhos já grandes (e cruéis), sua pele era limpa e sedosa como pêssego. Diz-se que seu agudíssimo grito foi ouvido dos extintos Sete Coqueiros aos escombros do Alagoinhas. Até eu, que só estou a escrever, percebo-me com alguns pelos arrepiados.

Trêmula dos pés à cabeça, com o coração a querer traspassar-lhe o peito, D. Mª da Boa Viagem telefona para Ed Muin Tafarra. Embora do outro lado a campainha do celular tocasse alta e freneticamente: “... vou sim, quero sim, posso sim, minha mulher não manda em mim ...”, Ed, alagoano e CRB, mas também Vasco/RJ, nada ouvia, absorto em acalorada discussão sobre torcer-se apenas pelo time da terra (ou não). Também tentou os filhos. “Filho(a)”, dizia nervosa, mas baixinho, “vi a maçaneta do meu quarto girando! Não consigo falar com seu pai. Venha alguém aqui.” De cada um ouviu o mesmo não, crentes que a mãe estava a imaginar coisas. Pobre Maria.

Algum tempo depois, eis que Muin Tafarra aparece no bar onde se encontrava um deles, Lat Anhado, de quem ouviu o relato. Segurando o corpanzil na cadeira para não cair, Ed exclamou, às gargalhadas: “Oxe! Era eu! Tinha voltado pra casa, mas quando vi que a porta estava trancada, pensei: Maria dorme. Aí, pé ante pé, vim tomar uma com você.” E tome rir!

“Mãe”, se apoquente não. Foi o painho”, tranqüilizou-a a filha. Ouvida toda a história, Maria da Boa Viagem recompôs-se, voltou a trancar a porta do quarto e da casa, pôs o pega-ladrão e os tapa-ouvidos, e foi dormir. Os gritos de Ed, bem mais tarde, não foram escutados.
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