segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Arrastão? Que arrastão?


http://www.humordaterra.com*

A mais recente novidade é a difusão de que não houve arrastão, ontem, domingo/18. Sim, tudo não teria passado de boato irresponsável e criminoso, realçado e nutrido pela sociedade maceioense. Maceió, portanto, não fosse pela sociedade — que deu voz ao boato de que o arrasto grande se fazia propagar —, permaneceria tranquila e segura como sempre tem estado nos últimos anos, a despeito das mentiras que propagam. Resumo da ópera: a sociedade é a culpada. Não houvesse a sociedade, seria perfeita. Mas como uma cidade sem sociedade? Eita!, é mesmo...

Por outro lado, lendo uma reportagem da Gazeta Web, verifiquei relatos de que teria, sim, havido o arrastão azul — uma amiga, no Facebook, assim batizara (não entendi...) aquele ato de vandalismo. Teriam atestado a existência do arrasto-grande-azulado um guarda municipal, um motorista de ônibus, um escrivão de polícia, uma doméstica e um gerente de loja (os nomes de cada um estão lá, no sítio referido).
Observei, também, inexistir notícia, na mesma notícia, de que sofressem de algum distúrbio mental ou emocional, ou mesmo fizessem parte desses irresponsáveis propagadores do nefasto boato — a despeito de integrantes da sociedade maceioense, o que já é um indício de que estejam mentindo.

Isto me faz recordar um dileto amigo, ex-empresário do ramo de panificação, então proprietário de um estabelecimento ali na Ponta Verde, pertinho da Praça Lyons. Na verdade, vejo agora, mais um boateiro neurótico e visionário. O sujeito teria desistido do comércio porque a sua padaria (o estabelecimento, por favor!) fora assaltada mais de vinte vezes. Sim, vinte vezes! Queixas à polícia, câmera e segurança na loja. Não adiantou. E não aguentou. Após o último assalto, ameaçado de morte com o cano de 38 na cabeça, fechou as portas. Observe-se, diria ele pra mim, que isto ocorrera na Ponta Verde, onde haveria policiamento. Imagina na periferia... Vai acreditar no cara? Claro que não, né? Mais um mentiroso.

Por outro lado, mesmo fosse verdade o que dizia o meu amigo, mesmo que esses assaltos e seqüestros que se sucedem no estado não fossem fantasia, mesmo que Maceió fosse, mesmo, a capital mais violenta do país (haja invenção!), uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa! Arrastão, não! Nem vem que não tem!

Hummm... Sabe o que é que eu acho, mesmo? Assim, sinceramente? A medrosa e irresponsável sociedade deu ressonância a esses fantasiosos e criminosos boatos só pra se vingar. Só pode ser. Chato, isso...
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(*) Não sou chegado a postar nada com palavrão (bobeira minha, certamente), mas essa do Humor da Terra tem tudo a ver.
Também publicado no jornal impresso Gazeta de Alagoas, pág. A-4, de 20/12/2011

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A mala


http://bettomarx.blogspot.com

Estação Central de Milão. Aguardávamos o trem para Veneza. Precisava ir ao banheiro. Deixei Ana Paula e fui procurá-lo. Andei, andei,... e nada. Bexiga cheia, hora do embarque chegando, vi-me aperreado. Encontrei! Era pago. Tentei desesperadamente enfiar todas as moedas possíveis na máquina. Desisti.

Preocupada, sorriu aliviada ao me ver de volta. O trem chegara e não espera. Devo informar que em Maceió sugeriu-me comprar uma mala de quatro rodinhas, porque, argumentava, seu transporte é mais prático e, por isto mesmo, mais confortável: “bastavam dois dedinhos para empurrá-la”, dizia. Tsc-tsc. Que nada. Coisa de mulher...

Na verdade, logo que chegamos à Milão já senti uma ponta de arrependimento, vendo-a toda espigada empurrando sua mala com os dois pequenos e finos dedinhos.
Às vezes só com um. Tra-la-lá... (imaginava-a cantarolando em pensamento). Soubesse assobiar, estaria: fiu-fiu-fiu... De minha parte, peguei a alça da minha, deitei-a num ângulo de 45°, e fui puxando-a por uma das mãos. Percurso curto, não cheguei a invejá-la, ainda.

Agora, porém... Nem bem chegamos aos terminais, onde estacionada uma carrada de trens, vi-os multiplicarem-se a nossa frente enquanto, correndo, procurávamos o 9729. Ela empurrando a sua, que deslizava serelepe e suavemente pelo assoalho limpo e liso; eu, puxando a minha sobre as duas míseras rodinhas, naquele ângulo de 45º, com o braço já doendo pelo peso da bicha, além do cansaço pela corrida. Sem falar na mochila (eu) e na bolsa (ela) que carregávamos junto ao corpo.

Depois de muito correr — lugar grande do créu! —, localizamos o trem. Faltava achar nosso vagão. Corremos mais, aflitos com receio de que partisse. Instantes intermináveis em que sequer me lembrava da bexiga cheia, a grande culpada. Vagão após vagão... Nada. Rápida conferência do bilhete. N.º 006. Ainda era mais atrás. Corre! Às vezes virava-me para vê-la (eu era mais rápido e ia à frente). Lá vinha ela, empurrando-a com um mínimo esforço.

Encontramos, finalmente. Malas pra dentro, ofegantes e suados, livramo-nos dos grossos casacos, cachecóis e gorros que pretendiam nos proteger do frio europeu de abril. Sentamos. Ufa!

Pouco depois, no banheiro do trem, enquanto me aliviava do já enorme peso na bexiga, pensava: se arrependimento matasse, estaria morto! Outro engano. Não estaria, porque ainda iria me arrepender muito, durante a viagem que mal começara, por não ter comprado a bendita mala de quatro rodinhas.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Culpa de minha mãe


Hoje, quando escrevo, é aniversário de minha boa e querida mãe. Anteontem, no aniversário de meu sogro (pai de minha namorada; aliás, ótimo sujeito), conversando com um bom amigo sobre o excelente momento do nosso querido CRB e o importante jogo que se avizinhava no dia seguinte, contra o América/RN — cujo resultado, é de se ressaltar, pois motivo de mais alegrias, conferiu ao Galo o direito de disputar a final do Campeonato Brasileiro da Série C —, fiquei sabendo que sua mãe já era falecida. Sem procurar dar destaque à informação, olhei-o, meio assim de soslaio, tentando esconder alguma tristeza solidária e constrangida, e vi-me a imaginar o quão privilegiado eu era por ainda ter a minha, comigo, neste mundo terreno e tão difícil de lidar.


Há dois meses comemoramos o aniversário de 80 anos de meu pai. Há cerca de doze anos voltei a morar com eles. A despeito de filho adulto convivendo com os pais, há absoluta harmonia. Raramente, raramente mesmo, vivenciamos alguma arenga. Sim, porque bons filhos não brigam com bons pais. Quando muito, arengam. No outro dia, mágoa inexiste.

Voltando ainda um tanto, fora a vez de minha filha caçula e minha primogênita. Daqui a cerca de dois meses, será o de meu filho, o do meio. Todos, absolutamente todos gozando de saúde. Todos igualmente prenhes de bons princípios e prática conforme a ética e a moral que ensinamos e esperamos venham a praticar.

Poucos dias atrás comemorei(amos) um ano de namoro. Período de plena harmonia, compreensão, generosidade, cumplicidade, companheirismo, maturidade, alegrias, paixão... Amor. Não faz muitos meses, completei 22 anos trabalhando na mesma empresa. Uma empresa que a despeito das mudanças neoliberais experimentadas pelo mundo e, também, pelo Brasil, retomou o respeito por seus empregados e pelo público a que serve.

Algum bom tempo atrás, percebi era capaz de despertar inveja. Por favor, não me entenda mal, caro leitor ou leitora. Não se trata de empáfia de minha parte. Definitivamente, não “tô me achando”. Mas ao mesmo tempo em que esta percepção me entristecia e, principalmente, surpreendia (sem falsa modéstia, inveja de quê?), confortava-me, afinal não dizem que o invejoso é apenas quem não se limita a admirar? Doutra parte, tenho irmãos e amigos verdadeiros e leais. Poucos, vá lá, mas maravilhosos.

Como você já deve ter percebido, amigo leitor ou leitora ― desculpa aí a intimidade! ―, a crônica tá emocionada e feliz. Uma coisa meio “balanço positivo”, né? Mas vou te dizer: tudo culpa de minha mãe.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Coita(Dinho)


Há pouco estive de novo na bela Ouro Preto. Povo gentil, acolhedor, igualmente belo. Sim, lá há belíssimas mulheres. Aliás, certa feita um amigo me disse que se apaixonou por todas que lá encontrou: da mais gata da balada à vendedora de confeito (= bala, bombom) postada à frente da porta de entrada. Todas democraticamente lindas.

Pois este intróito sobre a antiga Vila Rica vem de montaria para a pergunta que segue: Como é que se pôde conferir a alcunha de Ouro Preto — se patronímico, pior ainda — àquele vocalista da banda Capital Inicial? Sim, o tal do Dinho. Uma cidade tão importante para o país, política e historicamente... Vou confessar que nunca gostei muito, muito, muito, não, da banda. Gostava muito, muito, muito, de outras da época, como Titãs, Barão, Legião, Paralamas, depois Skank... Mas passado um tempo no ostracismo, ela voltou em 2000, ressuscitando sucessos das décadas de 80 e 90. Agora assumo que não gosto dela. Pronto. E explico.

Na verdade a culpa é do tal do Dinho, e eu não consigo separar uma coisa da outra. Já nutria pouca simpatia quando o via pulando feito um abilolado em algum programa de TV, depois do seu retorno à mídia. Mas quando soube do que o peste aprontou no último Rock in Rio a simpatia que já era pouca virou nenhuma, ou tornou-se antipatia mesmo.

Primeiro, quando fez a defesa dos “grandes jornais brasileiros”, segundo ele vítimas de censura. Oxe, e quais são esses jornalões coita(Dinho)s? Aliás, qual a outra censura, hoje, no país, que não aquela ditada exatamente pela grande mídia, que escolhe o que noticia e como noticia, dando o tom que melhor atende aos interesses das quatro famílias que nela mandam?

Mais: danou-se a esculachar todos os políticos e a política, como se esta não fosse a maior arma do povo de uma nação, ajudando, assim, a despolitizá-lo.

Mas o pior vem agora: ele calou quando aquelas milhares de pessoas, na sua imensa maioria formada de jovens em formação, à pergunta (refrão), cantada, de “que país é esse?”, da música homônima da Legião Urbana, respondia, em uníssono. É a p... do Brasil!

Isto mesmo. O público brasileiro (havia estrangeiros, também) que ali estava, eufórico, assistindo àquela banda, ofendeu repetidas vezes o seu próprio país, e o cara embasbacado com o coro entusiasmado de “é a p... do Brasil” simplesmente sorria, feliz com aquele espetáculo lamentável. Em êxtase, repetia o refrão. E o público respondia: é a p... do Brasil. E ele cantava, e pulava, e sorria. Coita(Dinho)s. De nós.

domingo, 2 de outubro de 2011

Próximo!


Não é ele que tá em pé!, disse pro meu vizinho da cadeira ao lado. Acho que ele ouviu. Levantou da cadeira sua bunda magra, seu corpo marombado, com aquela expressão de enfado que combinava com sua cara prenhe do frescor daquele tipo de juventude insensível ao outro, e dirigiu-se, tão devagar quanto possível, algumas três ou quatro cadeiras adiante. Então levantamos das nossas, eu e meu vizinho, e fomos proporcionalmente à frente.

Antes, eu adentrara na Justiça Federal para realizar o recadastramento biométricoeleitoral. Iniciativa da OAB/AL. Havia fila. Quatro fileiras de cerca de dez cadeiras preenchidas pelos mais diversos eleitores me separavam dos atendentes da primeira etapa. Localizado o final da fila, postei-me uma posição atrás daquele vizinho da cadeira.

Mais além daqueles primeiros atendentes, venceríamos mais alguns e receberíamos o almejado título. Passados longos minutos (pra quem está de pé, na fila, todo minuto é longo), chegamos às fileiras de cadeiras. A cada uma livre, por alguém que seria atendido ao grito de “próximo”, uma lá atrás ficava disponível.


O então primeiro incidente com o garotão (lá atrás) ocorreu enquanto eu estava na penúltima fileira. Adiante, no segundo, ao grito de “próximo” mais uma vez ficou com o traseiro grudado à cadeira, alheio a tudo e a todos,. Como nada acontecia, não contamos conversa. Levantamos, ultrapassamos o “cansado” rapazola, e sentamos nas três à sua frente. Nós dois e mais uma companheira “intolerante”, como nós. Ele ficou lá em seu “trono”, ao meu lado, estatelado. Próximo! Minha companheira de infortúnio correu, passando-lhe à frente. Foi aí que ele finalmente saiu do esturpor em que se encontrava e levantou-se, devagar, ficando em pé à nossa frente, tentando manter a pose.

Ele achava que por ter chegado antes isto lhe daria o direito de não levantar seu traseiro para ir sentar nas seguintes cadeiras vagas. Em sua lógica rudimentar, ele não se via obrigado a andar quando a fila andasse. Pouco importava se isto iria empurrar os de trás, mais pra trás, ou, principalmente, se iria suprimir o direito dos que ainda se encontravam em pé de sentar-se. Fosse num centro maior você já teria levado porrada, disse-lhe meu vizinho, com mãos trêmulas de irresignação. O senhor também teria, retrucou, estupefatamente meio bravo. Ao me indagar qual, afinal, era o problema, disse-lhe, com calma um tanto artificial: o problema é que você está errado. Próximo!

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

No manicômio

http://cachorroluco.blogspot.com

Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. A frase não é minha. Consta do prólogo do livro “A literatura em perigo”, do búlgaro Tzvetan Todorov, tradução de Caio Meira, que me caiu às mãos por um vendedor ambulante de livros, em Ouro Preto, nas Minas Gerais.

Passávamos por uma de suas calçadas de pedras irregulares construídas na época em que ainda se chamava Vila Rica, visitando, ou revisitando, seus monumentos, igrejas, ruas e lojas de souvenir, quando com certo estardalhaço pediu nossa atenção, tentando apresentar-nos os livros que tentava vender.

Era magro, estatura mediana, mais pra baixo, cabelos finos, ralos e poucos, parcialmente escorridos e grudados à raiz do couro cabeludo, dentes mal cuidados e, principalmente, de uma inteligência brilhante.
Foi só perceber que lhe dávamos alguma atenção para desandar a apresentar um e outro exemplar de seus livros, invariavelmente ótimas obras, algumas raras. Perguntou se gostaríamos de ouvir uma poesia de sua autoria. Permissão concedida, passou a declamá-la, exagerando nos gestos e trejeitos da face, não sem antes avisar-nos de que era um tanto quanto anárquica. Muito bom!, exclamei. Não satisfeito, no mais absoluto regozijo por aquela “oportunidade”, sacou de um exemplar de Fernando Pessoa e declamou para nós parte de “Esta velha angústia”, de seu heterônimo Álvaro de Campos. Emocionou-nos.

Continuasse, embora, sentado na calçada, enquanto seus livros eram-nos desordenamente apresentados, e nós em pé à sua frente, enxerguei aquele referido no início da crônica e, após folheá-lo rapidamente enquanto ele falava e gesticulava freneticamente, decidi adquiri-lo. Surpreendeu-se com minha escolha. Antes já havia me perguntado se eu era doutor, e se era português. Médico, perguntei? Não, doutor, disse-me. Agora que escolhera comprar um Todorov, também afirmava para mim: você também gosta de literatura. E indagava: É escritor? É poeta? Seu interesse e alegria aumentaram.

Reclamou-me, porém resignadamente, que ninguém parava para ouvi-lo, só a gente parou. Mas ler demais era perigoso. Eu decerto sabia, afirmou. Deixa-nos a todos um tanto loucos. O manicômio o entenderia melhor. E lembrou o poema de Pessoa, agitando o livro. Lugar dos incompreendidos e leitores compulsivos.

Feito o pagamento, despedimo-nos. Até um dia, disse-nos, retribuindo-nos os cumprimentos. Até um dia no manicômio!, esclareceu. Até, sorri-lhe.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Hoje é QUINTA-FEIRA

Tenho um grave problema: sou indisciplinado. Não demais, demais, mas mais do que gostaria e me facilitaria a vida.

Por exemplo, desde que inventei de criar o Blog do AnDRé fALcÃO, por sugestão do meu amigo Arnon Chagas (o filho) — já lá se vão, brincando, brincando, 4 anos, acostumei-me a nele postar — crônicas, mais, contos, menos — sem muito rigor quanto à periodicidade. Ao menos uma vez a cada quinze dias, desejava. Às vezes postava mais vezes, noutras, menos. Até que um dia, recentemente, conversando com o amigo Rodrigo Montenegro, da Mammoth Store, no nosso agradável e barulhento almoço diário das segundas às sextas (quando ingerimos nosso nutritivo shake), com vários de nossos amigos, dele recebi a seguinte orientação: que eu criasse um compromisso com o leitor do blog.
Vale dizer: ou diária, ou semanal, ou quinzenal, ou até mensalmente que fosse, eu postaria um texto meu, notadamente uma crônica ou um conto, mas que tivesse uma periodicidade regular. Ao mesmo tempo que esse compromisso comigo mesmo me conferiria uma obrigação e, consequentemente, para cumpri-la, seria forçado a exercitar a disciplina, o leitor se sentiria atraído, prestigiado e, com o tempo, acostumado a saber que toda QUINTA-FEIRA haveria um novo texto meu. Sugestão aceita, pus-me à prática, procurando postar toda QUINTA-FEIRA uma nova crônica (ou um conto). Assim, venho fazendo, há algumas semanas, não raro com sacrifícios, até pessoais. Só o sabe quem o faz.

Só que... hoje é QUINTA-FEIRA. E nem tchum para uma crônica ainda. O fato é que desde que realizei esse compromisso, semana após semana, e principalmente a esta altura, mais vem se consolidando em mim uma verdade: como é difícil escrever algo razoável em tão pouco tempo!... E hoje, mais do que nunca, tenho a prova: estou eu aqui (ainda adoentado neste 8 de setembro, QUINTA-FEIRA), deitado com o notebook sobre as pernas, tentando alinhavar algum tema que possa parecer (ao menos) minimamente interessante, torcendo para que a QUINTA-FEIRA demore mais tempo a passar do que o habitual.

Pior: já são 17:35 horas! Aí, um detalhe: eu não disse a que horas das QUINTAS-FEIRAS as crônicas estariam postadas. Um artifício, uma artimanha, uma matreirice para o caso de vir a acontecer algo como o que agora me sucede: este brutal infortúnio. Na verdade, parecia até que eu estava prevendo. Um dia isto iria ocorrer, então melhor não dizer, por exemplo: todas as QUINTAS-FEIRAS pela manhã! Ou pela tarde! Apenas às QUINTAS-FEIRAS. Assim, seja qual for a hora, sempre estarei cumprindo o compromisso.

Então, por favor, caro leitor, não se esqueça: antes, como hoje, toda QUINTA-FEIRA tem uma crônica ou um conto novo no blog. E hoje é QUINTA-FEIRA!

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Velho

tempestade-jesuisentraindechercher.blogspot.com/
Já sou do tempo de muitas coisas (e até de pessoas) que não existem mais, ou que foram completamente modernizadas, tenha lá algo de bom ou ruim nisto.

Às vezes me sinto envelhecendo. Não apenas pelos fios de cabelos brancos que começam a dar o ar de sua graça, ainda que raros, ou pelo metabolismo que já percebo um pouco mais lento, ou mesmo pelas dores nas costas que antes inexistiam, tampouco pela necessidade que sinto de alongar o corpo vez por outra (era pra ser diariamente, mas não raro sou vencido pela preguiça).

Não bastasse o testemunho dos avanços tecnológicos rapidamente ocorridos e impressionantes, sinto-me assim quando vejo as tantas mudanças verificadas também nos costumes. A começar porque muito direi, de agora em diante, que “sou do tempo”, sinal de que a velhice está mesmo se aproximando.


Assim, sou do tempo, por exemplo, em que mulher quase não tomava bebida alcoólica. Hoje se embriaga, não raro mais do que os homens, quando não dá vexame (e aí é horrível, perdoem-me). Lembro-me da minha estranheza quando, numa balada qualquer, vi uma garrafa de vodka, copos e balde de gelo, no chão, rodeados por algumas amigas (da garrafa), em pé, dançando ao seu redor. Parecia que estavam adorando uma deusa. No caso, a deusa “Absolut”. Dizem que nada mais é do que o exercício legítimo do direito de também tomarem seus porres. É, pode ser.

Também sou do tempo em que o beijo vinha depois. Depois de paquerar a garota (olha a velhice aí), depois de conhecê-la, depois de “começar a namorar”, o beijo surgia como o ápice, recheado de emoção, e não apenas de tesão. Certa vez uma garota veio me contar, cheia de orgulho (verdade!), que tinha sapecado (não é, aqui, antônimo de caprichado) vinte e cinco beijos na  boca durante o então recente carnaval passado. Danei-me a bochechar Listerine na primeira oportunidade que tive.

Sou do tempo, ainda, em que homem que era homem não posava pelado. Jamais. Posar sem roupa era atividade ligada apenas à natureza vaidosa da mulher (às vezes criticada, porque estaria se desvalorizando, essas coisas). Homem também não dançaria em rodinhas (sem trocadilho) com outros homens na balada. E “mulher de amigo meu” era, quase invariavelmente, homem. Ah! Homem também não gostava de exibir o corpo desnudo (ou quase) de sua mulher. Hoje parece excitar-se com isto.

Sou do tempo, até, em que bicicleta era apenas a bela e curvilínea bicicleta. Ou, carinhosamente, a magrela. Hoje é baique. “Sorry: bike”.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O decote

Inevitável a contemplação. Disfarçada, porque era o jeito, mas os olhos teimavam em admirá-lo. O decote mais lindo e gracioso que jamais vira diante de si. Os seios juvenis e proporcionais se ajustavam com indisfarçável rebeldia à generosa camiseta que os continha. Não a esperava àquela hora. Tomou um susto quando o porteiro avisou a sua chegada. O coração bateu aceleradamente. Desceu.

Conhecera-a numa festa, lá no Recife. Era linda. Tinha olhos castanho-amendoados, pele alva, cabelos pretos, longos e ondulados, sobrancelhas também negras e mais pra grossas. Baixa, mas tinha a estatura certa para aquele corpo esguio e bem distribuído. Conversaram a noite inteira. Completamente apaixonados. Tão e de tal modo embebidos daquela áurea romântica que sequer um beijo foi tentado, ou sugerido. O olhar e as trocas de impressões eram suficientes pra que aquela noite tornasse-se, depois, inesquecível. O envolvimento era flagrante, as horas passavam rápido demais. Afinal, começou a amanhecer, e a hora de se irem aproximava-se. A madrugada mais curta de suas vidas.


Num rompante percebeu que nada sabia sobre ela, apenas que costumava ir àquela balada aos sábados, e à praia de Boa Viagem. Só. Ainda tentou alcançá-la. Em vão. Mesmo assim, voltou pra casa feliz como nunca estivera. Estava apaixonado e tinha a convicção de que era a mulher de sua vida; logo, de novo a veria.

Daí em diante, foram semanas a dedicar-lhe todos os pensamentos. Já no sábado seguinte foi sozinho à mesma festa. Revistou cada metro quadrado do lugar. Nada. Voltou desolado pra casa. Passou a ir à praia todos os sábados e domingos. E à mesma balada aos sábados. Nem sinal. Mas ela não lhe saía da cabeça. Sempre ia aos mesmos locais à sua procura.

Até que num domingo bem distante, viu-a na praia. Sentiu o coração desgovernar-se. Controlando-se, foi ao seu encontro. Estavam visivelmente emocionados. Conversaram por longo tempo, até que a mãe (estava com a mãe) a chamou pra ir embora. Correram a trocar telefone e endereço.

Dois dias depois, ela apareceu no prédio com aquele decote estonteante. Aos poucos, porém, a admiração e o desejo cederam espaço a uma ponta de ciúme. Queria aquele decote apenas para sua exclusiva visão. Apaixonada e compreensiva, nada opôs. Casaram-se. Continua linda. Tem uma parte do guarda-roupa exclusiva para suas blusas mais decotadas, que lhe são mensalmente presenteadas por ele. Vários modelos e cores. Todas as noites o aguarda vestida em uma delas.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Endorfina




http://queropegartodas.com
Juro que eu tento. Tento achar legal, tento ver sentido naquilo, tento tanto que em algumas épocas já fiz até com alguma regularidade. Mas confesso que por mais que tente não consigo achar natural. Embora já o próprio conceito do que é natural possa ser relativo. Pra mim, é relativo coisa nenhuma. Mas me entenda, refiro-me a natural no sentido de algo intrínseco ao nosso viver. Como comer, fazer xixi, beber, até exercitar-se, percebe? Afinal, não apenas o cérebro; o corpo e a alma também precisam de exercício, reconheço.

Tenho dificuldade em enxergar sentido é no sujeito alterar todo o seu corpo, sua rotina e sua alimentação, comendo num sei quantas vezes mais calorias por dia do que lhe seria suficiente, gastando num sei quantas vezes mais calorias por dia do que seria razoável, produzindo num sei quantas vezes mais radicais livres (portanto, envelhecendo num sei quantas vezes mais), para ficar com um padrão de beleza estética atualmente em voga. Claro que dá um certo prazer, produz endorfina, essas coisas que se diz. Mas, vamos e venhamos, que endorfinazinha exigente, né, não?

Mas nada contra, bem entendido. Aliás, nada contra nada. Epa! Também não é assim. Mais ou menos. Contra algumas coisas, sim. Mas tô nem aí pro que cada um faça da sua vida e, ao assim fazer, não esteja fazendo mal a alguém (talvez, só talvez, a ele mesmo, mas isto, por isto mesmo, não é problema meu). Mas é que preciso, confesso, encontrar uma explicação que me aquiete, que me conforte na minha preguiça. É, talvez seja por isto.

Anteontem presenciei um amigo — na verdade, um bom (bom quer dizer legal) conhecido, amigo de um amigo — desculpando-se com o aniversariante porque iria embora mais cedo. A justificativa: estava morto de sono porque acordava às 4 horas da manhã para puxar ferro. Ou por outra: malhar. Fazer musculação. Com aquela declaração, arregalei os olhos, olhei-o de soslaio, disfarçadamente,... e pensei: Ôxe! Num tá vendo que eu não iria perder meu soninho pra levantar de madrugada e ir levantar peso, empurrar peso, peso, peso, peso?

Um outro amigo confidenciou-nos (a mim e a minha namorada), em uma festa, que estava com dor na consciência porque não havia ido à academia, malhar. Pode? Ele estava se sentindo culpado! Diz que já tá viciado. Deve ser a tal da endorfina, novamente. Bom, endorfina por endorfina, nada a produz mais do que fazer sexo. Aí, me rendo, dá pra entender! Pronto! Se é pra se viciar em endorfina, faça sexo! Nada mais natural.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Superstição?




http://alexandrefilo.blogspot.com

Era azulino e franzino o Jaílson. Foi no último CRB x CSA. Chegou cedo ao Trapichão e cuidou de arranjar assento nas cadeiras azuis (pra ver se dava sorte, já que o Azulão precisava vencer para evitar nova visita à segunda divisão do alagoano). Seu filho, que o acompanhava, postou-se ao seu lado.

Enquanto conversava com um vizinho, sentado uma fila acima da sua, sobre o exagero de proibir-se tomar uma cervejinha nos estádios, foi avisado por Jailsinho que iria ao banheiro. Estava com uma brutal “dor de barriga”, provavelmente de nervoso e apreensão pelo início do jogo.

Ao banheiro o imberbe rapaz, Jaílson voltou a bater papo, postando-se de costas à cadeira do filho. Conversa vai, conversa vem, um sujeito senta na cadeira de Jailsinho; o pai não percebeu, distraído que estava. Quando já longos minutos depois veio a notá-lo, tentou persuadi-lo a sair da cadeira, deste recebendo um imperturbável não. “Amigo, tô aqui há pelo menos 10 minutos. Guardar lugar, não pode. Vou sair, não. Ele que sente em outro lugar.” Em vão, as explicações de Jaílson.

Bom, seja porque o sujeito parecia um armário de tão forte, seja porque lugares próximos ainda havia, seja finalmente porque o garoto estava mesmo demorando, Jaílson não insistiu. Quando o então amarelado (por razões óbvias) Jailsinho retorna, Jaílson explicou-lhe rapidamente a situação, orientando-o a sentar-se numa cadeira próxima, embora branca. O armário permanecia imóvel.

Iniciado o segundo tempo. Nada de gol. Pior: o CRB começou a mandar no jogo. Força de uma alteração equivocada, porém, o CSA ganha novo ânimo e passa a pressionar. Trinta minutos, Trinta e cinco, quarenta minutos. Jaílson e Jailsinho já não cabiam mais em si de ansiedade.  Mas... Eita! Claro! Essa a urucubaca! Jailsinho precisava sentar-se nas cadeiras azuis, pensou. Porém, não havia vaga em nenhuma. Foi aí que Jaílson, tomado da “coragem” que só o desespero pode, contraditoriamente que seja, conferir, ele se dirige ao vizinho, e diz-lhe: “Por favor, deixe meu filho sentar na cadeira. É por isto, pode acreditar, que o CSA não fez um gol. Vamos cair e o culpado será você.” Sem ter mais razão para brigar pela cadeira, e também porque tão desesperado quanto Jaílson, o vizinho saiu.

Caro leitor, foi só o Jailsinho colocar o traseiro quase desfalecido na cadeira e... gooolll! Gol do CSA! 46 min do 2º tempo. Jaílson e o armário abraçaram-se como grandes amigos e marcaram uma cervejinha pra dali a pouco.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

As aventuras de Ed (história baseada em fatos reais)*

*Tb publicada no jornal Gazeta de Alagoas, de domingo, 30/07


Passava da meia-noite. Relâmpagos e trovões ensurdecedores. Acho até que era sexta-feira 13. Digamos que fosse, leitor. Afinal, o terror vivido por aquela santa mulher, D. Maria da Boa Viagem, poderia muito bem ter-se dado no desafortunado dia. Deixada em casa por seu marido, o viril, e de famoso vozeirão, Ed Muin Tafarra ― que àquelas horas ainda tomava umas com os amigos ―, e pelos filhos, que curtiam “la dolce vita” maceioense, Mª da Boa Viagem tentava driblar o medo jogando damas na internet. Por companhia, apenas o feio Carpacio (pronuncia-se como no italiano), cão raquítico, mas limpo, que D. Mª da Boa Viagem para isto não poupava recursos. Bonito, porém, não ficava, porque milagre, isto aquela santa mulher, apesar de santa, nunca realizou.

De repente, viu a maçaneta da porta de seu quarto girar. Por medo, estava trancada à chave. O caro leitor não imagina o susto que tomou a ainda jovial senhora. Sim, jovial. Apesar dos três filhos já grandes (e cruéis), sua pele era limpa e sedosa como pêssego. Diz-se que seu agudíssimo grito foi ouvido dos extintos Sete Coqueiros aos escombros do Alagoinhas. Até eu, que só estou a escrever, percebo-me com alguns pelos arrepiados.

Trêmula dos pés à cabeça, com o coração a querer traspassar-lhe o peito, D. Mª da Boa Viagem telefona para Ed Muin Tafarra. Embora do outro lado a campainha do celular tocasse alta e freneticamente: “... vou sim, quero sim, posso sim, minha mulher não manda em mim ...”, Ed, alagoano e CRB, mas também Vasco/RJ, nada ouvia, absorto em acalorada discussão sobre torcer-se apenas pelo time da terra (ou não). Também tentou os filhos. “Filho(a)”, dizia nervosa, mas baixinho, “vi a maçaneta do meu quarto girando! Não consigo falar com seu pai. Venha alguém aqui.” De cada um ouviu o mesmo não, crentes que a mãe estava a imaginar coisas. Pobre Maria.

Algum tempo depois, eis que Muin Tafarra aparece no bar onde se encontrava um deles, Lat Anhado, de quem ouviu o relato. Segurando o corpanzil na cadeira para não cair, Ed exclamou, às gargalhadas: “Oxe! Era eu! Tinha voltado pra casa, mas quando vi que a porta estava trancada, pensei: Maria dorme. Aí, pé ante pé, vim tomar uma com você.” E tome rir!

“Mãe”, se apoquente não. Foi o painho”, tranqüilizou-a a filha. Ouvida toda a história, Maria da Boa Viagem recompôs-se, voltou a trancar a porta do quarto e da casa, pôs o pega-ladrão e os tapa-ouvidos, e foi dormir. Os gritos de Ed, bem mais tarde, não foram escutados.
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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Os EUA são a América?

Toda vez que percebo (lembro) que os EUA se apropriaram do nome da América - eles são a AMÉRICA? -, sinto um misto de irresignação e antipatia.

Nenhum país europeu se arvora ser a Europa. O mesmo ocorre com a Ásia, a África, a Antártida ou a Oceania. Mas os Estados Unidos da América se autodenominam "a" América. E assim fizeram tornar-se conhecidos.


São, assim, entre todos os povos do continente americano, os únicos a quem se "pode" chamar americanos.

Chato, isto...
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terça-feira, 26 de julho de 2011

Covarde

*P/publicação também no jornal Gazeta de Alagoas e na revista O Drible

http://paz-ummundomelhor.blogspot.com
“Jogo não é lugar pra mulher.” “Vai pra casa, mulher.” “Olha o que eu tenho aqui pra você”, e pegava nas partes, que, fosse por minha vontade, seriam extirpadas pra’quele animal nunca mais ter onde pegar.  Gol do CSA, aos 46 minutos do segundo tempo. O quadrúpede quase caía por cima dela, que estava com sua família ― duas filhas adolescentes, e um filho com a namorada, mais afastado, já contando uns 18 anos, de quem a mãe, com receio de algo pior, mantinha ignorante do que estava acontecendo ―, e agitava a camisa (acertando o rosto de uma das garotas), momento em que ela decidiu ir embora, sem chamar a atenção do filho (para quem ela estava indo porque o jogo estava praticamente encerrado).

Aconteceu no último CRB x CSA, quando este, com a vitória alcançada nos minutos finais, logrou manter-se na 1ª divisão do alagoano. Era pra ser só uma festa para os azulinos (que comemorariam a permanência na elite) e tristeza para os regatianos (que pretendiam mandar novamente o rival à segundona, sem sucesso). Era pra ser só coisas do futebol. Mas lá, nas cadeiras do “Rei Pelé”, havia um imbecil, um criminoso, um sujeito que indiscutivelmente nutria um ódio doentio pelas mulheres, e que, dando azo à sua canalhice e covardia resolveu divertir-se desrespeitando uma jovem senhora e mãe, apenas porque desacompanhada de um homem adulto.

Não foi nas arquibancadas altas, nem nas baixas. Tampouco no meio das torcidas Comando Alvirrubro ou Mancha Azul, maiores torcidas de CRB e CSA, respectivamente, e principal alvo dos responsáveis pela segurança no estádio. Ocorreu nas cadeiras. Nas cadeiras!

A jovem mãe é nossa amiga, e regatiana de ir a todos os jogos. Ela explicou-nos, dias depois, o porquê de ter ido assistir ao CRB 1 x 0 Fortaleza nas arquibancadas, próximo à Comando (aliás, adorou e assegurou-me que doravante somente iria pra lá), e não nas cadeiras, como havíamos combinado e fomos. Confesso que meu estômago embrulhou com a história.

A propósito, alô PM, alô meus caros amigos do MP, drs. Max e Denise! As cadeiras devem ser divididas: um lado para os regatianos, outro para os azulinos. E a torcida visitante não pode ficar tão próxima às cadeiras (menos ainda em cima de parte das do 1º piso). A probabilidade de conflito existe e é potencial. Já tive problemas com um torcedor rival que queria porque queria sentar-se na cadeira em que meu filho se encontrava até minutos antes de ir ao banheiro. Deu-me trabalho “convencê-lo” a sair.

Ei, covarde que odeia mulher! Um dia você terá menos sorte.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Óbidos


Estariámos no séc. I, cidade de Eburobrittium, rodeados por romanos, visigodos e árabes. Ou no iniciozinho do séc. II, quando a veríamos ser tomada aos mouros e posteriormente servido de dote a várias rainhas de Portugal.

É que a atmosfera da vila portuguesa de Óbidos, no início da primavera deste abril de pleno séc. XXI, deve guardar muita semelhança com aqueles ares. Lá estão, cruzada a Porta da Vila forrada por azulejos setecentistas, entre suas muralhas, séculos de história marcados por imenso patrimônio arquitetônico religioso, além de evidentes sinais históricos.

Óbidos é tão simpática quanto deslumbrante e bucólica. Chegados à Casa das Senhoras Rainhas (nosso hotel), e após degustarmos a ginginha (imperdível licor feito de ginja, fruta que lembra a cereja) com algumas frutas e chocolates com que nos receberam, fomos ao passeio.

Caminhamos sobre a muralha do castelo que a envolve (às vezes bastante estreita e algo perigosa), depois por suas ruelas empedradas e tortuosas, casario harmonioso pintado com barras azuis ou amarelas, janelas floridas de roseirais, madressilvas e buganvílias, candeeiros antigos, monumentos, igrejas e capelas.

Troca-Tintos
Já à noite, saboreado o delicioso jantar e as não menos gostosas “peras bêbadas” (cozinhadas embebidas em vinho) no seu mais famoso monumento nacional, o Castelo (Pousada) de Óbidos, rumamos ao charmoso “Troca-Tintos”, bar próximo à entrada secundária da muralha, já por fora dela, onde conhecemos Christinna e Mota: aquela, sua jovem proprietária; este, talentoso músico, maestro e, claro, bebedor de vinho. Simpáticos é pouco. Christinna, um doce de garota; o Mota, uma figuraça.

Ginginha
Bebemos cerveja (eu), vinho (nossos amigos) e ginginha (Ana Paula) durante toda a madrugada, papeando sobre nossos países, música, literatura e amor. Maestro da Big Band da Nazaré, Mota nos presenteou com um ótimo CD, e nos ensinou que o brinde, para valer, deve ser acompanhado do olhar ― e arregalava os olhos, encarando-nos e empunhando sua taça na direção das nossas (risos). Contei, até umas horas, a história do meu namoro com AP, relato recheado de parênteses para a conta de algum detalhe peculiar, mas ao que o Mota, ansioso, já, pelo ápice da narração, protestou, bravo: chega de parênteses, André! Divertimo-nos demais! Muito obrigado aos nossos amigos pela noite deliciosa.

Dia próximo a nascer, fomos embora. Força da diurese, por pouco não marquei meu território na milenar muralha. A tentação foi grande, mas contive-me até chegar ao hotel. Juro!
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Tb pub. na Gazeta de Alagoas

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Nunca duvidem da ADVOCEF

Feito o convite, e prontamente aceito — como doravante narrarei melhor —, vi-me numa autêntica sinuca de bico, num quase inexpugnável mato sem cachorro. Aliás, não imagino no que a Kika, a cadelinha-irritada-azuretada-poodle que mora conosco desde o ano 2000 (velhinha, já, acho), iria ajudar-me se me deparasse no mato com ela, mais desorientada do que eu, como o é. Mas alguma serventia deveria ter, cachorra (desculpem, cadela) que é, caso contrário a frase não viraria chavão (nome horrível, por sinal). Falar nisso, havia me prometido contribuir empenhadamente pela extirpação definitiva de clichês e chavões. Mas como fazê-lo, sem criatividade, sem disposição intelectual, sem brilho como me encontro? Ainda mais, ironia das ironias, para escrever no fascículo de número sem, ops!, cem, da revista!...

Sinceramente! Não, sinceramente, não. Porque é claro que é sinceramente. Se sinceramente não tem porque não ser, desnecessária a ênfase. Mantê-la, aliás, pode, por isto mesmo, até depor contra. Assim, refaço o início, para simplesmente afirmar: senti-me honrado. Isto, isto mesmo: honrado. Senti-me. Feliz, diria mais. E sinto-me, porque também estou, deveras(!) aperreado, uma vez atrasado no cumprimento do compromisso que me honrou.

A honra se deve ao convite para fazer uma singela homenagem em forma de crônica ao fascículo de nº 100 desta Advocef em revista. O que poderia responder? Aceito (como lá atrás ventilei)! Essas coisas não costumo titubear. É sim. Depois a gente vê... Mesmo sabendo que seria uma enorme furada, afinal também tinha a indisfarçável consciência de que nem de longe atenderia ao tanto de que eram merecedores a homenageada, o seu centésimo fascículo e a sua brilhante equipe — desde os notáveis colaboradores, colegas de profissão e de crônicas e contos, passando pelos responsáveis pelas belíssimas ilustrações (Ronaldo Selistre), capa, contracapa e projeto gráfico (Eduardo Furasté), pela editoração eletrônica (José Roberto Vazquez Elmo), pelas ótimas matérias jornalísticas (Mário Goulart Duarte – Jornalista Responsável, e Manoela Andrade – Jornalista Assistente) e Conselho Editorial de escol. Aliás, por favor, meu caro Mário, não me diga que não vou poder citá-los e ao amigo, como de outra vez fizeste, quando a você me referi outrora. Já os citei. E agora não deleto mais.

Eu dizia que são 100 fascículos, completados agora, mas a bela história da revista começou lá atrás, antes até dela mesma, com o então Jornal da Advocef (nos anos 1990). Somente em 2001 surgiu o Boletim da Advocef, agora já a revista, até ter o nome e a formatação atual.

Interessante destacar que a Advocef sempre enxergou a necessidade premente de criar uma mídia que lhe conferisse maior visibilidade, que se tornasse um eficiente canal de voz, seja em face da administração da CAIXA, seja em face dos próprios advogados da empresa. Tanto assim o é que criada a associação em agosto de 1992, já no ano seguinte circulava o primeiro fascículo do Jornal.

Em pouquíssimo tempo, portanto, desde o surgimento da nossa Associação, os advogados da CAIXA ganharam um periódico corporativo que dignifica e orgulha a sua profissão, a sua luta, a sua história, o seu conhecimento técnico-jurídico, a sua excelência. Um excelente periódico para uma excelente corporação.

Não vou negar, porém, que é para as páginas da crônica ou do conto que primeiro parto assim que recebo meu exemplar mensal. Por razões decerto óbvias. Aqui tenho lido belos exemplos de literatura. Daquela literatura dos que não têm tempo para ela, mas a trazem amarradas a si, como um fardo tão solitário quanto prazeroso, para afinal encontrar, aqui, o espaço para o alento do desaguar.

Falando nos textos literários e no espaço que lhes abre a Revista, não espanta tenha parido uma filha bela, a Revista de Literatura da ADVOCEF (2010), trabalho gráfico excelente, de conteúdo primoroso, perfilando, em síntese sugestiva, o talento do pessoal que trabalha na área jurídica da CAIXA. Tive a alegria de ver dois contos meus incluídos entre as obras da antologia. Não é difícil entender porque me seria impossível negar a escrita dessas mal traçadas linhas (ah!, os clichês...).

Quanto às matérias técnico-jurídicas e jornalísticas, estrelas maiores da Revista, nada ficam a dever a qualquer periódico corporativo publicado. Antes, é um orgulho, como o é ser advogado da CAIXA.

Falando na querida cliente e patroa, cuja defesa diuturna realizamos com tanto denodo, dedicação e competência, encerro a crônica, parafraseando o Presidente da empresa, para dizer aos que eventualmente possam não ter acreditado na nossa Associação e em sua força, da qual esta Revista é um dos mais caros emblemas: nunca mais duvidem(os) da ADVOCEF.
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*Publicada, sob encomenda, na Revista da ADVOCEF (Associação Nacional dos Advogados da CAIXA), edição de Junho/2011

domingo, 26 de junho de 2011

Guarda-chuva à milanesa


Milão - Piazza di Duomo (1)
Lindo. Bicolor. Chumbo, suavemente dourado, com uma parte menor quase roxa, fosca e acinzentada. Finos detalhes dourados no cabo e na engrenagem. Estilo italiano. Compramos na belíssima Galleria Vittorio Emanuelle II, em Milão. De repente: Cadê? Cadê o guarda-chuva? A nossa história na cosmopolita cidade italiana, porém, começara no dia anterior.


Assim que chegamos ao hotel fomos dar uma volta nos arredores, próximos à Porta Romana, uma das antigas portas de entrada em Milão. Ficou tarde, restaurantes fecharam, e acabamos jantando mesmo um Mc Donalds na calçada em frente, com o muro da escadaria da vizinha estação de metrô servindo de mesa. Romântico, por isto mesmo.
Porta Romana (2)

Por essa época (abril) acontecia a International Fair of Milan, mais importante salão de decoração, móveis, design ou qualquer coisa relacionada a essa parte da arquitetura de todo o mundo, além da EUROLUCE, especializada em iluminação — esta objeto principal da curiosidade profissional de minha namorada, que é arquiteta e empresária do ramo, diferentemente de mim, um neoadmirador. Quanta poesia... Foi lá que prestei singela homenagem a outra grande paixão, em quattrifolio posto à disposição do público. Meu querido CRB. Único time de meu coração. Veja nas duas fotos imediatamente abaixo (risos).

Depois, obrigatória a visita à região da Tortona, onde ocorre uma série de eventos similares (Tortona Design Week). Aliás, se há um bairro que é a cara de Milão na época da feira é a Zona Tortona. Ruas, lojas, bares, fábricas, jardins que são pura arte, moda e design, além de gente dos mais diversos países, a maioria pra lá de estranha. Vale a pena ir e curtir cada ruela com seus barezinhos cabeça, cervejinha gelada, cachorro-quente alemão e seu público louco. Vez por outra, Tom ou Chico na vitrola. Acredite. Verdade. Diversão garantida. Mas esse foi um passeio somente realizado no segundo dia em Milão. Voltemos ao lanche na estação e ao ombrello.
Feira Internacional de Milão (3)

Pois bem, dia seguinte aos sanduíches, rumamos imediatamente à Piazza di Duomo, como é mundialmente conhecida porque lá se encontra a Duomo di Milano, talvez a mais impressionante edificação em estilo gótico de toda a Europa. Complexa, grandiosa e de uma beleza estonteante. Aliás, lá não se pode deixar de visitar também o Palazzo Reale di Milano, de estilo neoclássico, além do Castello Sforzesco, do séc. XV.
Castelo Sforzesco (4)

Depois, ingressamos na Emanuelle. Como chovia um pouco, compramos um guarda-chuva. Aquele, do início. Como era bonito!... Dava gosto chovesse, só para que a gente pudesse passear por ele protegidos. Iniciada a noite resolvemos nos aquietar num de seus restaurantes. Alojamos no chão, quase debaixo da mesa, o guarda-chuva e a sacola de compra contendo apenas a embalagem (o relógio que ganhara de presente de aniversário já estava no meu pulso). As duas também chamavam a atenção por sua beleza. Já as massas, tão custosas quanto deliciosas. Ao menos.
Galeria Emanuelle - interior (5)

Comidas, fomos passear mais. O frio já se instalara, mas a noite ainda tardaria — não escurece antes das 8:30h. Muitas bicicletas de aluguel. Andavam livre e despreocupadamente entre os carros, que atentamente delas desviavam ou eram por elas obrigados a frear. Atravessar a rua, moleza. Bastava a menção de pisar a faixa de pedestre para o carro brecar de imediato.

Foi quando Ana Paula deu pela falta do guarda-chuva. Claro! No restaurante da Emmanuele. Fomos correndo, não. Mas com o passo apressado. Droga, perdê-lo. Tão bonito. E nem serventia havia tido ainda. A galeria ficando mais perto, mais rápido caminhávamos. Pouca, porém, a esperança.

Enfim, chegamos. Havia um casal na mesma mesa. Já pretendíamos falar com o gerente quando, abaixando os olhos mais detidamente, a surpresa: lá estavam nosso ombrello e a sacola com a caixa vazia de meu relógio, intactos e na mesma posição. O casal nos sorriu e ali caiu a ficha de que já estávamos, mesmo, na Itália.
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* Também publicada no jornal Gazeta de Alagoas, edição de 26/06/2011, p. A-4 (em forma condensada)
(1) http://journalbrazil.com

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Uma pausa portuguesa

*Também publicada no jornal Gazeta de Alagoas, edição de 12/07/2011, pág. A-4

Canal Central (Ria)

Foi quase ao norte, na Beira Litoral, região das Beiras. Doces, caracóis, barcos coloridos, salinas... Aveiro. A Veneza portuguesa. Não nos arrependemos nem um tico de tê-la incluído no roteiro. O hotel, Moliceiro, era de frente pro canal central, ou Ria. Sei lá porque chamam assim. Quarto maravilhoso, sugestivamente batizado por eles de Veneza. Aí a gente testemunhou aquela pausa. Hilária a parada. Inusitada. Mas aconteceu.
Pastéis Tentúgal (Café André) e
 Ovos Moles

Antes, a gente já havia caminhado pela cidade, e navegado a bordo dos moliceiros (os tais barcos coloridos), pelas rias. Também já havíamos experimentado os ovos moles e os pastéis de Tentúgal — tradicionalíssimos doces da cidade — e comido muitos caracóis, além de bacalhau com broa (nada a ver com as nossas) grelhado na brasa.


Casa na região central
É, Aveiro é uma graça. Prédios antigos, com suas fachadas de azulejos (construídos até por volta de nosso descobrimento), além de construções no estilo art noveau e neoclássico. O cheiro de água do mar a impregnar nosso olfato, embora você não o veja (não o olfato: o mar). Tudo de inebriar os sentidos. Vale a pena passear a pé, desde o centro comercial (conhecemos até uma provinciana, mas muito sortida loja de quinquilharias) e o belo Fórum (Shopping aberto), passando ao largo do canal central, até o ponto de onde partem os moliceiros para os diversos passeios pelas rias, e fazer os tours, ao som do fado de Amália Rodrigues, a bordo dos ônibus de andar superior para esse fim espalhados pelo país.
Fórum (Shopping de Aveiro), ao fundo, à direita

Entre uma foto e outra, uma parada na Barrica ou na Pastelaria Rossio: pra quem gosta dos ovos moles, é obrigatória. Eu, como não gosto de ovo com a gema mole, não gostei do ovo, tampouco do pastel. Mas sou exceção. Fazem sucesso. Almoçávamos lá pelas sete da noite. Dia claro, ainda. De entrada, caracóis fritos na manteiga, na Casa do Caracol,  bem em frente à Ria. Pense num petisco gostoso! E farto! O prato principal, agora já especialidade do O Rodel, muito bem servido para duas pessoas: churrasco delicioso (a carne derretia na boca, de macia), e o bacalhau com broa. Salivei. Memória gustativa. Detalhe: um e outro (a Casa do Caracol e O Rodel) ficam no mesmo lugar (só mudam o nome) e são do simpático João Patarra.
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Barzinho em uma das muitas praças

Na última noite, de duas, resolvemos ir ao cinema. O idioma ajudaria e estávamos a fim de um filminho. ¨London Boulevard - Crime e Redenção¨, numa das salas do Zon Lusomundo. Enquanto assistíamos e nos divertíamos com as traduções do inglês para o português de lá, eis que, no meio, a projeção simplesmente parou. Pausa de dez minutos enquanto, supomos (!), trocavam o rolo do filme. Refeitos da surpresa, rimos até umas horas. Estávamos em Portugal. Simpático até nisso.
Canal Central (ao fundo, à direita, o Hotel Moliceiro)