domingo, 11 de dezembro de 2016

O candidato permanente

Foi numa tarde de domingo que os conhecemos. Momentos maravilhosos, inesquecíveis. Nunca esqueci aquela família. Nunca esqueci Celina, Cláudio e seus vinte e quatro filhos. Alguns “pegos” por eles com graves problemas de saúde ou severas deficiências físicas ou mentais. Todos rejeitados por quem lhes pariu. A vida? Esta lhes fora dada, mesmo, por aqueles dois servidores do céu, na terra.

Luís, o seu nome. Não mais que seis, sete anos de vida. Como os outros, que sobreviveram, foi tocado pela mão de Deus. Ops! Quero dizer..., pelas quatro mãos de Deus. As de Celina, mais as de Cláudio.

Como a maioria, abandonado num hospital. Abandonado, desnutrido, desenganado. Pele e ossos — estes querendo lacerar aquela. E doença. Mas as quatro mãos de Deus foram lá e... zapt!, seguraram-lhe a vida. Ou trouxeram-lhe à vida. Tanto faz. E, assim, o que seria um curto e sofrido destino na terra foi-se transformando.

Levaram Luís pra casa. Como os outros vinte e três. Aos poucos, as carnes se foram acomodando entre os ossos e a pele ressequida e fina. Esta, devagarzinho fazendo as pazes com aqueles. Uma gordurinha num canto. Outra noutro. Mais um pouquinho acolá. As doenças a pouco e pouco desistindo dele. Até que a saúde lhe foi, finalmente, apresentada. Seu melhor alimento, mais eficiente remédio? O amor. Luís também não o conhecia. Então, tome amor! Não sei como ele não engasgou, de tanto que recebeu. Resultado, não sobrou mal em Luís. E há o que possa contra mãos de Deus? E o que dizer quando são quatro, essas mãos?

Quando chegamos, Luís estava dormindo. Conversamos longamente com seus pais, conhecemos seus irmãos — um dos meus filhos foi bater bola com os mais velhos, no terreno de chão batido. Nossos amigos, que nos levaram a conhecê-los, diziam nunca ter visto criança mais simpática, doce, amorosa. E ele, enfim, apareceu.

Tímido, ainda, em sua primeira primavera de idade mental, logo lançou-se ao pescoço de um de nós. E assim ficou por algum tempo. Depois, abraçou cada um. Demoradamente. Sorria um sorriso lindo, mas que não consigo descrever. Não parou mais de abraçar. Todos. Ora um, ora outro. E passava um bom tempo assim. Abraçado. E sorrindo.

Aí fui entender porque Celina, com seu invariável e surpreendente bom humor, dele dizia ser o “candidato permanente”. É que, explicara, os políticos abraçam as pessoas em época de eleição. Luís as abraça o tempo todo. Permanentemente.

Nunca mais esqueci Luís.
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Crônica publicado no jornal Gazeta de Alagoas, de 03/8/2007
Originariamente pub no blog Ponto Vermelho (www.blogdoandrefalcao.com), em ago.2007

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