domingo, 11 de dezembro de 2016

O Capitão Nascimento

O Capitão Nascimento é personagem do filme Tropa de Elite. Virou um herói neste País. Servidor público incorruptível — o dinheiro não o compra —, é corajoso e implacável com traficantes de drogas do Rio de Janeiro, escondidos nas favelas edificadas no alto de seus muitos morros. Admirei essas qualidades naquele homem.

Todavia, no exercício de seu dever, esquiva-se do próprio sistema legal que o legitima. Assim, mata. Inclusive quando já tem o patife preso e indefeso. Mata em nome da lei(?). Invade residências, situadas nas mesmas favelas onde escondida a caça funesta, mas antes consulta o morador inocente, com um ar de quem não espera outra resposta que não o sim: “Senhoorr, nos permite entrar na sua casa, senhoorr?” O tom é melódico e ameaçador. Do outro lado, a voz trêmula, de pânico e medo, olhos esbugalhados, balbucia: “Sim... po-pode..., sim, Se-Senhor.” Ele também tortura. Mas só para obter informação imprescindível! E se o morto ou o torturado não forem as pessoas, a quem a tortura ou a morte se destinaram, é o risco do negócio. Faz justiça com as próprias mãos (e armas). Sofre. Por causa de sua missão é abandonado pela família. Vive atormentado, por ironia, sob efeito de drogas. Nada mais justo que possa matar, torturar, e espalhar pânico aos inocentes em seu caminho, à revelia da própria lei que defende. Afinal, os fins justificam os meios. Exterminar, eis os fins.

Não posso negar que meu instinto regozijou-se ao vê-lo dar um tiro bem na cara daquele chefe do tráfico. Claro! O sujeito era uma escória! Como não me encher de júbilo com a morte desses vermes? Mas meu contentamento dura pouco. É que, lembro, há outros chefes, fora dos morros, tão ou mais perigosos e perversos. Estão em nossa imaculada sociedade, na política, nos poderes constituídos, freqüentando os mesmos lugares em que nós, das classes média e alta, nos fartamos. Enquanto os do morro abastecem de droga o futuro de nossos filhos, os de fora do morro roubam a merenda de nossas crianças, ceifando-lhes o seu presente. E não ficam nisso (como se fosse pouco).

Mas contra os de fora dos morros os Capitães Nascimento nada fazem. Conhecem sua identidade, seus feitos e mazelas deploráveis, mas não usam de violência contra eles. Fossem “dois pesos e uma só medida” eu veria o filme desses capitães repetidas vezes. Certamente até me autotorturaria, beliscando-me pra ver se estava mesmo acordado.

Violência é ruim. Mas se é pra existir, que valha pra todos. Aí eu queria ver.
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Originariamente postada no blog Ponto Vermelho (www.blogdoandrefalcao.com), em out.2007

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