O
Capitão Nascimento é personagem do filme Tropa de Elite. Virou um herói neste
País. Servidor público incorruptível — o dinheiro não o compra —, é corajoso e
implacável com traficantes de drogas do Rio de Janeiro, escondidos nas favelas
edificadas no alto de seus muitos morros. Admirei essas qualidades naquele
homem.
Todavia, no exercício de seu dever, esquiva-se do próprio sistema
legal que o legitima. Assim, mata. Inclusive quando já tem o patife preso e
indefeso. Mata em nome da lei(?). Invade residências, situadas nas mesmas
favelas onde escondida a caça funesta, mas antes consulta o morador inocente,
com um ar de quem não espera outra resposta que não o sim: “Senhoorr, nos
permite entrar na sua casa, senhoorr?” O tom é melódico e ameaçador. Do outro
lado, a voz trêmula, de pânico e medo, olhos esbugalhados, balbucia: “Sim...
po-pode..., sim, Se-Senhor.” Ele também tortura. Mas só para obter informação
imprescindível! E se o morto ou o torturado não forem as pessoas, a quem a
tortura ou a morte se destinaram, é o risco do negócio. Faz justiça com as próprias
mãos (e armas). Sofre. Por causa de sua missão é abandonado pela família. Vive
atormentado, por ironia, sob efeito de drogas. Nada mais justo que possa matar,
torturar, e espalhar pânico aos inocentes em seu caminho, à revelia da própria
lei que defende. Afinal, os fins justificam os meios. Exterminar, eis os fins.
Não
posso negar que meu instinto regozijou-se ao vê-lo dar um tiro bem na cara
daquele chefe do tráfico. Claro! O sujeito era uma escória! Como não me encher
de júbilo com a morte desses vermes? Mas meu contentamento dura pouco. É que,
lembro, há outros chefes, fora dos morros, tão ou mais perigosos e perversos.
Estão em nossa imaculada sociedade, na política, nos poderes constituídos,
freqüentando os mesmos lugares em que nós, das classes média e alta, nos
fartamos. Enquanto os do morro abastecem de droga o futuro de nossos filhos, os
de fora do morro roubam a merenda de nossas crianças, ceifando-lhes o seu
presente. E não ficam nisso (como se fosse pouco).
Mas
contra os de fora dos morros os Capitães Nascimento nada fazem. Conhecem sua
identidade, seus feitos e mazelas deploráveis, mas não usam de violência contra
eles. Fossem “dois pesos e uma só medida” eu veria o filme desses capitães
repetidas vezes. Certamente até me autotorturaria, beliscando-me pra ver se
estava mesmo acordado.
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Originariamente postada no blog Ponto Vermelho (www.blogdoandrefalcao.com), em out.2007
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