Meu
caro Mário,
Vejo
(e leio) sua missiva e tento, agora mesmo, assim atabalhoadamente, falar-lhe
alguma coisa sobre o tema (o trema, que integra o tema, vem em seguida) — estou
assoberbado de tarefas nesta segunda-feira feliz. Confesso, desde logo, não me
ter sobre ele debruçado, sequer minimamente. Mais: nem de longe, nem de muito
longe(!) — muito mais longe do que a distância que nos separa —, teria
condições técnicas para falar com propriedade sobre a reforma ortográfica que
se prenuncia. Assim, e até por isto, rogo-lhe desculpas pelo açodamento e
inconseqüência (olha o TREMA, aí!!). O seu pedido, entretanto, é uma ordem.
Você pediu, então arque (S/TREMA) com as conseqüências (de novo, o danado).
Falando
em TREMA, meu prezado jornalista, nada me parecia mais inútil, mas mais
charmoso. Distinção, “sacomé”**? O cara escrever com trema confere(ia)
aparência de saber. É feito carro luxuoso em mão de pobre inconformado:
satisfaz a si (ilusão) e à hipocrisia da sociedade, que teima em avaliar
conforme as aparências. Bobagem rematada. Já vai tarde.
O
HÍFEN, ah!, o hífen... Por que cargas d’água (ou de qualquer outro líquido
menos nobre) não se foi às “cucuias”*** também? Para que “diabos” deixar aquele
traço chato e separatista? Aliás, o HÍFEN, pra mim, tem um quê de preconceito,
mesmo. É a revista grande que não aceita virar hiperrevista, tem que ser
hiper-revista, e por aí vai. Veja, meu caro Mário, como a ausência do hífen
diminui a força, por exemplo, de um anti-semita. Antissemita (sem o HÍFEN), é o
que deve ser: se não uma peste em extinção, ao menos um desgraçado
enfraquecido. Aliás, entre o TREMA (tem garbo, o trema, tem ou não tem?) e o
HÍFEN, fosse pra escolher, ficaria com o TREMA, apesar de todas as críticas
ideológicas com que o pintei lá atrás.
Finalmente!
Finalmente as pobre k, w e y lograram entrar no precioso e seleto grupo,
oficial, da língua portuguesa. Bom, não é pra qualquer letra, decerto, fazer
parte do alfabeto da mais linda (e rica) língua. Mas confesso: sinto-me um
pouco preocupado. É que temo signifique, a inserção das três letras em comento,
menos um beneplácito nosso em relação a essas pobres excluídas, e mais uma
constatação de nossa americanização subserviente e basbaquada (existe isto?
Basbaquada, de basbaquice. Ou babaquice, como a gente popularmente diz).
O
ACENTO CIRCUNFLEXO, dos crêem, dêem, lêem e vêem, e derivados, e das palavras
findas em hiato “oo”, já vai tarde. Ora, ninguém diz crÉem (assim, com o 1º “e”
aberto). Pra que, então, emprestar o som do “circunflexo” ao que já o tem por
si? Vá-se fora, então (saudade deu-me, agora, do fôra – mas não é hora para
reminescências).
Tampouco
vou chorar uma lágrima pelo fim do ACENTO AGUDO nos ditongos abertos (e alguém
fala assemblÊia, por acaso, para necessitar dessa agudeza redundante?), nem nas
paroxítonas com o “i” e “u” tônicos, tampouco na maluquice dos GÚES. Afinal, o
ACENTO AGUDO no averigÚe, por exemplo, jamais impediu que vez por outra eu
ouvisse de um sábio locutor: averÍgue!, apazÍgue!, tudo assim, como se o AGUDO
estivesse na sílaba imediatamente anterior.
Finalmente,
minha única crítica, pelo menos por ora — enquanto não pensei melhor nos
devaneios que acabei de escrever: tenho por princípio não concordar com a
retirada do ACENTO DIFERENCIAL. Este, sim, tem uma utilidade prática notória. É
certo que o sentido da frase pode não deixar dúvidas se você vai PARA lá, ou se
você PÁRA, como vejo tenho que fazer já, já. Mas, pôxa, que coisa estranha
escrever um verbo como se estivesse, ali, uma reles preposição. E comer uma
pÊra sem acento? Não terá o mesmo gosto. Não terá.
Prezado
Mário, se você, com sua argúcia, detectar algum equívoco de redação — bobagens
há, a fole —, peço-lhe retificar, por gentileza. Fiz num fôlego, felizmente
ainda com acento, pra gente não se cansar tanto.
Forte abraço!
André
Falcão de Melo
_________________________
(*)
Mário Goulart é jornalista e escritor. Como jornalista, atua principalmente em
jornais corporativos, de que é destaque o Boletim da Assoc. Nac. dos Advogados
da CEF. Na literatura, destacam-se os infanto-juvenis Tio
Herói (1999), que
ganhou o Concurso 30 anos da FNLIJ, o selo Altamente Recomendável e os prêmios
Jabuti de Revelação Literária e Açorianos (Porto Alegre), todos em 2000, e Pê
da Vida
(2000), indicado pela mesma FNLIJ para a Feira de Livros Infantil Bolonha 2001.
Escreveu Também o "Livro dos Erros, Histórias Equivocadas da Vida
Real" (2001), pela Editora Record, e uma biografia sobre o compositor
Lupicínio Rodrigues.
(**) Sacomé = sabe + como + é.
(***) Cucuias = inferno ou qualquer outro recôndito indesejado, para onde desejar enviar algo de que você não goste.
(**) Sacomé = sabe + como + é.
(***) Cucuias = inferno ou qualquer outro recôndito indesejado, para onde desejar enviar algo de que você não goste.
Originariamente pub no blog Ponto Vermelho (www.blogdoandrefalcao.com), em set.2007
Foto em http://www.rodrigocmagalhaes.com/
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