sexta-feira, 2 de abril de 2010

Dr. Dirceu Falcão: uma lembrança

A Marlena, minha ex-professora (eterna professora é mais verdadeiro) de Direito Comercial da UFAL — bem, eu a chamo assim, por Marlena mesmo — veio nos brindar (a meus pais, a mim, enfim, a esse ramo de nossa família), dia desses, com um conjunto de três belos livros (memoriais) sobre a vida e obra do nosso querido parente falecido (irmão dela), Dirceu Falcão, o Dr. Dirceu, médico respeitado e venerado mundo afora, justamente homenageado pelo Município de Maceió não faz muitos dias.

A crônica é singela. Não está, naturalmente, à altura daquele alagoano de escol, mas vai assim mesmo. Como Dr. Dirceu não era homem de mais-mais-mais certamente não estará nem aí para o pouco ortodoxo tema que desenvolverei. Com sorte até talvez do fato se recorde e, assim, divirta-se um pouco, enquanto a todos de lá de cima vê e por todos zela. Do mesmo modo que um dos livros veio recordar-me de que Dr. Dirceu era azulino (torcedor do CSA).

Pois bem, voltando ao caso que me dispus a contar, tinha eu meus vinte e poucos anos, quando vim do Recife, onde estudava Direito, para fazer uma pequena cirurgia no..., digamos, pinto (Eita! Mamãe vai odiar essa história de pinto). Excesso de pele (fimose) entende? “Pronto, mãe, já disse, e em plena crônica. Esquenta não, daqui a pouco ninguém nem se lembra mais dela. E não vou entrar em maiores, nem menores, detalhes. Juro!”

Pois bem, dizia eu que vim operar o velho (maneira de dizer) e fidelíssimo amigo com ninguém menos que o Dr. Dirceu. Ele que já tinha feito, salvo engano, ao menos uma ou duas intervenções jurídicas em minha mãe, cirurgião gabaritadíssimo. Sua clínica era na Pajuçara. Cheguei, meio tenso, mas tudo correu bem durante a cirurgia, felizmente.

Realizado o curativo no dito cujo, com gaze e esparadrapo, fiquei de retornar à clínica no dia seguinte (acho) para fazer um novo. Isto se repetiria mais uma ou duas vezes; a memória me falha. Ocorre que o primeiro problema residiu justamente aí. A desgraçada da gaze havia grudado numa pequena parte da incisão. Meu caro leitor, pense! pense na dor! Foi horrível, insuportável! Eu gritava, gritava a não mais poder. Barulho da peste, os meus gritos ecoando pela clínica. E Dr. Dirceu dizia: “Calma, rapaz! Calma! Mas que bicho frouxo!” “Frouxo porque não é no senhor”, balbuciava atrevido, com lágrimas nos olhos, enquanto ele sorria, mangando de mim, mas um pouco surpreso com meu, para ele(!), exagero.

De volta ao Recife — não podia ficar perdendo aula —, mais sofrimento. A tal da partezinha onde a danada da gaze grudara teimava em não cicratizar. Eu ia pra Faculdade com a calça mais folgada (jeans, nem pensar) e sem cueca. Mais: onde havia os pontos — não lembro se já tinham sido tirados, ou caídos naturalmente; creio que não — eu cobria, abundantemente, com pomada anestésica. Um suplício! Nem queira imaginar! Andando pela Faculdade de pernas abertas, para evitar o bate-bate, e com a calça melada de pomada (os livros naturalmente carregados meio na frente, pra disfarçar). Os caras zoando comigo. E à noite eu ligava pra Maceió: “Mãe, esse troço não fica bom! Continua incomodando! Dr. Dirceu deve ter errado em alguma coisa” (haja atrevimento, hein?). “Calma, meu filho! Que errou nada! Você está é preocupado. Venha pra Maceió no próximo fim de semana pra conversar com ele.” E fui.

Abatido, estressado, barba por fazer, lá fui eu à clínica num sábado pela manhã. Dr. Dirceu pediu para conversar a sós comigo. Ouviu-me e começou a me dar conselhos; nada ortodoxos, certamente, mas você pode imaginar, se lembrar-se onde se dera a cirurgia. Além de alguns impublicáveis — que expressamente me recomendou adotasse já naquele sábado, mais tardar segunda-feira —, disse-me pra que eu fosse tomar banho de mar, não sem antes barbear-me. Só do papo com ele já saí de lá outro. Alegre, disposto, confiante, tranquilizado, animado. Fui imediatamente cumprir suas recomendações. Afinal, prescrições médicas a gente tem que seguir religiosamente, não é mesmo?

Assim, já em casa, tomei um banho, barbeei-me, vesti o calção (homem usa calção; short é de mulher) mais folgado que encontrei e fui à praia do Francês com um amigo. O mar estava convidativo e eu sabia que teria que banhar-me. Então fui entrando n’água. Devagar, molhando de pouquinho, até que mergulhei de cabeça. Meu irmão, passados alguns segundos,... que dor da pega! O danado do sal do mar castigou meu bichinho dodói com vontade! O troço ardia demais da conta! E pra disfarçar a dor, sabido que a praia estava cheia de gente? Pense na agonia... Mas enfrentei bravamente a empreitada, ainda que trincando os dentes.

Pois foi um santo remédio! Não se passou meia hora estava eu tinindo de bom, quase sem sentir mais nada, feliz feito pinto n’água (sem trocadilho). Passei o resto da tarde no Francês, já imaginando, todo serelepe, as providências a adotar para cumprir as demais recomendações do agora novamente querido, sábio, gente boa, fantástico, competentíssimo Dr. Dirceu.

No dia seguinte meu melhor amigo já estava praticamente sarado! E então pude fazer o teste final, completando o receituário que me passou, no qual passei sem maiores problemas, pra minha felicidade. E claro que esta foi a melhor parte de suas prescrições. E o que eu faria sem elas?

Ah! Bendita água salgada do mar! Bendito Dr. Dirceu! Só não entendo uma coisa: como é que ele foi torcer logo pelo CSA? Um cara tão inteligente... Isto, sim, é imperdoável.

Nenhum comentário: