domingo, 28 de março de 2010

Quando você é seu próprio algoz

Você vê alguém. Pode ser numa balada, no supermercado, num jogo de futebol — vocês torcendo pelo mesmo time, ou não. Pode ser em sala de aula, no trânsito, num barzinho. Pode ser por uma foto no MSN, no Orkut, num sítio na internet... Você pode ter visto hoje, num dia qualquer, distante, e ter revisto. Não importa quando. Não importa onde. Você vê alguém. E a diferença de outras visões de outras pessoas mundo e vida afora é que você se sente de algum modo atraído por essa visão. Visão verdadeira. Não é miragem. Atração física. Uma espécie de magnetismo que a puxa pra você, e vice-versa.

Aí você se aproxima, ou ela se aproxima, ou ambos se aproximam ao mesmo tempo. Também não importa. E vocês de algum modo se apresentam. Ou dizendo um “oi”, seguido de uma conversa qualquer; ou já entabulando um beijo no melhor estilo “clássicos do cinema” (Imaginou? Hoje em dia isto é perfeitamente comum, mas não me arriscaria a dizer natural).

Aí vocês conversam e se beijam e conversam e se beijam e transam (ou, se preferir, leitor, fazem amor). Não necessariamente nessa ordem. Não necessariamente no mesmo dia, nem na mesma semana, nem no mesmo mês — hum,... acho que quase sempre pelo menos no mesmo mês, né? Também podem não conversar. Ficam “somente” no beijo e na transa. Aquela — a conversa — pode vir depois; ou bem depois. Aí vocês se apresentam, dizem seus nomes, quando lhes pareça conveniente a apresentação. Antes, durante, depois do beijo, do oi, da transa. Também não importa.

Bom, “ficaram”. Ficaram juntos. E continuam a “ficar”. “Ficar”, para os que são de outro país ou de outro planeta e nunca ouviram falar no fenômeno, significa beijar, conversar, transar, não necessariamente nessa ordem, e não necessariamente os três juntos. Vocês ainda não estão namorando. Estão “ficando”. Agora, começam a se conhecer melhor. Já aconteceu, ou não aconteceu ainda, a tríade (conversa, beijo, transa), mas agora vocês vão se conhecer um pouco mais, já que a atração de certo modo resistiu à conversa, aos beijos, à(s) transa(s). Pode parecer estranho — até a algum tempo eu achava —, mas é assim. Quase sempre é assim. E não necessariamente nessa ordem, já disse.

Aí vocês “ficam” uma vez, duas, três, quatro... Mas a atração inicial que provocou aquela conversa, aquele beijo, aquela transa, vai diminuindo num dos lados da dupla, devagar ou rapidamente, até findar, ou quase. Não é matemática. E aquele lado não previu ou desejou aquilo. Mas o encanto, por alguma razão — ou por razão nenhuma —, vai virando desencanto. Aquele lado passa a não sentir mais vontade, ou a mesma vontade, de conversar, de beijar, de transar... De “ficar”. O outro não vê, ou não quer ver. Porque se encantou mais, ou quis mais, ou desejou mais. E assim quer continuar. E as palavras daquele lado desencantado rareiam, a vontade se esvai,... e o silêncio se posta. Irremediável, natural e claramente, como só o silêncio consegue ser, ou fazer. O outro, porém, ao estágio seguinte desejava passar. E, frustrado, às vezes demoniza aquele; quem, para ele, destruiu seu incipiente castelo.

Mas não se constrói castelos sem um bom alicerce, que somente o tempo confere. Castelo sem alicerce é ilusão. Rui sem precisar de vento, de chuva, de nada. Rui. Simplesmente. E o fantástico da ilusão é que você pode iludir-se a si mesmo. E aí você é o seu próprio algoz.
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2 comentários:

André Falcão de Melo disse...

Caros leitores,
É condição para que o comentário seja postado a identificação de quem o realiza (nome e e-mail).
Grato.
André

lucianaconduta@hotmail.com disse...

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais!! A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade..

A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.
Luciana