quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Uma noite, na ditadura*

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*Tb pub no jornal Gazeta de Alagoas e nos sítios Pragmatismo Político e PCdoB - Alagoas

Devia ter entre seis, dez anos (1970/1974). Vez em quando íamos dormir na casa de meus avós maternos, Togo e Juracy, lá na Des. Amorim Lima. Por lá também havia outros velhinhos adoráveis, como a d. Marinete e seu esposo, “seu” Djalma.

Aos domingos, missa nos Capuchinhos, logo cedo, pra mim cedíssimo, mas eu gostava, porque me sentia mais próximo de Deus e de vovó. Algo como: estou indo à missa com a minha avó e isto é muito importante! E o companheirismo ditado pelo exercício daquele compromisso cristão, fazia-me amá-la ainda mais nesses momentos. Mesmo quando eu, impaciente, torcia pra missa acabar logo.

Naquela época, sabe-se, havia o delicioso e então possível hábito de familiares e amigos sentarem-se à calçada à porta de casa, para jogar conversa fora. E não éramos exceção, embora, ao que me recorde, meu avô não compartilhava muito desse ritual: preferia ficar lendo algum livro ou vendo o noticiário. Eu achava o máximo desfrutar daqueles momentos; havia uma sensação, real, de enorme cumplicidade e união entre todos nós. Como se sentar-se ali pra bater papo fortalecesse os laços que já existiam. E fortaleciam.


Em algumas dessas noites, embora na penumbra provocada pela parca iluminação da época, enxerguei, do outro lado da rua, um homem carregando um punhado de livros grossos, cabeça levemente abaixada, caminhando a passos silenciosos, rápidos e furtivos no sentido Tomás Espíndola – Comendador Palmeira. Não olhou em nossa direção, tampouco nos cumprimentou.

Foi tão discreto, que poderia ter passado desapercebido, estivéssemos distraídos. Mas eu não estava, e de pronto perguntei, entre espantado e curioso: quem é esse homem, vovó? Tão estranho, parece estar se escondendo... É o filho da Marinete. Ele é comunista, respondeu, falando baixinho, como se ao dizer aquela palavra nos colocasse em algum tipo de risco. Depois deve ter dito algo como: é proibido ser comunista, pode ser preso. A Marinete se preocupa tanto com ele, coitada... Senti o tom de solidariedade de minha avó com a dor da amiga.


Devo ter perguntado mais alguma coisa, como o que é ser comunista, mas confesso que não lembro. A conversa teria parado por aí. E juntando o pouco que eu vi e ouvi, captei que devia ser algo muito perigoso. Mas não sei por que, ao invés de olhá-lo com medo, desejei poder conhecê-lo; de esquecer o ocorrido, queria saber o que havia nos livros que carregava; de enxergá-lo como vilão, vi-o como alguém de muita coragem. Muito mais tarde fiquei sabendo: era o Eduardo Bomfim.

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