sábado, 12 de setembro de 2015

A moça do souvenir*

*Falhei novamente com vcs, mas principalmente com o compromisso, firmado comigo mesmo, de postar aqui sempre às quartas-feiras. Desta vez, eu me encontrava numa fazenda no interior de Minas, onde só raramente se podia contar com Wi-Fi. Hoje estou conseguindo, então lá vai, com minhas desculpas a vcs que estiveram por aqui, a crônica "A moça do souvenir", q foi publicada na Gazeta de Alagoas e nos sítios Pragmatismo Político e PCdoB-Alagoas, já que a havia enviado pra lá antes de pra cá viajar.

Era uma bela cubana de olhos azuis-claros, tez alva, cabelos negros longos e levemente cacheados, displicentemente repartidos ao meio e jogados para trásnuma espécie de rabo-de-cavalo adornado por discreto adereço de artesanato da ilha, incapaz, porém, de impedir que ombro e colo fossem parcialmente recobertos por mechas sinuosas, conferindo-lhe um ar de espontaneidade a harmonizar-se com toda a sua figura e gestos. Sua simpatia estava tão à flor da pele quanto a largueza de seu sorriso e acolhimento genuíno.

O hotel pertencia ao estado cubano, bem assim a loja de souvenirs lá situada, onde trabalhava. Havíamos acabado de tomar o café da manhã após nosso primeiro dia em Havana e entramos para olhar e, se o caso, comprar alguma coisa. Embora não mais fumante, meus olhos foram atraídos por uma bela e elegante carteira de cigarrilhas, Cohiba Club 20, onde inobstante se lia: “RECUERDA, ERES EL ESPEJO PARA TUS HIJOS, NO FUMES - MINSAP”, o suficiente para dissuadir-me de eventual ímpeto tabagista.

Logo estávamos os três a conversar alegremente; nós com disfarçada curiosidade, temendo até menos ser indiscretos do que ignorantes, afinal, como viemos a definitivamente constatar dias após, em se tratando de Cuba, diferentemente dos milhares de turistas canadenses, europeus e demais latino-americanos e caribenhos que a invadiam diariamente, os ignorantes éramos nós, os ainda poucos brasileiros que visitavam a ilha caribenha.

Ela, por sua vez, sabia do investimento do Brasil às empresas brasileiras no Porto de Mariel, do Mais Médicos, de Lula e da reeleição de Dilma. Como já à vontade, engolimos a vergonha e confessamos que boa parte da sociedade brasileira era muito ignorante a respeito de Cuba, por isto mesmo extremamente preconceituosa em relação à ilha, ao ponto de considerar Fidel um ditador, terrível e sanguinário, e Cuba um lugar atrasado e sem atrativo.

Assim que terminou de nos ouvir, ela, notoriamente surpresa, envergou o tronco para baixo, sorrindo farta e esplendorosamente, mas meio como se desculpasse de nós porque sorria. Recompondo-se, passou a dizer-nosem tom de indisfarçável surpresa e brandura: Fidel, terrível sanguinário? Cuba, ditadura? Meu Deus, temos um socialismo democrático! Somos consultados e participamos de tudo o que diz respeito à nossa vida e ao nosso país. Temos eleições até demais, meus amigos brasileiros. Quando voltarem à Cuba, tragam um desses para que ele veja por si mesmo. Tô fora!, respondi.

Nenhum comentário: