domingo, 10 de novembro de 2013

Testemunho

Pensava que vê-los envelhecer
Seria apenas ver diminuir-lhes a habilidade física e intelectual,
Um tanto bom de memória de hoje, perdida.
Pedia para vê-los envelhecer.
Só não iriam poder me acompanhar naquela ladeira toda,
Não conseguiriam talvez ir ao meu casamento.
Nem tomar algumas geladas comigo,
Sentirmos o cheiro do mato de fazenda e do asfalto enquanto eu dirigia, ele.
Não dar um passeio a pé pela orla, ela.
Ou deixá-la pagar meu lanche no shopping numa tarde qualquer,
Em que eu demorava a voltar ao trabalho depois de levá-la à médica,
Que ela só confiava ir, por pretexto pra levá-la, comigo.


Pensava que vê-los envelhecer
Seria apenas ver diminuir-lhes a vontade de ir a aniversários da família
Um tanto bom de memória de ontem, rememorada.
Pedia para vê-los envelhecer.
Só não iriam poder me acompanhar naquela viagem
Pra ver Mariana, e os parentes vivos, no Recife.
Não conseguiriam talvez ir àquela homenagem que receberia,
Nem comer um simples churrasco comigo,
Sentirmos o gosto bom do café da manhã de beira de estrada,
Enquanto eu dormia no banco de trás do carro, ele.
Não contar meus problemas, minhas angústias, meus medos, mesmo já adulto,
Pra não preocupar a ela.
Ou deixá-la me oferecer coisas de feira no supermercado,
Como se ainda não pudesse comprá-las.

Pensava que vê-los envelhecer
Seria mais ou menos assim, só.
Não é.
Vê-los envelhecer tem dor, também
Às vezes muita dor.
Muitas vezes.
Tem também muitos problemas,
Que às vezes chegam a impedir o que desejamos fazer.
É... até atrapalham nossas vidas.
Traz-nos novas e grandes e terríveis preocupações.
Vê-los envelhecer significa ser meio pai deles.
Só que enquanto eles sabem que são pai e mãe
A gente nunca conseguirá ser pai (ou mãe) deles completamente,
E a gente quer que eles jamais deixem de saber.
E agora não pensamos mais como filho, que precisa de conforto.
Mas alguém que tem que fazer o possível, e o impossível, para confortar.

Vê-los envelhecer às vezes dá uma tristeza tão grande..., tão grande!
E eu pedia para vê-los envelhecer.
E continuo pedindo.
E agradecendo...
Ah, que alegria que dá poder vê-los envelhecer...

2 comentários:

Nilda disse...

Que lindo texto, André, coisas de bom filho! Parece que o comum hoje é que os filhos abandonem seus velhos, negando-se a reverter a natureza da vida no final onde o filho passaria a ser pai/mãe do próprio pai/mãe.

Elvira disse...

Parabéns por esse texto mravilhoso, que, realmente, só poderia ter sido escrito por um filho amoroso que ama seus pais, e sabe, o verddeiro significado de pai e mãe. Espero, de coração, que você continue vendo-0s envelhecer. Grande abraço

Elvira Berti Sidlauskas
eberti@ig.com.br