quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O quadro


Podia ser o perfume de um quadro. De uma paisagem pintada num. Via todo ele num ângulo de quase 180º. Quadro com cheiro de terra e mato molhados pela repentina queda d’água, sem dar sinais prévios aos desatentos como ele de que viria. Tão rápida veio, quase tanto se foi. Quadro bonito, meio escuro. O sol já se pôs. Só a lua cheia o clareava. Ideal.

A boa música que ouvia no aparelho eletrônico e o remetia a tantas boas sensações e lembranças formava belíssima composição com o som que vinha do quadro. O vento nas folhas da mata e suas fruteiras produzia sinfonia que ora aumentava ora diminuía de volume. E aí via mais do que a natureza exposta no quadro vivo, sentia mais do que seu cheiro, ouvia mais do que sua música.

Às vezes o cheiro se confundia com o da mulher. O cheiro bom da mulher que discretamente vinha de vez em quando ver se ele precisava de alguma coisa. Não queria interrompê-lo. Sabia que ele escrevia enquanto contemplava o quadro que parecia confundir-se com a sua vida, agora. No momento em que ela se achegava era tomado também pela sensação de que o quadro perfumado e vivo alcançara a completude. Foi quando percebeu que do quadro também exalava calor. Aquele que o aquecia, liberando a passagem do vento frio, compensando-o.

Voltou a chover. Mais forte e com vento. Sentia em seu rosto, mãos e braços os raros finos pingos que conseguiam alcançá-lo. Mesmo assim não se movia, senão pelos dedos quase frenéticos a teclar. O mais — ver, sentir, ouvir — era imóvel que o fazia. Como que a tentar fotografar para sempre a imagem, o vento e o cheiro que vinham daquele quadro. Daquele quadro e daquela mulher com um cheiro tão bom, que de vez em quando o compunha. E que nesse momento era fotografado em sua mente e coração. Para eternizar-se.

Um comentário:

Ana Paula disse...

É uma felicidade ler o que você escreve quando sei que representa exatamante o que sente. O que sentimos.
O quadro da nossa vida... Feliz pra sempre. Te amo.