quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Nada que cisque pra trás

Tava aqui na frente deste teclado amigo (bajulando..., pra ver se ele me ajuda com a inspiração que teima em bater-me a porta à cara), matutando como abordar o tema das mal-traçadas linhas a que me incumbi criar (ou seria alinhavar?) até amanhã, quando minha mãe vem me lembrar que hoje, véspera de ano-novo, não se come bicho que cisca pra trás. Na verdade, não sei se algum bicho cisca pra frente — donde haveria aí redundância imperdoável dela, e minha, que a absorvi —, mas vamos admitir que sim, tá? Se não por mim, ao menos pela minha mãe querida. Assim, na véspera e, claro, na ceia de ano-novo, nada de comer galinha, frango, pinto, peru e por aí vai (parece até que tô maliciando, ao citar essas últimas espécies, pinto e peru, mas tô não. Juro! Afinal, pinto, não, mas peru não se come na ceia do Natal, mesmo?). E parei no peru — olha ele aí, involuntariamente, de novo — porque não me lembro mais de nenhum bicho que cisque pra trás e a gente eventual ou cotidianamente trace. Se houver outros, considere-os igualmente proibidos; só isto.

A propósito, e ao contrário, esclareceu-me minha antenada mãe (algo me diz que ela não vai gostar muito de sua involuntária participação nesta crônica) que muito bom para a ceia de ano-novo é o porco, já que fuça a terra... pra frente! Percebeu? A lógica é a mesma. A diferença é que enquanto aqueles ciscam, e pra trás; este, o porco, fuça, e pra frente. Aliás, vai ter porco na ceia aqui de casa.

Pois bem, o alerta materno, que me propiciou os devaneios rasgados acima e, espero, adiante (quando mal ou bem concluirei a crônica, dando por encerrado o mister), se deu porque em meus planos primitivos — já, naturalmente, abortados — imaginava comer um peito de frango no almoço. Mas como disse: idéia sepultada. Segundo dona Ilka é porque levaria a gente pra trás — pro ano que finda — e não pra frente, pro novo ano, como deve ser. “Mas nem sem comer os pés do bicho?”, indaguei. Afinal, pretendia alimentar-me do seu peito, não dos seus pés. “Não adianta”, vaticinou, categórica. “Dá pra trás.” Humm... Seja lá como for, tem sentido. Afinal, quem cisca pra trás, olhe-se por onde se queira, é mesmo o dono dos pés. Estes o fazem porque são pelo proprietário, no caso o bicho, mandados. Aliás, galinha tem pés ou patas? Bom, custa nada adiar o peito do frango...

Eita! Lembrei-me agora, agorinha mesmo, do nosso amigo cachorro. Não, não é o apelido de alguém, não. Tô falando do cão! É, o cão, melhor amigo do homem! Oxe! Por que o espanto? E ele então não cisca (e pra trás) quando faz suas necessidades? Só que no caso do nosso velho companheiro, não tenho dúvidas, são as patas que ciscam. E será que os chineses e a velha guarda coreana o comem também na véspera de ano-novo? Bom, se comem, lá não deve valer a crença, já que esses países, ao menos economicamente, vão de vento em popa. Valha-me, Deus! Mais um motivo pra nunca incluirmos nosso companheiro no cardápio. Minha cadela, além dos cães do resto do mundo quase todo, agradecem.

Então peguei meus dois filhos que moram aqui em Maceió e fomos ao Xópin almoçar. Enquanto escolhíamos o que iríamos comer dentre as alternativas proteicas restantes (carne de boi, peixe, camarão, etecétera), não resisti em dar uma passada d’olhos nas mesas das outras pessoas que se serviam, acomodadas na “praça de alimentação”. Incrível! Juro! Não vi, nos pratos alheios imperdoavelmente, mas discretamente, investigados por mim, uma mísera asa de frango sequer, pra contar história. O que dizer-se de um belo peito do bicho, ou mesmo um empanado. Nada! Caramba! Então se trata de um verdadeiro dogma popular! Bom, ao menos hoje os frangos estariam a salvo, foi a conclusão inarredável. Que bom.

Findo já o almoço, toca o telefone celular. É minha preocupada mãe — preocupada com o meu futuro próximo (o ano-novo que se aproxima): “Oi, mãe. Diz aí.” “Filho, você já almoçou?” “Já, mãe”. “Comeu frango, não, né?” “Não, mãe. Comi, não”, disse-lhe, tranqüilizando-a.

Ah! Ia esquecendo de contar. Ato contínuo — isto é, imediatamente após receber o importante conselho e alerta materno —, tratei de providenciar fossem dele avisados, o quanto antes, meus filhos, demais familiares, amigos e, claro, vocês, meus queridos leitores e leitoras que, aliás, tiveram as impressionantes, quase inacreditáveis, generosidade e paciência de ler-me até aqui. Jamais seriam, até por isto, esquecidos, tanto que a crônica pretende cumprir essa missão.

Portanto, eis o aviso (e quem avisa amigo é): não comam bicho que cisca pra trás na véspera de ano-novo! Hein? Como assim? Não vão lê-la a tempo de eu conseguir evitar o desastre? Eita! É mesmo! E agora? Nossa Senhora! É verdade; quando esta crônica for publicada — isto é, quando vocês virem a conhecê-la — já estaremos no novo ano! Nada; preocupem-se, não. Vamos deixar de drama. Afinal, é só uma crendice popular. Confie em mim. Você que, desconhecendo o fato, comeu aquele peru na ceia de ano-novo, não vai andar pra trás, coisa nenhuma. Repita comigo: eu vou pra frente, eu vou pra frente, eu vou pra frente... Isto, continue dizendo umas cinquenta vezes por dia durante, digamos, o primeiro mês do ano. Pronto. Pode ficar tranquilo. Contra a força da crendice, a força do pensamento positivo. É infalível. Feliz Ano-Novo! Coitado...
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Também publicado no Boletim da Advocef (Revista da Assoc. Nac. dos Advogados da Caixa Econômica Federal)

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